O RIO BERMEJO FLUI ALÉM DAS SUAS ENCOSTAS
Charlene Porter
Charlene Porter escreve sobre questões globais para a Agência de Divulgação dos Estados Unidos.
Na mitologia antiga, a terra, o mar, e o céu eram os domínios de deuses diferentes cada um deles era uma entidade separada com o seu próprio ambiente. A terra, a água, e o ar também eram vistos separadamente nos primórdios do gerenciamento ambiental. Até poucas décadas atrás, os especialistas tendiam a dirigir suas atenções a um único problema – poluição do ar, despejo de águas servidas, ou lixo tóxico – sem reconhecer, de modo geral, a maneira pela qual um problema poderia afetar o outro. Atualmente, cada vez mais, os cientistas ambientais estão reconhecendo o modo pelo qual os diferentes elementos do mundo natural interagem, e como eles ameaçam as fronteiras nacionais definidas pela humanidade.
Na Bacia do Rio Bermejo, compartilhada pela Argentina e pela Bolívia, uma nova abordagem em relação ao gerenciamento ambiental está sendo testada como uma forma de proporcionar uma vida melhor à numerosa e carente população que vive na área. Avaliando os recursos e necessidades em toda a bacia do rio, essa abordagem tem como objetivo integrar as questões ambientais e de desenvolvimento em um plano para o futuro da região. Com o apoio financeiro de investidores internacionais, a Argentina e a Bolívia estão conduzindo um abrangente estudo de uma bacia hidrográfica que transcende fronteiras e cobre mais de 190.000 quilômetros quadrados. Os dois países querem aprender a tomar melhores decisões a respeito do desenvolvimento, decisões que preservarão o meio ambiente e criarão melhores oportunidades econômicas para 1,2 milhões de pessoas que vivem na região.
Este é o principal objetivo, identificar as medidas específicas que podem ser tomadas para resolver problemas de desenvolvimento e utilização dos recursos naturais de uma maneira melhor, diz Jorge Roucks, um planejador regional da Unidade de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente [Unit of Sustainable Development and Environment] da Organização dos Estados Americanos (OEA). Na sua sede em Washington, D.C., EUA, a OEA está funcionando como órgão executivo, gerente e sócio-fundador do projeto do Bermejo, que está, também, recebendo apoio financeiro da Organização Global para o Meio Ambiente [Global Environment Facility] e do Programa Ambiental da Organização das Nações Unidas [United Nations Environment Program].
Há muitos requisitos para a melhoria da região que eles precisam resolver usando a água do Bermejo, Roucks diz. O projeto da Bacia do Rio Bermejo resultará em um plano para o desenvolvimento sustentável na área.
No passado, a região abusou dos seus recursos, de acordo com Enrique Bello, um economista agrícola da OEA. Nessa região, práticas destrutivas sempre foram empregadas: desmatamento, excesso de pastagem, perda de cobertura do solo e erosão. De todos esses fatores, talvez a erosão seja, isoladamente, o que causa mais danos Bello chega a descrever alguns lugares como uma paisagem lunar.
A perda da camada superficial do solo devido à erosão pode destruir as terras agricultáveis, impedindo os produtores rurais de ganhar a vida. Depósitos constantes de solo no rio obstruem os seus canais, impedindo a navegação. O Bermejo é um afluente do sistema do Rio da Prata, que Roucks considera a artéria econômica de toda a região. Portanto a sedimentação excessiva no Bermejo é uma grande preocupação, rio abaixo também.
Acúmulos significativos de sedimento contribuem para as inundações porque o rio ultrapassa as suas encostas na estação das chuvas, quando a calha do rio está obstruída demais para dar vazão à água. Em fevereiro, o governo da província de Corrientes, Argentina, emitiu um aviso às pessoas de toda a província do Chaco, no nordeste da Argentina, prevendo a possibilidade de fortes chuvas e inundações até abril. No ano passado, as inundações sazonais causaram milhões de dólares em prejuízos, devido à perda da produtos agrícolas.
As secas sazonais trazem outros problemas à região de Tarija, na Bolívia, na cabeceira do rio Bermejo. Devido à baixa precipitação pluviométrica, a agricultura se torna improdutiva, e muitos produtores rurais se tornam retirantes temporários, deixando suas terras áridas para subsistir de alguma outra forma na Argentina.
A preocupação com o desenvolvimento, além do meio ambiente, tem uma grande importância no projeto da Bacia do Rio Bermejo. Richard Meganck, diretor da Unidade de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente da OEA, diz: Você pode deixar aquela bacia do jeito que ela está, e permitir que as condições se deteriorem, e as oportunidade serão perdidas com o passar do tempo. Ou você pode investir para melhorar a situação e proporcionar mais oportunidades. Definimos desenvolvimento como melhoria da qualidade de vida, melhoria da participação que uma pessoa tem na vida.
Proporcionar novos meios de sustento para as pessoas cujas atuais atividades ameaçam as condições ambientais no Bermejo é uma das principais metas. O excesso de exploração da madeira, na selva, é uma atividade que as pessoas da região deveriam reconsiderar para preservar tanto a floresta quanto o rio. Enrique Bello diz: A selva é a área mais importante para o abastecimento do rio por causa das chuvas e se você perder essa floresta, você perde uma das mais importantes fontes de abastecimento do rio. A preservação dessa floresta é essencial.
O estudo explorará o ecoturismo como uma estratégia para a preservação da floresta e criação de mais oportunidades econômicas. Bello descreve o ecoturismo como uma atividade que usa a floresta sem destruí-la. Um componente do estudo, relacionado a essa questão, avaliará uma proposta para a ligação entre dois parques nacionais de floresta úmida, um na Argentina e um na Bolívia, por meio de corredor de terra, ampliando o habitat de espécies tropicais.
Um parque binacional desse tipo está de acordo com o espírito de cooperação que a Argentina e a Bolívia têm demonstrado nos seus esforços para melhorar as condições na bacia hidrográfica do Bermejo. Essa cooperação se tornou oficial em 1995, quando ficou combinado que seria firmado um tratado para a criação da Comissão Binacional Para o Desenvolvimento da Bacia do Alto Bermejo e do Rio Grande de Tarija.
A OEA está trabalhando com os dois países há quase 20 anos, tentando melhorar as condições na bacia hidrográfica. Bello diz, Os argentinos sabem que qualquer coisa que acontecer rio acima, na Bolívia, os afetará portanto, eles vão trabalhar em conjunto nessa questão.
Trata-se de uma filosofia que a OEA tem empregado em toda a América Latina. Maganck diz: Anos atrás, começamos a trabalhar tendo como base as bacias hidrográficas. A água não respeita as fronteiras políticas, e da mesma forma, as bacias hidrográficas nem sempre respeitam as fronteiras políticas…e isso significava que precisávamos conseguir acordos entre os países…para que se pudesse gerenciar um recurso de forma integrada.
A OEA está trabalhando em uma variedade de parcerias binacionais na América Latina, para o gerenciamento de recursos hídricos. O Peru tem participado de diversas parcerias separadas, referentes a bacias hidrográficas, com três de seus vizinhos, a Colômbia, o Brasil e a Bolívia. O Brasil e a Colômbia têm um acordo para o uso do eixo Tabatinga-Apaporis. A Costa Rica e a Nicarágua estão trabalhando em conjunto no gerenciamento da bacia do Rio San Juan.
Esses e a maioria dos outros países do hemisfério enviaram representantes – gerentes de departamentos de água, acadêmicos e especialistas – ao Panamá, para o Terceiro Diálogo Inter-Americano sobre o Gerenciamento de Recursos Hídricos [Third Inter-American Dialogue on Water Management], realizado de 21 a 25 de março de 1999. A conferência foi organizada pela Rede Inter-Americana de Recursos Hídricos [Inter-American Water Resources Network], patrocinada pela OEA. Esta conferência nos proporcionará uma estrutura detalhada para o futuro, para o gerenciamento de recursos hídricos, para o papel do governo e da sociedade civil nesta tarefa, disse Meganck antes do encontro.
Os esforços para encontrar novas respostas na bacia do Rio Bermejo são motivados por uma nova forma integrada de ciência ambiental, pelas dificuldades econômicas do povo da região, e por um novo dinamismo econômico inspirado pelo Mercosul, o Mercado Comum do Sul. A Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai formaram a aliança em 1994 para fortalecer o desenvolvimento econômico através da integração.
O acordo do Mercosul também dedica uma atenção especial à justiça social, ao uso eficiente dos recursos disponíveis e à preservação do meio ambiente. Bello, o economista da OEA, diz que esse acordo dará um empurrão na região, para que ela abandone a agricultura de um nível inferior e chegue a um nível mais elevado – que nunca havia sido atingido – de investimento e industrialização.
Recursos hídricos confiáveis e bem administrados serão críticos para esse desenvolvimento, e para a melhoria do estilo de vida do povo da região da bacia hidrográfica do Bermejo. Segundo Richard Meganck, a cooperação que a Argentina e a Bolívia estão demonstrando é o único rumo razoável que as nações podem seguir, na tentativa de gerenciar seus recursos hídricos. Ele diz: A água foi elevada a uma posição de destaque na agenda internacional. Das duas, uma: ou ela vai estimular os investimentos ou vai causar guerras. Portanto, é melhor que façamos a coisa certa.
Fonte: Usinfo State Gov