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O acesso à água: uma questão de direito

Antônio Gomes Barbosa

Coordenador do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA)

“O acesso à água de qualidade é um direito humano básico que necessita ser efetivado para toda a população. A violação desse direito deve ser reparada de forma imediata”.

III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

No Brasil rural hoje, de acordo com o IBGE, vivem pouco mais de quatro milhões de famílias agricultoras camponesas, sendo 50% no Nordeste, maior parte no Semiárido, região que ocupa uma área de um milhão de km², superior as áreas da Alemanha e França juntas. É um dos semiáridos mais chuvosos do mundo, com uma pluviosidade entre 450 a 700 mm/ano, porém concentrada em poucos meses.

A fome e a sede no Semiárido são produtos humano, social e político. À grande concentração e má distribuição das terras e das águas somam-se também a ausência de infraestruturas de produção, insuficiência de assistência técnica, inadequação do crédito, ausência de uma política de educação contextualizada, além de outros fatores que produzem a insegurança alimentar e nutricional.

O Século 20 foi marcado por políticas públicas dirigidas ao investimento em infraestruturas hídricas de grande porte por meio da construção de grandes açudes e barragens. Como resultado desse esforço há um potencial de armazenamento de água da ordem de 37 bilhões de m³, só no Semiárido setentrional. Entretanto, ofertas concentradas de água só têm vocação para atender demandas concentradas como as das cidades/indústrias e perímetros irrigados.

As famílias difusas do Semiárido necessitam de uma política de águas que atenda suas necessidades, que possibilite os vários usos da água e que valorize a sabedoria, as experiências e o protagonismo desse povo. Nessa perspectiva vale destaque a ação da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), que a partir das experiências das organizações da sociedade que atuam na região, vêm, há dez anos, construindo o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido. Materializado em duas ações: o Programa um Milhão de Cisternas – P1MC e o Programa Uma Terra e Duas Águas – P1+2.

Apoiada inicialmente pela Agência Nacional de Águas, a partir de 2003, o P1MC foi incorporado como política pública pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), tendo como suporte o forte apoio do Conselho Nacional Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Hoje o P1MC também conta com aporte orçamentário da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF).

Até 30 de Julho deste ano, foram construídas 266.847 cisternas rurais, ou seja, mais de 1.250.000 pessoas dispõem de água de qualidade para beber ao lado de casa. Mas estudos avaliativos realizados pelo MDS e pela Embrapa Semiárido mostram a necessidade mínima de 1.300.000 cisternas, o que demonstra que ainda há muito por fazer. Para além da água de beber, a população difusa do Semiárido necessita de alternativas de captação e uso da água para uso doméstico, para dessedentar animais e para produção de alimentos.

Na continuidade do P1MC, a partir de 2007, com apoio da Fundação Banco de Brasil e Petrobras, a ASA iniciou o P1+2. O programa prioriza a segurança e soberania alimentar a partir da produção agroecológica de alimentos, ancorada na construção de infraestruturas hídricas como cisterna calçadão de 52 mil litros, barragem subterrânea, tanque de pedra/caldeirão e bomba d’água popular. Além disso, a ação parte da valorização das experiências exitosas da agricultura familiar camponesa através de intercâmbios e da sistematização de experiências. A partir de 2008, o P1+2 passou a contar com apoio do MDS, Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e Codevasf.

Reconhecendo a importância destas ações, o CONSEA, em sua resolução sobre acesso à água, recomenda que seja intensificado o processo de democratização do acesso à água, maximizando iniciativas a exemplo do P1MC e do P1+2, além da revitalização de poços, e outras. O acesso à água pelas populações difusas no Semiárido brasileiro é uma questão de direito. A fome e a sede são produtos da ação humana: mudar esta realidade deve ser também.

Edição 153

Fonte: http://www.eco21.com.br/

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