BIBLIOTECA

Escolher o sistema de desaguamento mecânico de lodo – uma missão possível

László Morvai

Gerente de Aplicações

Andritz Separation

 

  1. INTRODUÇÃO

As tecnologias de tratamento de água e de esgoto amplamente utilizados para a remoção de poluentes dissolvidos e coloidais seguem o mesmo conceito: durante o tratamento transformam estes poluentes em material sólido, que pode ser removido da fase líquida com maior facilidade. Nesta maneira, durante o tratamento químico, adicionamos um reagente, que precipita a poluente dissolvido; e durante o tratamento biológico, os microrganismos metabolizam os poluentes orgânicos dissolvidos, produzindo novas células.

Como resultado, os poluentes não serão completamente eliminados, mas transferidos da fase líquida numa fase sólida onde permanecem mais concentrados, e podem ser separados numa eficiência mais elevada e por custo de menos energia, normalmente através de decantação por gravidade. O resultado é um subproduto que chamamos “lodo”: suspensão de sólidos de alto teor de matéria orgânica e compostos responsáveis pela característica desagradável de efluentes, e com > 95 % de água em peso.

A consequência da concentração dos poluentes do lodo é que o tratamento do mesmo fica complexo e caro: numa estação de tratamento de esgoto, por exemplo, o volume do lodo gerado é apenas 1 a 2 % do volume do esgoto tratado, porém o processamento do lodo representa aproximadamente 40 % dos custos de implantação; 20 a 60 % de custos de operação e 90 % dos problemas operacionais. (Khiari et al., 2004). Considerando um sistema de saneamento básico completo, estima-se que para cada 1 m3 de água tratada, sejam gerados 20 g de resíduos sólidos e mais 76 g/m3 no tratamento dos efluentes; ou seja, um total de 96 g/m3 no processo como um todo (Mogami, S., 2010).

Dos resíduos sólidos produzidos de uma estação de tratamento de efluente, esgoto ou de água, os sólidos removidos durante o tratamento preliminar, como no gradeamento e na remoção da areia, não são considerados como lodo, e em circunstancias normais não estes entram no processo de tratamento do lodo.

Os processos que englobam a disposição final de 90% do lodo produzido no mundo são: incineração, disposição em aterros e uso agrícola.  No Brasil, o descarte ainda é normalmente realizado em aterros sanitários. (Iwaki, 2017).

Com a aplicação da tecnologia de secagem térmica torna-se possível a produção de biossólidos secos e granulados, com teor de umidade remanescente menos que 10%, assegurando-se a eliminação de organismos patogênicos de modo a possibilitar sua classificação como biossólido classe A. No Brasil, o artigo 3º da Resolução CONAMA nº 375/2006, define critérios e procedimentos para o uso agrícola de lodos de esgoto gerados em estações de tratamento de esgoto sanitário, para que possam ser utilizados na agricultura. Alguns poluentes, como os metais pesados presentes nos lodos, porém, limitam a possibilidade da reuso no agrícola: alguns lodos industriais, e lodos de estações de tratamento de efluentes que recebem alta carga de efluentes industrias não podem ser considerados como potenciais biossólidos.

A preocupação do tratamento correto do lodo é mais recente que do tratamento de esgotos e efluentes. Até os anos 1990 nos projetos das ETEs pequenos, o tratamento de lodo praticamente foi ignorado. Graças a espaço físico abundante no país, a aplicação das lagoas de estabilização ganhou muita importância, mas esta solução, não pode ser considerado definitiva, serviu apenas para “adiar a decisão de investimento”. As opções oferecidas pelos fornecedores também eram limitadas, até o “boom” da aplicação das centrifugas decanters a partir de 1995, a tecnologia predominante era a filtro prensa de câmara além da prensa desaguadora em algumas estações de tratamento de esgoto maiores. O conhecimento técnico dos responsáveis pela decisão de investimento sobre o tratamento de lodo também é menos ampla, que sobre o tratamento de efluentes. Muitas vezes a decisão por um sistema ou por outro, é resultado do trabalho de “marketing” de um fornecedor e não de uma análise técnica profunda.

O objetivo deste artigo é oferecer uma orientação para a escolha tecnicamente correta de um sistema de desaguamento mecânico do lodo, que é o principal – na maioria dos casos é o único – componente do sistema de tratamento de lodo. Ganhou foco privilegiado o processo de levantamento de dados, explicando em detalhes a importância de cada parâmetro necessário para a escolha e o dimensionamento do sistema.

  1. A IMPORTANCIA DE DESAGUAMENTO MECÂNICO

O processo de tratamento do lodo inclui várias etapas, com objetivos diferentes (Tchobanoglous, G., et al, 2003):

  1. Adensamento, com objetivo de reduzir o volume do lodo, elevando a concentração do mesmo de aproximadamente 1 % para > 3 %, através da remoção de água livre.
  2. Estabilização, com objetivo de reduzir a população de microrganismos patogênicos presentes; e diminuir a possibilidade de geração de odores e da atração de vetores durante as etapas consecutivas de tratamento e da disposição final, através a redução de potencial de putrefação. Algumas tecnologias como a digestão biológico do lodo, reduzem ainda a quantidade de lodo.
  3. Condicionamento do lodo, com objetivo de facilitar a separação das partículas sólidas da fase líquida.
  4. Desaguamento – ou desidratação – mecânica, com objetivo de reduzir o volume e transformar o lodo ainda líquido em material livre de líquido livre, transportável como material sólido em granel.
  5. Higienização de lodo, com objetivo de diminuir patogenicidade até um nível que o lodo não cause riscos à população nem ao meio ambiente, ao ser disposto no solo. Como o objetivo e o resultado desta etapa é muito parecido com a estabilização, podemos denominar como “estabilização em fase sólida”.
  6. Secagem térmica, com objetivo de reduzir o volume dos rejeitos no máximo possível. Os processos térmicos resultam também a higienização de lodo.

A maioria das fontes de literatura técnica considera o processo de tratamento de lodo como uma linha consecutiva das tecnologias referentes das etapas acima listadas. Na prática, porém, não podemos definir claramente esta linha, porque algumas tecnologias aplicadas enquadram mais que uma etapa do processo geral. A digestão anaeróbica e a estabilização alcalina, por exemplo além da redução da atividade microbiológica nas etapas consecutivas, facilitam a remoção da água durante a desaguamento, assim contribuem no condicionamento do lodo. Algumas etapas podem ser “opcionais”, dependendo a destinação final do lodo e as possibilidades – técnicas e econômicas – da ETE. Considerando estas particularidades, sugiro a esquema generalizada mostrada na Figura 1 para a descrição do processo de tratamento do lodo em geral.

Como pode observar, a única etapa, que não pode ser considerado “opcional” é o desaguamento – desconsiderando a aplicação de secagem natural (leitos de secagem). Muitas vezes, esta única etapa de desaguamento mecânico construí o processo de tratamento de lodo de uma ETE. Por este motivo, a escolha de tecnologia de desaguamento merece atenção privilegiada.

producao-lodo

Figura -1: Alternativas e sequências dos processos de tratamento de lodo.

 

  1. TECNOLOGIAS E EQUIPAMENTOS DO DESAGUAMENTO MECÂNICO

Os processos de desaguamento podem ser naturais ou mecanizados. O princípio do desaguamento natural é a evaporação e a percolação, e abrangem tecnologias como leitos de secagem, lagoas de secagem de lodo e de aplicação de tubos de mantar permeáveis. Como o tempo de retenção, e consequentemente o espaço necessário é elevado em caso destas tecnologias, este último frequentemente é o fator limitante para a aplicação do desaguamento natural. Para estações muito pequenas, porém, podem ser as únicas soluções economicamente viáveis.

Nos processos de desaguamento mecânico a separação de sólidos e líquidos pode ser feito na base de diferença de tamanho das partículas, ou na base de diferença do peso específico da fase sólida e líquida. Os equipamentos, que seguem o primeiro princípio, são os diversos equipamentos de filtração, como filtro-prensa, filtros a vácuo, prensa desaguadora (“belt-press”) e outros equipamentos contínuos de filtração como prensas parafuso, (C-Press) ou prensas rotativas (“Rotary Fan Press”). As centrifugas, no outro lado, funcionam a base de diferença de peso específico.

O maior objetivo da aplicação dos equipamentos de desaguamento mecânico é a redução de espaço necessário, e o aumento da eficiência, já que estes equipamentos geralmente precisam um investimento considerável. Para a maioria dos lodos, algum tipo de condicionamento é indispensável para garantir estes objetivos. Caso do lodo biológico, não digerido, nenhum equipamento de desaguamento funciona sem condicionamento químico: ou seja, sem adição de coagulantes e floculantes. A “torta” de lodo resultado do desaguamento mecânico, ainda contêm uma quantidade significativa de água – muitas vezes até 70 a 80 % – mas, mesmo com esse teor de umidade já não se comportam como um líquido e podem ser manuseadas como um material sólido.

A Andritz Separation atualmente é a empresa com a maior oferta de diferentes equipamentos de filtração e centrifugação adequados para desaguamento mecânico de lodo. Entre eles, com maior número de máquinas instaladas, destaquem-se os filtros prensas – tanto de câmara ou de membrana -; as prensas desaguadoras; o C-Press e a Centrifuga decanter.

3.1. FILTRO PRENSA

A filtro prensa é a tecnologia mais antiga da separação de sólidos e líquidos. A primeira unidade para desaguamento de lodo municipal em larga escala surgiu nos Estados Unidos no começo da década de 1920 (Miki et al., 2006).

O filtro prensa composto de várias placas de filtro, posicionados verticalmente em uma estrutura de suporte. Estas placas possuem um perfil que permite às mesmas, quando montadas uma contra a outra, formarem no interior do filtro prensa uma série de câmaras que são completamente preenchidas pelos sólidos. O volume total destas câmaras depende do número de placas.  As placas geralmente têm um canal de alimentação central que atravessa todo o comprimento do filtro-prensa de modo que todas as câmaras do pacote de placas estejam interconectadas. Cada placa é revestida uma lona de filtro adequado em ambos os lados. Sob pressão, seja por meios mecânicos ou hidráulicos, o lodo é bombeado para o filtro através dos furos de alimentação para as câmaras formadas entre as placas. O líquido penetra no meio filtrante, deixando os sólidos para trás entre as placas. Com o bombeamento contínuo, forma a torta de lodo e, finalmente, enchem a câmara. Após o ciclo de filtração, as placas são separadas e os sólidos desidratados caem facilmente em um meio de descarga. Nesta maneira, a operação de filtro prensa é intermitente, composto por ciclos repetitivos.

Além dos filtros de câmara simples, no desaguamento de lodo são amplamente aplicados os filtros prensas tipo membrana. As placas destes filtros possuem uma membrana, e permitem que um meio (líquido ou gás) pressurizada seja introduzida entre o corpo da placa e a membrana. Nesta maneira, o volume das câmaras diminui, forçando o líquido remanescente sairá da torta. O ciclo de operação, portanto, além de enchimento, e pressurização inclui mais uma etapa de pressurização de membrana, antes a abertura do filtro e o descarregamento da torta. Como opção, estes equipamentos permitem a “secagem” da torta, dentro do equipamento fechado, passando ar comprimido na torta na final do ciclo de filtragem.

A diferença ente o funcionamento e o ciclo de operação do filtro prensa de câmara simples e de membrana está ilustrado na Figura 2.

producao-lodo

Figura 2: A diferença de funcionamento; e de variação da vazão de alimentação, vazão de filtrado e a pressão da filtração durante a operação do filtro prensa tipo câmara e de diafragma.

Em função da aquisição da R&B e Netzsch Filtrationstechnik em 2004, a Andritz Separation passou a ser o principal fornecedor de filtros prensa de alta qualidade, utilizados nos setores municipal e industrial. Andritz já forneceu mais de 10 mil prensas até o momento e, por isso, tem um amplo conhecimento de filtração. O portfólio das máquinas inclui filtros que atendem uma ampla faixa de capacidade (com placas de 400 x 400 mm até 2500 x 2500 mm), com dois tipos de construção: “side-bar” e “overhead” (Figura 3.) Estes filtros podem atender das condições severas de mineração aos produtos farmacêuticos mais delicados; e do setor alimentício aos requisitos ATEX.

 

Figura 3: Filtro prensa “overhead” (esquerda) e “sidebar” (direita). A maior diferença de construção é a suspensão das placas. A tecnologia “overhead” com uma única viga de suspensão para as placas está aplicado em filtros maiores, trabalhando em condições mais severas.

Quando elaboramos um projeto de desaguamento de lodo com filtro-prensa, não podemos desconsiderar as seguintes particularidades do processo:

  1. A operação do filtro prensa é intermitente, e mesmo na a fase de enchimento e filtragem a vazão é variável: alto no começo do ciclo e baixo na final da prensagem. Por esta razão, é necessário construir um tanque de alimentação com volume apropriado para absorver esta flutuação. Como a operação é intermitente, este tanque pode funcionar como tanque de floculação. O mesmo critério é válido para a coleta do filtrado, e no dimensionamento de correia ou rosca transportadora também tem que considerar a característica intermitente da descarga da torta.
  2. O meio da filtração é a própria torta, não é a lona da filtração! A lona serve como “suporte” para a formação da camada inicial da torta filtrante. Por esta razão, o filtro prensa só funciona bem quando a torta é permeável suficiente para deixar o líquido passar, assegurando uma taxa de filtração viável. Lodos inorgânicos, como o de proveniente de tratamento de efluentes de galvanoplastias tem esta característica e podem ser desaguados por filtro prensa mesmo sem adição de floculante ou somente com polieletrólito. Lodos de origem de tratamento biológico, no outro lado, formam uma camada impermeável, se aplicamos apenas polieletrólito como floculante. Neste caso, a adição de coagulantes e floculantes inorgânicos, o de algum auxiliar de filtração (cinza) é indispensável para garantir a taxa de filtração viável. A dosagem necessária normalmente é alta: usando cloreto férrico como coagulante é 8 a 15 % do teor original dos sólidos presentes do lodo, e para corrigir a pH, precisa adicionar cal hidratada em quantidade de 20 a 40 % dos sólidos. Como consequência, aumenta-se a quantidade de torta gerada, mesmo quando a concentração de sólidos é superior na torta comparando com outras tecnologias de desaguamento mecânico. Em geral é verdade que o filtro prensa gera tortas mais “secas” que qualquer outro equipamento, mas esta vantagem fica questionável quando fazemos a comparação com aplicações que nos outros equipamentos permitem condicionamento diferente à dosagem de inorgânicos.

3.2. PRENSA DESAGUADORA

A aplicação das prensas desaguadoras (“belt filter press” as vezes traduzido como filtro-prensa de correia) no processo de desaguamento de lodo começou na Europa na década de 1960, e nos EUA nos anos 70. A origem do equipamento é a desaguamento de fibras de papel, e foi modificado para atender as características de outros tipos de lodo.  Sendo um equipamento de operação contínua, tornou-se um dos equipamentos predominantes de desidratação mecânica.

Nas prensas desaguadoras o lodo – já condicionado – é introduzido entre duas correias, que uma atuam como o meio filtrante. Estas se deslocam entre roletes que promovem a compressão de uma esteira ou correia sobre a outra, provocando a remoção do líquido. Nas prensas desaguadoras modernas e eficientes a remoção de líquido é feito em três etapas consecutivas:

  1. Na primeira etapa, o lodo é distribuído numa das correis filtrantes, e a maior parte de água livre é drenada nesta etapa por gravidade. Em alguns modelos, esta etapa é assistida por aplicação de vácuo, isso aumenta a eficiência de desaguamento inicial e pode reduzir a emissão de odores. Normalmente, a concentração do lodo chega ao 5 a 10 % no final desta etapa.
  2. Na segunda etapa, uma outra esteira filtrante é introduzida em cima da camada de lodo parcialmente desaguado, e as duas esteiras – juntos com o lodo entre elas – passam entre rolos, aplicando se uma pressão quase constante. Esta etapa chame se como de baixa pressão. O maior objetivo nesta fase é “preparar” a torta para chegar uma consistência mais “firme” e não “escapar” nas laterais das telas na próxima etapa.
  3. Na terceira etapa, que conhecida como zona de alta pressão, forças são exercidas no lodo pelo movimento das correias superior e inferior,
    ao passar num série de rolos com diâmetros decrescentes. Alguns
    os fabricantes têm na zona de alta pressão utilizam dispositivos hidráulicos para aumentar a pressão sobre o lodo, e completar o desaguamento. A torta é recolhida através de lamina de raspagem. A telas estão lavados continuamente antes de receber a nova camada de lodo.

Nas prensas desaguadoras de última geração, como a Andritz SMX-Quantum “Heavy Duty Belt Press” há ainda mais uma etapa, chamada pré-desaguamento entre as secções de baixa e alta pressão, composto por passagem sobre tambores perfurados. Esta inovação resulta melhor distribuição do aumento de pressão, garantindo assim maior capacidade hidráulica e concentração mais alta na torta.  A esquema de funcionamento deste equipamento está visualizada na Figura 4.

A capacidade das prensas desaguadoras é proporcional com a largura das correias; esta normalmente varia entre 0,5 e 3,5 m, e no tratamento de lodo os modelos mais aplicados são da largura de 2,0 m Dependendo da característica e concentração original do lodo a carga aplicável de sólidos varia de 90 a 680 kg sólidos / m de tela (largura) por hora; e a capacidade hidráulica deve ficar na faixa de 1,6 a 6,8 m3/ m de tela (largura) por hora.

figura-4

Figura 4.: Esquema de funcionamento da prensa desaguadora da Andritz SMX-Q.

 A Andritz é um dos fornecedores tradicionais de prensa desaguadora. No portfólio da empresa existe mais que 30 modelos e tamanhos diferentes, incluindo sistemas de dois e 3 correias. Este último é praticamente é uma mesa adensadora construída em cima de um “belt press”, aproveitando, que a construção similar dos dois equipamentos oferece a oportunidade única de interligar a fase de adensamento e desaguamento sem tanque e bombas intermediários. (Figura 5)

ÚLTIMOS ARTIGOS: