Segundo pesquisa da consultoria Roland Berger, será necessário um ritmo médio de aportes de R$ 46 bilhões ao ano, para o País chegar ao objetivo de universalização
Desde a aprovação do novo marco legal do saneamento, em 2020, o Brasil entrou em um novo patamar de investimentos no setor, impulsionado pela maior participação da iniciativa privada. A expectativa é de que os aportes se intensifiquem nos próximos anos. Ainda assim, alcançar a meta de universalização do saneamento básico até 2033 continuará sendo um grande desafio.
Uma pesquisa da consultoria alemã Roland Berger, divulgada com exclusividade para o Estadão, mostra que o investimento no setor ficou em R$ 23 bilhões no Brasil, em 2022. O País precisa, no entanto, do dobro desse montante atingir o objetivo de 99% da população com acesso a água e 90% com esgoto, até 2033.
Segundo o estudo, o Brasil precisará de R$ 550 bilhões de investimentos para cumprir essas metas. Tal número se aproxima de outras estimativas conhecidas, como os R$ 507 bilhões do Ministério do Desenvolvimento Regional e R$ 509 bilhões do Instituto Trata Brasil. Enquanto, no mundo, 57% da população tem acesso a saneamento básico de água e esgoto, no Brasil, esse índice fica abaixo, em 50%. Os números apontam para 33 milhões de pessoas sem acesso a água e 80 milhões, sem esgoto.
“É necessário um grande volume de recursos para implementar infraestrutura em larga escala. O desafio está em atrair investimentos, garantir retornos atrativos para os investidores e assegurar que a população tenha um serviço de qualidade e tarifas justas pelo que paga”, afirma o britânico Geoff Gage, sócio sênior e líder global da prática do setor de água da Roland Berger, que esteve no Brasil para apresentar o estudo e se encontrar com representantes de grandes empresas do setor, investidores e especialistas.
A busca é por um equilíbrio delicado entre eficiência e investimento. A boa notícia é que o ciclo de privatizações de estatais e concessões que vêm pela frente vai estimular o aumento dos investimentos. Em 2025, um conjunto de 24 projetos deve gerar R$ 75 bilhões de investimentos. Em 2033, serão 43 projetos, que devem movimentar R$ 105 bilhões.
“Em lugares como o Oriente Médio e o Brasil, há uma mudança massiva acontecendo no setor hídrico. Nessas regiões, nosso trabalho da Roland Berger é mais focado em apoiar essas mudanças”, afirma Gage. “Em mercados mais maduros, como os EUA, tendemos a focar mais em transações e na aquisição de empresas.”
Enquanto o Brasil ainda começa o seu processo de privatização do setor, em alguns países, como o Reino Unido, que foi pioneiro nesse processo na década de 1980, promovido pela primeira-ministra Margaret Thatcher, a discussão é contrária.
Após anos de investimentos e melhorias no setor, os ganhos potenciais para as empresas se tornaram menores, e os estímulos para que a iniciativa privada continue investindo são cada vez mais limitados. ‘Há um desalinhamento entre as expectativas dos investidores por retornos atrativos e as exigências dos reguladores em manter tarifas acessíveis e cumprir regras ambientais’, explica Gage. Segundo ele, é preciso haver um equilíbrio para manter o setor atraente, para que o investidor possa ter um retorno justo em comparação com o risco ou frente à opção de deixar o dinheiro nos bancos.
O retorno não pode ser atraente demais, mas também não pode ser nada atraente. Em outros locais, como nos EUA, o desafio está em renovar a infraestrutura, em especial, de tubulação, o que pode exigir até US$ 1 trilhão. Gage, no entanto, não acredita que o Brasil esteja muito atrasado no processo de privatização, já que poucos países, com exceção da Europa Ocidental e do Chile, fizeram amplas privatizações no setor.
“Nos EUA, 10% da água é de gestão privada e 90% ainda é pública”, diz o consultor.
O que diferencia o Brasil é a necessidade de recursos privados para atingir a universalização, algo que a iniciativa pública não conseguiu cumprir em décadas.
Neste ano, um acontecimento que serviu como termômetro para medir o interesse dos investidores para o setor no Brasil ocorreu em abril, com o leilão para concessão do serviço de água e esgoto de 98 municípios do Pará, Estado que se prepara para receber a COP-30. A licitação ocorreu num momento turbulento para investimentos globais com as discussões sobre tarifas implementadas pelo presidente americano Donald Trump para o restante do mundo. A Aegea arrematou três dos quatro blocos ofertados, e deve investir R$ 15,2 bilhões para promover a universalização dos serviços.
O quarto bloco, que tratava de 27 cidades, não recebeu ofertas de nenhuma empresa. Concessões Pela frente, haverá o leilão de esgotos da Cesan, para atender mais de 40 cidades do Espírito Santo. A disputa está prevista para ocorrer em junho, na B3, em São Paulo. E, no segundo semestre, o grande destaque estará no certame para assumir os serviços da Compesa, a estatal de Pernambuco. Segundo a Roland Berger, no começo deste ano, existiam 159 projetos em planejamento no País, sendo que a maioria deles estava em fase de modelagem. Ao todo, 75 já iniciaram a modelagem e 35 acabaram de fechar esta fase. Outros 38 projetos estão em fases mais avançadas, como de consulta pública e de preparação para licitação, casos das concessões do Pará, Espírito Santo e Pernambuco.
Apenas nove estão em fase inicial, de anúncio público de intenções. A partir desse momento, o País demora em média entre cinco e sete anos para levar um projeto para licitação, segundo a consultoria.
Desafios
Os desafios para o Brasil atrair investidores globais envolvem a questão da segurança jurídica dos contratos, de que eles não serão alterados em médio e longo prazo, contando com um plano de décadas, mas também uma certa falta de conhecimento mundial sobre o tamanho dos projetos que estão sendo privatizados no País. Mesmo entre investidores internacionais especializados no setor, não há um grande nível de conhecimento sobre os leilões brasileiros, algo que pode ser resolvido com mais marketing e roadshows por parte do poder concessionário, diz o francês Georges Almeida, sócio e líder da prática de infraestrutura da Roland Berger no Brasil. “Os investidores, em especial, os europeus, ficam surpresos com a necessidade de investimentos daqui. Existe uma falta de comunicação e divulgação do que acontece aqui.
Não podemos esquecer que o Brasil é um país periférico e compete com outras regiões para atrair investimentos”, diz. “Não me lembro de algum lugar no mundo onde investimentos tão significativos e importantes foram feitos no setor de água”, afirma Almeida.
“Em termos de progresso, após cinco anos desse novo marco, já estamos vendo resultados. Por exemplo, se você olhar para a distribuição de água no Estado do Rio de Janeiro há 10 anos e comparar com hoje, houve um progresso enorme. Agora você pode ir às praias do Flamengo ou Botafogo e ver água limpa, algo que era impossível há uma década. Então, quando os investimentos são feitos, eles podem ter um impacto significativo.”
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Almeida também destaca que a “revolução silenciosa” que está em marcha no setor começou a partir das privatizações da Cedae, no Rio de Janeiro, e dos serviços de Maceió, e que muito foi aprendido com as concessões de rodovias na década anterior. “Existe uma mudança de patamar nos investimentos, e uma sofisticação nas empresas. O setor privado representava 15% dos serviços em 2014 e, em 2024, já foi para 42%”, diz. Com os leilões deste ano, ele superará metade do setor. No entanto, o tamanho do desafio pela frente é imenso e falta muito para se atingir a meta “superambiciosa” de 2033. Por isso, é importante compatibilizar “os objetivos com a realidade”, já que mesmo para o caso do Pará é mais provável que a universalização seja atingida apenas em 2039.
“O custo de capital no Brasil pode assustar investidores potenciais, e a escala do que precisa ser feito é assustadora. Mas estamos vendo resultados após cinco anos, e isso é importante destacar”, diz Almeida. “Esse é o grande desafio da universalização: preencher uma lacuna entre as regiões mais pobres, menos interessantes para os investidores e as regiões mais ricas.” Isso é especialmente relevante nas condições locais. “O Brasil é um país incrível, mas é um país de extremos, tanto em termos de riqueza quanto de densidade populacional.
O especialista também destaca que o Brasil é único em outros aspectos, especialmente com a ex-estatal Sabesp, que é o maior sistema municipal de água do mundo.
“Os EUA, por exemplo, têm um sistema muito fragmentado, com muitas operações pequenas, mas o modelo da Sabesp é único no mundo”, afirma.
Essas discrepâncias são vistas em dados do Instituto Trata Brasil. De acordo com eles, em 2022, o Brasil investiu R$ 111 por habitante em saneamento, mas precisa de R$ 231 por ano. No Acre, o investimento foi de apenas R$ 3 por habitante.
“Muitas companhias estatais chegaram à conclusão de que não tinham capacidade econômica-financeira para alavancar o volume de investimentos necessários e foram buscar parcerias no setor privado”, afirma a presidenteexecutiva do Trata Brasil, Luana Pretto. “O saneamento vive uma nova era, com uma visão de que é ativo critico. Conseguiu caminhar bem com investimentos, mesmo em regiões mais remotas, mais carentes. Mas algumas localidades ainda não entenderam o que deve ser priorizado.”
Investimentos na cadeia
Os investimentos no setor de saneamento também devem se refletir em movimentos para toda a cadeia de utilities. Segundo o estudo da Roland Berger, a cadeia do setor movimentou entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões em 2024, valor que deve subir para a faixa de R$ 38 bilhões a R$ 48 bilhões, neste ano, e para entre R$ 45 bilhões e R$ 55 bilhões, em 2030. Dessa forma, em torno de R$ 150 bilhões serão gastos nesse período entre 2024 e 2030. Grande parte desse valor envolverá custos de operação e serviços (28% a 38%), de construção (20% a 30%) e com energia elétrica (15% a 25%).
Fonte: Estadão
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