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Proposta de sistema térmico de higienização e secagem de lodo em escala plena para uma estação anaeróbia de tratamento de esgoto de pequeno porte

Resumo

Proposta de sistema térmico de higienização  – Este artigo propõe um sistema térmico de higienização e secagem de lodo de esgoto em escala plena, alimentado por biogás e energia solar, para uma estação de tratamento de esgoto de pequeno porte. Para tal, realizou-se caracterização da estação de tratamento de esgoto investigada, determinando-se volumes mensais médios de lodo, biogás e metano disponíveis. Na sequência, a partir de experimentos em escala reduzida, avaliou-se o desempenho de duas diferentes configurações do referido sistema, com piso radiante metálico e em concreto. Três campanhas experimentais com diferentes cargas de lodo foram realizadas, variando-se teor de sólidos totais iniciais do lodo (5 e 40%) e espessura do material depositado sobre os pisos radiantes (10 e 20 cm). Os resultados obtidos subsidiaram a escolha da configuração e da carga de lodo mais favoráveis para a proposição em questão, possibilitando pré-dimensionamento do sistema para o tratamento de cerca de 211 m³ mês-1 de lodo, com 5% de sólidos totais. Assim, devem ser adaptados dois pisos metálicos radiantes com 50 m2, os quais devem ser carregados com lodo em camada de 10 cm, após o seu desaguamento prévio em leitos de secagem (40% sólidos totais). As temperaturas atingidas possibilitaram higienização do material, bem como elevação do teor de sólidos totais até 75%. Como a energia solar é utilizada, o consumo médio estimado de metano é de 11.363,19 Nm³ mês-1, volume disponível na estação de tratamento de esgoto e suficiente para o processamento de todo o lodo nela gerado ao longo de três ciclos mensais com nove dias de duração.

Introdução

O modelo linear de produção e consumo da sociedade, com a extração, a transformação, o descarte final e a subutilização de produtos, começa a dar lugar ao conceito de economia circular, que prevê ciclos contínuos de desenvolvimento restaurativos e regenerativos (SU et al., 2013; GHISELLINI et al., 2016). Esse novo modelo de economia tem como premissa a adoção de um sistema de produção com ciclo fechado, propiciando o aumento da eficiência do uso de recursos naturais e a redução dos impactos ambientais (NOYA et al., 2017). Nesse contexto, o lodo, que é um subproduto gerado nos processos de tratamento de esgoto, normalmente considerado como um resíduo que precisa ser descartado, quando devidamente processado, pode se transformar, por exemplo, em uma fonte de matéria orgânica e de nutrientes para fins agrícolas (ANDREOLI et al., 2001; BITTENCOURT et al., 2009; BITTENCOURT et al., 2014; ANDERSSON et al., 2016).

Com as diretrizes previstas para a universalização do saneamento no Brasil, Lei Federal n° 11.445/2007 (BRASIL, 2007), alterada e complementada pela Lei Federal n° 14.026/2020, que atualiza o marco legal do saneamento básico (BRASIL, 2020), há expectativa de que índices como coleta e tratamento de esgoto aumentem nos próximos anos no país e, consequentemente, a produção de lodo. Mesmo que isso aconteça em ritmo mais lento que o necessário e almejado pela sociedade, é importante que os agentes envolvidos estejam aptos e engajados no desenvolvimento de novas técnicas ou no aprimoramento daquelas já conhecidas, adotando-se como premissa a recuperação de recursos e a consolidação das estações de tratamento de esgoto (ETEs) sustentáveis (JENSSEN et al., 2007; ANDERSSON et al., 2016; DERESZEWSKA et al., 2016; BRESSANI-RIBEIRO et al., 2019).

Alternativas usuais para o lodo gerado nas ETEs, como remoção, deságue e disposição final em aterros sanitários, além de serem cada vez mais onerosas, causam impactos ao meio ambiente e contribuem para o agravamento do quadro da disposição de resíduos sólidos das áreas urbanas. Assim, devem ser buscadas soluções que minimizem os volumes de resíduos e seu potencial poluidor e, principalmente, que permitam sua reciclagem e/ou reaproveitamento (BRASIL, 2010; GRULL, 2013).

Como o lodo de esgoto possui elevado teor de umidade e é concentrador de microrganismos indicadores de contaminação fecal, com risco potencial da presença de patogênicos (ANDREOLI et al., 2001), faz-se necessário seu desaguamento e higienização quando há pretensão da reciclagem agrícola. Além disso, quanto menos água o material possuir, menores serão o volume de material a ser manejado e seus respectivos custos de disposição, e mais facilitados serão o transbordo e a aplicação do material no campo. Por isso, o tratamento térmico do lodo tem sido apontado como uma solução para aprimorar o processo de gerenciamento do lodo (CHEN et al., 2015; AMARAL et al., 2018).

Esse método consiste em submeter o lodo a uma fonte de calor, de modo a evaporar a umidade nele contido e alcançar inativação dos microrganismos patogênicos, sem a incorporação de produtos químicos (ANDREOLI et al., 2001; CHEN et al., 2015). Para que seja considerado higienizado, no Estado do Paraná, a Resolução da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMA) n° 21/2009 estabelece a manutenção do lodo a uma temperatura mínima de 70°C, por pelo menos 30 minutos (SEMA, 2009). De fato, Passamani et al. (2000) observaram em laboratório que essas condições são suficientes para inativar ovos de helmintos presentes no lodo. Contudo, segundo Hindiyeh (1995), é possível higienizar o lodo com temperatura de 54°C, desde que seja mantida essa temperatura por pelo menos 2 horas.

A energia requerida para o tratamento térmico do lodo é um fator crítico para a sua viabilidade. Por isso, estudos têm sido realizados com foco na eficiência energética do processo e na utilização do biogás gerado na própria ETE como fonte de calor, sobretudo quando a rota de tratamento de esgoto é anaeróbia (LOBATO et al., 2012; AMARAL et al., 2018; POSSETTI et al., 2015, 2019). Em alguns casos, no entanto, a energia química proveniente do biogás pode ser insuficiente para processar termicamente todo o lodo gerado em uma ETE. Nesses casos, a energia solar, por estar prontamente disponível, pode ser empregada como fonte complementar (WAGNER et al., 2015).

O tratamento térmico do lodo está bem consolidado na literatura, inclusive com a disponibilidade comercial de equipamentos. No entanto, seu emprego no Brasil em escala plena ainda é incipiente (POSSETTI et al., 2019) e sua aplicação em ETEs de pequeno porte normalmente não se viabiliza (VALENTE, 2015; CERQUEIRA, 2019). Observa-se carência de soluções específicas e simplificadas para ETEs que atendem até 30 mil habitantes, consideradas de pequeno porte (SEMA, 2009), que são maioria no país e apresentam logísticas, recursos humanos e disponibilidades financeiras peculiares.

A literatura reporta alguns estudos em escala piloto e/ou de demonstração para sistemas térmicos de tratamento de lodo simplificados aplicáveis a ETEs de pequeno porte (RIETOW et al., 2018). Basicamente, há relatos de três configurações de sistemas:

  1. Leito de secagem convencional seguido de leito aquecido para higienização (POSSETTI et al., 2012; WAGNER et al., 2015; GONTIJO et al., 2017);
  2. Tanque aquecido para higienização seguido de leito de secagem convencional (BORGES et al., 2009);
  3. Leito de secagem modificado que promove secagem e higienização simultaneamente (ANDREOLI et al., 2002; FERREIRA et al., 2003).

Cada uma dessas configurações possui características próprias, apresentando vantagens e desvantagens dos pontos de vista financeiro, social, ambiental, de segurança e de simplicidade operacional. A configuração (i), especialmente, tem se destacado por demandar poucas modificações nas rotinas operacionais da ETE e menor área para a construção do leito de higienização. Destaca-se, contudo, que esses estudos tipicamente não abordam a aplicação dos conceitos neles validados para escala plena e que ainda restam dúvidas sobre os parâmetros técnicos que devem ser adotados no dimensionamento de sistemas aptos a tratar termicamente todo o lodo gerado em uma ETE de pequeno porte. Além disso, os estudos associados com a configuração (i) abordam fundamentalmente o desempenho de sistemas carregados com lodo anaeróbio contendo cerca de 20% de teor de sólidos totais (ST).

Isso posto, este artigo apresenta a proposição de um sistema térmico de higienização e secagem de lodo de esgoto em escala plena, alimentado por biogás e energia solar, para uma ETE de pequeno porte, tendo como base a configuração (i). Para subsidiar o pré-dimensionamento do referido sistema, inicialmente, caracterizou-se a ETE a partir de suas condições operacionais e de projeto, determinando-se os volumes mensais de lodo, biogás e metano disponíveis. Além disso, realizaram-se três experimentos em escala reduzida e que determinaram o desempenho do sistema proposto em condições inéditas de carregamento de lodo (5 e 40% de ST, com espessuras de 10 e 20 cm) sobre dois diferentes pisos radiantes (metálico e de concreto).

Autores: Tiago Neumann Kuk,  Jeanette Beber de Souza, Gustavo Rafael Collere Possetti e Luiz Gustavo Wagner.

Proposta de sistema térmico de higienização


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