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São Francisco, o rio santo de Minas e do Nordeste

Tiago Eloy Zaidan
Escritor e Professor de História e Geografia

Tudo começa na Serra da Canastra, município de São Roque de Minas (MG). Inicialmente tímido, umedecendo a terra do Parque Nacional, criado em 1972. O córrego segue ganhando corpo e fôlego. Mais adiante, salta de uma altura de 186 metros e toma o rumo do Norte. Nasce o São Francisco, o rio da “unidade nacional”. Agora pela frente, suas águas percorrerão 2700 km, de sua nascente à foz, e sua bacia abrangerá 504 municípios brasileiros em seis Estados e no Distrito Federal. Ser o sangue do Nordeste é a sina das águas do Velho Chico.

Ainda em Minas Gerais, o São Francisco passa por Três Marias, represa construída em 1961, espalhando suas águas por 1 042 Km². A esta altura o rio já foi batizado por esgotos. Ali próximo está Andrequicé, lugarejo onde residiu o personagem de Guimarães Rosa em “Grandes Sertões Veredas”, Manoel Alves Nardi, o “Manuelzão”, falecido em 1997. Mais adiante o Velho Chico banha a cidade mineira de Pirapora, local com importantes pontos históricos e que marca o início do trecho propriamente navegável do rio. Aqui começa o Médio São Francisco.

Do lado oposto está Buritizeiro e seu importante sítio arqueológico. Sítios líticos pré-históricos serão vistos mais adiante em São Francisco (MG). Antes em são Romão é possível conhecer o palco de um dos motins contra a implantação do tributo sobre o número de escravos, planejado pela metrópole portuguesa, na década de 1730.

Redutos ambientais também são o forte das margens do Velho Chico. Além da reserva de sua nascente, que abriga diversas espécies ameaçadas, pode-se citar com propriedade o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e o pântano do Rio Pandeiros, importante ponto de reprodução de peixes, ambos situados em Januária (MG).

Após a divisa com a Bahia o Velho Chico passa por Carinhanha, onde recebe um importante afluente de mesmo nome Bom Jesus da Lapa, ponto de encontro dos romeiros Barra, com suas importantes edificações históricas e finalmente o lago de Sobradinho, inaugurado em 1979, inundando as cidades de Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé e Casa Nova. No fim do lago, estão as cidades de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), ambas com a economia voltada para a fruticultura irrigada.

Mais a frente encontra-se uma das cidades mais ricas da região, Paulo Afonso (BA). É nessa área que se situa o complexo hidroelétrico de Paulo Afonso, composto por quatro usinas inauguradas entre 1955 e 1979. Na margem oposta, já em solo alagoano, é possível avistar a primeira hidroelétrica do Nordeste, a usina de Angiquinhos, fundada por Delmiro Gouveia no município que hoje leva o seu nome. Nesse trecho, ligando Alagoas à Bahia, uma majestosa ponte metálica de 80 metros de altura atravessa o Velho Chico e seus cânions.

A partir de Canindé do São Francisco (SE) o rio da “unidade nacional” passa a serpentear marcando a divisa entre os Estados de Sergipe e Alagoas, até a sua foz. Em Canindé está o Museu Arqueológico de Xingó que guarda relíquias dos habitantes originais da região, os índios, dizimados pelos colonizadores, e também o Museu Arqueológico a Céu Aberto Novo Mundo, com suas pinturas rupestres. Nessa Região situa-se a grota de Angicos, onde Lampião, Maria Bonita e bando foram emboscados e decapitados no final da década de 1930 e a Serra do Chapéu de Couro onde se situa o grande hotel da região, o Xingó Parque, próximo à moderna hidroelétrica de Xingó. Do lado alagoano está Piranhas, com sua arquitetura histórica e o bairro de Xingó, onde residiam os 9000 trabalhadores na época da construção da hidroelétrica de mesmo nome.

Em Pão de Açúcar (AL) é possível desfrutar-se das praias fluviais. A cidade é palco da bela curva que o velho Chico faz ao adentrar na região. Mais adiante, já próximo a sua foz, está situada a cidade histórica de Penedo (AL), a mais antiga povoação as margens do Velho Chico, provavelmente iniciada em meados de 1545. Conhecida como a capital do Baixo São Francisco, era chamada pelo escritor Gylberto Freire como “a cidade dos sobrados”. A imponência de suas edificações históricas bem conservadas, chama a atenção. É na cidade de Piaçabuçu (AL) que o São Francisco finalmente conclui a sua milagrosa jornada. Depois de banhar cinco estados e favorecer com a sua bacia uma área habitada por 13 milhões de pessoas, segundo o Censo de 2000, o rio caminha calmo e majestoso por entre ilhas até o mar, em um local protegido por Decreto Federal.

Bem como a sua trajetória física, a histórica é digna de um rio da “unidade nacional”. Em 4 de outubro de 1501, Américo Vespúcio encontra a sua foz e batiza o rio com o nome do Santo do dia, como de costume. Até então a região era habitada pelos temidos índios Caetés, que chamavam o rio de Opará. Em 1549 chega ao Brasil o primeiro governador geral da colônia, Tomé de Souza, que trás consigo o desbravador Francisco D’Ávila que compõe o massacre aos índios. Na década de 1850, Dom Pedro II contrata o engenheiro alemão Guilherme Halfeld para percorrer o Velho Chico, traçando um detalhado estudo sobre o rio.

O Velho Chico vêm enfrentando sérias dificuldades. Segundo pescadores, suas canoas navegam cada vez com mais dificuldades em alguns trechos do rio. As condições de navegabilidade diminuem a cada dia. As várzeas ao longo do São Francisco estão sucumbindo, desestruturando o meio ambiente e comunidades. A agricultura predatória com a destruição das matas ciliares e sem cuidados estão causando assoreamento. Formação de grandes pastos e construção de clubes as suas margens também contribuem para a degradação do rio Santo. Lixo e esgotos, a pesca ilegal e o aterramento de lagoas marginais, somados às barragens das hidroelétricas, são fatores decisivos que justificam a crescente falta de peixes.

Em Pirapora (MG) por exemplo às águas já não são tão abundantes em peixes como em outrora. A super exploração do São Francisco, das mais diversas formas, soma-se aos demais percalços. A própria CHESF admite que já explorou tudo o que era economicamente viável no rio. Cada vez mais, o rio da “unidade nacional” parece cansado . Áreas antes cobertas pelas águas começam a aparecer a ponto de abrigarem pastos, bares e até moradores.

O Ministério da Integração Nacional, responsável pelo projeto de transposição das águas, reconhece que o Rio São Francisco enfrenta sérios problemas mas alega que ele não prejudicará o Velho Chico nem que seus usuários terão prejuízos. O governo cita também com freqüência na sua defesa à obra, que é preciso desenvolver o polígono das secas e disponibilizar água para seus habitantes.

Em todo o Nordeste e em Minas Gerais, o rio São Francisco gera paixão. O Velho Chico é o grande companheiro dos pescadores, o amoroso amante das lavadeiras, e o grande pai da fauna e flora da região. Sua importância é inquestionável, bem como a necessidade de uma minuciosa revitalização em todo o seu curso.

Seu fim significaria não só uma grande baixa econômica na região, mais também uma dolorosa perda de identidade para o povo ribeirinho. Sua existência embala a cultura local. Quem conhece o rio da “unidade nacional” sabe que não é só água que corre em seu leito, por ali também passa a esperança do povo sertanejo.

Edição n° 101
Fonte: http://www.eco21.com.br/

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