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O que são os poluentes emergentes e por que não os filtramos das águas?

Poluentes emergentes

Pesquisas apontam para um novo vilão ainda pouco atacado: os poluentes ou contaminantes emergentes

Poluentes emergentes

O impacto dos resíduos urbanos e industriais nas águas não é novidade. Mas pesquisas apontam para um novo vilão ainda pouco atacado: os poluentes ou contaminantes emergentes, partículas milimétricas de resíduos.

“Não há uma definição clara nem uma lista completa. Se procurarmos, encontraremos nos mananciais traços de substâncias que vão de cafeína a ansiolíticos e cocaína”, diz Wilson Jardim, professor aposentado do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O microplástico, polímero sintético de tamanho inferior a um milímetro, é o mais conhecido.

Um estudo publicado em 2021 pela química Cassiana Montagner, também professora da Unicamp (“Microplásticos: ocorrência ambiental e desafios analíticos”), traz evidências de microplásticos em fitoplâncton, zooplâncton, fezes de pinguins da Antártica e até no intestino de tartarugas no litoral do Rio Grande do Sul.

“Os departamentos de águas e esgotos não estão preparados para tratar a profusão desses contaminantes, porque o adensamento populacional faz crescer o volume de esgotos. E os poluentes derivam de uma enorme gama de produtos de consumo”, comenta Montagner.

Uma série de atividades industriais e humanas contribui para que os poluentes cheguem aos mananciais, lagos, rios e oceanos – da lavagem de roupas ao descarte de lixo plástico, passando por desgaste de pinturas de embarcações, pellets plásticos perdidos no transporte marítimo, resíduos de produtos relacionados à atividade agrícola, mineração, exploração de petróleo, entre outras.

Medicamentos, agrotóxicos e resíduos de produtos de limpeza e cosméticos são, porém, os principais vilões.

Para citar apenas um exemplo da dimensão do problema, o relatório “Uma nova economia têxtil: redesenhando o futuro da moda”, da Fundação Ellen MacArthur, de 2017, aponta que meio milhão de toneladas de microfibras plásticas vão parar nos oceanos todo ano, liberadas pela lavagem de roupas, o equivalente a mais de 50 bilhões de garrafas plásticas.

Os estudos a respeito dos impactos desses contaminantes sobre o meio ambiente e os seres vivos ainda são incipientes, mas as evidências existentes apontam para disfunções no sistema endócrino e reprodutor, distúrbios metabólicos, e até aumento na taxa de esterilidade, entre outros problemas de saúde.

“Seria interessante criar uma legislação específica para os poluentes emergentes. No entanto, como vamos pensar em investir em tratamentos como esse quando não temos, em diversos locais do país, nem coleta de esgoto?”, analisa Fábio Kummrow, professor associado de toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), de Diadema.

As estações de tratamento, em sua maioria, ainda não removem completamente todos esses compostos, seja por falta de obrigação legal – não há leis específicas para tratar deles – ou por exigir tecnologias novas e custosas.

Na portaria número 888 do Ministério da Saúde, de maio de 2021, que determina parâmetros a serem seguidos no tratamento de água para consumo humano, há uma extensa lista de substâncias cujos níveis devem ser controlados, como arsênico, cobre e chumbo; mas nada sobre os contaminantes emergentes.

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), por exemplo, concessionária de fornecimento de água e esgoto, informou por e-mail, que cumpre todos os parâmetros legais exigidos pelo ministério e segue atenta:

“A companhia possui representantes técnicos nas principais discussões referentes ao tema, nas revisões periódicas das legislações vigentes, acompanhando sistematicamente a pauta citada. Até o momento, os contaminantes não foram incluídos na redação da portaria que estabelece os padrões de potabilidade de águas para consumo humano.”

São poucos os que vão além do obrigatório. O Grupo Opersan, que atua no Brasil há 30 anos com soluções ambientais para o tratamento de água e efluentes, é um dos poucos que já fazem remoção de contaminantes emergentes.

“Usamos tecnologia de ponta para segregar e reduzir o lançamento de contaminantes emergentes ao meio ambiente, produzindo água de excepcional qualidade”, diz Diogo Taranto, diretor de Desenvolvimento de Negócios da companhia.

As principais técnicas usadas por ela são a ultrafiltração, a nanofiltração e osmose reversa – a mais sofisticada. Esta última foi a adotada em um recente projeto de gestão hídrica da Crown Packaging, fabricante de 3 bilhões de latas de alumínio por ano.

“Somos procurados, majoritariamente, por organizações que querem apenas seguir a lei brasileira, é verdade. Mas algumas vão além. Para uma multinacional suíça produtora de chocolates, por exemplo, fazemos trabalhos de filtração com membranas, seguindo o padrão de conformidade da matriz europeia, muito mais exigente”, afirma Taranto.

Com 95% de indústrias no portfólio de mais de mil clientes, a Opersan espera receita de R$ 120 milhões em 2022.

Segundo o diretor, o gasto financeiro é um dos entraves, já que eliminar os poluentes emergentes custa cerca de 30% a mais do que apenas obedecer a lei.

“Esse custo operacional mexe diretamente na competitividade da indústria”, analisa. Taranto acredita que é preciso uma estratégia sistêmica: aumentar o reúso, diminuir a retirada de água de mananciais e outras fontes primárias e tratar efluentes. E isso pode resultar em vantagem financeira. Cita que ao ter efluentes tratados a Crown passou a economizar cerca de um terço na conta de água, cujo consumo é de cerca de 290 mil metros cúbicos/ano.

O Grupo Malwee, fabricante têxtil, trabalha neste sentido.

“Em 2021, fizemos 34.044 peças de jeans gastando um copo d’água em cada, representando uma economia de 3,4 milhões de litros de água em relação a uma lavanderia tradicional. A projeção para 2022 é de que nossa produção seja de 49.112 peças de jeans com um copo d’água, representando economia de 4,9 milhões de litros de água em relação a uma lavanderia tradicional”, diz Guilherme Weege, CEO do Grupo Malwee.

Ele conta que a produção usa fibras celulósicas e, portanto, não gera microplásticos. Ao contrário do modo tradicional, no qual muitos processos químicos utilizam água para obter os efeitos de lavagem, puídos e rasgos na peça, no Lab Malwee Jeans esses efeitos são produzidos com laser e nanotecnologia. No total, investiu R$ 9 milhões em uma tecnológica lavanderia.

Gilson Alves Quináglia, gerente do setor de Análises da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), responsável pelo controle, fiscalização, monitoramento e licenciamento de atividades geradoras de poluição, afirma que a companhia monitora desde 2011 as águas subterrâneas e desde 2013 as águas superficiais.

“Fizemos mais de mil análises. Até hoje, não encontramos qualquer resultado alarmante”, afirma.

Em 2018, a empresa passou a monitorar os resíduos de anti-inflamatórios, corticoides e esteroides, presentes em medicamentos e em alguns agrotóxicos. Segundo ele, a Cetesb gastou R$ 696 mil em 2021 em análises em 582 amostras, e a partir de 2023 planeja rastrear também as PFAS (substâncias per e polifluoroalquil), designação para materiais químicos sintéticos usados na fórmula de produtos industriais e de consumo, como embalagens de fast food, revestimentos antiaderentes de utensílios de cozinha e maquiagem à prova d’água, entre outros.

Cuidado no descarte de remédios

Fármacos e medicamentos são alguns dos responsáveis pela contaminação de rios e mares por micropartículas de resíduos. Eles chegam à água na lavagem de mão e ao serem jogados no lixo comum ou no vaso sanitário.

Alguns estudos indicam que o lançamento não controlado de fármacos nos corpos d’água pode, por exemplo, gerar o desenvolvimento de microrganismos resistentes a antibióticos.

De acordo com Marcelo Polacow Bisson, presidente Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), a melhor maneira de descartar os fármacos é em um dos postos de coleta, localizados em farmácias, postos de saúde e hospitais.

“A logística reversa de medicamentos é algo já regulamentado na legislação e que está em fase de implementação pelo setor”, diz.

O site do CRF traz a lista dos endereços onde é possível levar embalagens, frascos e blísteres: www.crfsp.org.br.

“O descarte correto é importante para que as substâncias presentes nos medicamentos não poluam lençóis freáticos nem causem danos aos animais e seres humanos”, lembra Polacow.

Fonte: valor-globo


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