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Avaliação da potencialidade energética de lodos gerados no tratamento de efluentes de abatedouro e frigorífico de aves

Resumo

Abatedouros e frigoríficos geram grande quantidade de efluentes, devido ao elevado consumo de água no processo. Após tratamento dos efluentes, há geração de lodo que, se não for destinado corretamente, causa sérios problemas ambientais. Visando agregar valor e avaliar o potencial como biomassa combustível em caldeiras, neste trabalho, foi realizada a caracterização de lodos gerados em abatedouro e frigorífico de aves por análise química aproximada e elementar, poder calorífico, análises térmicas, densidade aparente e energética e análise química das cinzas. Foram analisadas amostras de lodo primário proveniente dos efluentes da linha vermelha e de lodo secundário dos efluentes da linha verde. O lodo primário apresentou maiores teores de sólidos totais, materiais voláteis, carbono e hidrogênio. As duas biomassas exibiram alto poder calorífico superior e inferior, de 19 MJ/kg, e de densidade energética e baixos teores de nitrogênio e enxofre. Na caracterização química das cinzas, após combustão, os elementos em maiores concentrações foram óxido de alumínio e pentóxido de fósforo. O lodo primário exibiu potencialidade para uso como biomassa combustível e o lodo secundário torna-se viável se for desidratado e forem otimizadas algumas etapas do processo de tratamento de efluentes devido ao elevado teor de cinzas.

Introdução

Com o desenvolvimento tecnológico e o crescimento do número de indústrias no mundo, tem aumentado também a quantidade de lodos e resíduos industriais gerados. Sua destinação na maioria das vezes é incerta, e acabam ficando expostos ao meio ambiente, contaminando-o, e este problema é comum em várias partes do Brasil e do mundo. A gestão de resíduos sólidos provenientes de processos de tratamento de efluentes industriais e sanitários é uma questão de grande relevância na agenda ambiental da maioria dos países. Diante deste cenário de grande urgência mundial, vários estudos estão sendo desenvolvidos no sentido de valorizar lodos e resíduos de diferentes naturezas (MENEGHINI et al., 2014; MOREIRA, 2001).

A maioria dos países desenvolvidos já adequou seus sistemas para gerenciar os resíduos produzidos no processo de tratamento de água e efluentes, porém, um grande número de estações de tratamento ainda lança esse material diretamente nos cursos d’água, solo e outros locais indevidos ocasionando impactos ambientais significativos.

Em função disto, os órgãos ambientais cada vez mais vêm exigindo a implantação de outras alternativas de disposição final seguras em termos de saúde pública e ambientalmente aceitáveis (ANDREOLI, 2001; CAMARGO et al., 2006).

A disposição final adequada do lodo é uma etapa problemática e apresenta um custo de até 50% dos orçamentos operacionais de um sistema de tratamento, e o planejamento e a execução do destino final são muitas vezes negligenciados nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Em muitos casos, os projetos de estações de tratamento ignoram a forma de destino desse resíduo, sendo gerenciado em situação emergencial pelos operadores, com altos custos financeiros e ambientais, vindo a comprometer, em muitos casos, os benefícios de todo o sistema de coleta e tratamento de efluentes. O destino final do lodo é uma atividade muito importante e complexa, pois frequentemente extrapola os limites das estações de tratamento e exige a integração com outros setores da sociedade (ANDREOLI, 2001; CAMARGO et al., 2006).

No Brasil, o aterro sanitário ainda tem sido a principal alternativa de destinação dos lodos gerados em estações de tratamento de efluentes (ETE), resultando em custos elevados com transporte e desperdício de matérias primas, que poderiam ser reutilizadas e nos centros urbanos, já vem ocorrendo a escassez de áreas para a implantação de aterros industriais (ROSA et al., 2014; ROSA, 2013).

As indústrias de processamento de carnes consomem aproximadamente 62 milhões de metros cúbicos de água anualmente em todo o mundo, sendo apenas uma pequena quantidade incorporada ao produto final. A maior parte desta água é transformada em efluentes com alta concentração de poluentes, contendo elevados valores de demanda bioquímica de oxigênio (DBO), demanda química de oxigênio (DQO), óleos e graxas, sólidos totais, nitrogênio, fósforo, cloretos, entre outros (SROKA et al., 2004). Após o tratamento do efluente bruto por processos biológicos (lagoas) e físico-químicos (coagulação/floculação e flotação simples), uma grande quantidade de lodo é gerada e destinada, principalmente, a aterros industriais. A necessidade de gestão sustentável do lodo de abatedouros e frigoríficos tornou-se uma grande preocupação e, a partir disso, têm sido desenvolvidas muitas opções para o seu destino, como por exemplo, para fins agrícolas, florestais e de recuperação de áreas degradadas devido ao seu alto potencial fertilizante e condicionador do solo. Existem vários fatores que restringem o seu uso, como por exemplo a acumulação de indesejáveis substâncias presentes no lodo (metais pesados, patógenos e os poluentes orgânicos), que potencialmente passam para a cadeia alimentar (LOZADA, 2015). Em função da sua elevada fração orgânica e alto poder calorífico, o lodo seco de abatedouros e frigoríficos pode ser classificado como biomassa, sendo assim, outros procedimentos mais sustentáveis podem ser aplicados, como por exemplo para geração de energia, apresentando na maioria dos casos autossuficiência energética dos processos de conversão térmica, além de contribuir na redução dos custos com outros combustíveis tradicionalmente utilizados, como lenha, cavaco, etc., e também com disposição em aterros industriais (SENA, 2005; SPINOSA et al., 2010; FYTILI et al., 2006). Os processos de conversão térmica de biomassa mais comuns são combustão, pirólise e gaseificação, sendo que a combustão fornece mundialmente o maior suporte de energia para as operações industriais.

Na combustão, ocorre quebra das ligações químicas entre os elementos do combustível, oxidação e formação de gases e alta liberação de energia na forma de calor. Este processo possui benefícios, como a necessidade de uma menor área de disposição, a redução do volume de lodo, em torno de 85% do volume inicial, a possibilidade de gerar energia e utilizar a cinza na construção civil, devido à eliminação da matéria orgânica (FONTES, 2003). Porém, diversos parâmetros referentes ao controle desse processo devem ser monitorados, em função da formação de compostos poluentes durante a sua queima (dioxinas e furanos, composto orgânicos voláteis (VOC’s), óxidos nitrosos (NOx), SO2 e ácidos, que são poluentes gasosos e líquidos de origem natural ou antropogênica), e como poluentes sólidos a formação de cinzas (SENA, 2005).

No momento atual, há poucos sistemas de pirólise e gaseificação em operação, no mundo devido ao seu alto custo de implantação e operação. Em função disto, a combustão tem sido o processo de conversão térmica mais utilizado. Porém em comparação à pirólise e a gaseificação, produz menor energia. A tendência é de que no futuro a aplicação dos processos de pirólise e gaseificação aumente, em função dos avanços tecnológicos que tendem a reduzir os custos e aumentar a eficiência de obtenção de produtos úteis (HAANDEL, 2009).

Vários estudos vêm sendo realizados empregando lodo de ETE como biomassa combustível para geração de energia e os resultados demonstram a viabilidade e a possibilidade de agregar valor aos mesmos. Sena (2005) realizou um estudo afim de utilizar o lodo gerado no tratamento de efluentes de uma indústria de carnes para geração de energia. O lodo foi submetido previamente à secagem, e em seguida foi queimado em uma caldeira.

O monitoramento dos gases gerados na queima foi realizado, e as emissões de NO e SO2 foram de 60 e 100 ppm, respectivamente. O poder calorífico superior do lodo foi de 25,6 MJ/kg, e esse valor foi maior, quando comparado com o cavaco de madeira, que apresentou valor de 17 MJ/kg.

Virmond (2007) avaliou o potencial de utilização do lodo gerado no tratamento primário de efluentes de um frigorífico como biomassa combustível, levando em consideração suas propriedades físico-químicas e o controle de emissão de poluentes atmosféricos no processo de combustão. Foi avaliada também, a combustão do cavaco de madeira e da mistura deste com lodo, a partir da análise da concentração dos gases gerados. A incorporação de 10% em massa de lodo ao cavaco, resultou em um aumento da potência térmica nominal do sistema em aproximadamente 2% e economia no consumo de cavaco. Em ambas as situações, a queima apresentou-se ineficiente. O autor ressalta que para o processo de combustão alcançar a máxima eficiência e quantidades mínimas de produtos indesejáveis, cada etapa deve ser otimizada, levando em consideração a tecnologia de combustão e o tipo de biomassa utilizada. Também, a escolha do coagulante utilizado no tratamento primário do efluente frigorífico é determinante na composição do lodo, em função da presença de elementos como o cloro, que pode resultar em compostos poluentes tóxicos como dioxinas e furanos.

Borges (2008) analisou lodos provenientes de estações de tratamento de efluentes (ETE) doméstico, de processos industriais têxtil e de celulose e papel, a partir da caracterização térmica e química, e avaliou o potencial destes como biomassa combustível. Os resultados indicaram a possibilidade do uso dos três tipos de lodos como biomassa combustível, especialmente em função da potencialidade energética verificada, uma vez que exibiram poder calorífico, em torno de 19 MJ/kg, semelhante ao de outras biomassas combustíveis. O lodo proveniente de indústria de celulose e papel apresentou o maior teor de carbono (44,83%), o lodo doméstico exibiu maior teor de hidrogênio e nitrogênio e o lodo da indústria de celulose e papel o maior teor de sólidos voláteis, de 82%. Os teores de enxofre e nitrogênio encontrados foram relativamente baixos nos três tipos de lodo. Da análise dos gases gerados após a queima das amostras, houve geração de níveis significativos de monóxido e dióxido de carbono e baixos níveis de dióxido de enxofre e de monóxido e dióxido de nitrogênio.

Meneghini et al. (2015) avaliou a potencialidade térmica da mistura de lenha e lodo de um frigorífico (com percentuais em massa de 10%, 15% e 20%), a partir da co-combustão em uma caldeira à lenha. O autor concluiu que o lodo de frigorífico não deve ser queimado em percentuais acima de 15%, pois nesta concentração os níveis de emissões de gases ficaram acima dos padrões estabelecidos pela Resolução CONAMA n° 382 de 2006. A queima da mistura de lodo e lenha aumentou significativamente a quantidade de cinzas na caldeira, em 25%, devido ao teor de cinzas do lodo (17,5%), superior ao da lenha. O rendimento térmico da caldeira, determinado para 10, 15 e 20% de lodo, foi de 79, 81 e 84%, respectivamente, mostrando um aumento da eficiência energética da caldeira e redução no consumo de lenha, em função da adição do lodo.

Visando avaliar a potencialidade como biomassa combustível para geração de energia, lodos provenientes da estação de tratamento de efluentes (ETE) de um abatedouro e frigorífico de aves foram caracterizados por análises química aproximada e elementar, poder calorífico, análises térmicas (ATG) e (ATD), densidades aparente e energética e análise química semiquantitativa das cinzas por Fluorescência de Raios-X (FR-X).

Autores: Jociéle Padilha; Ana Paula Kurek; Ozair Souza e Noeli Sellin.

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