Estudo propõe caminhos para neutralidade climática brasileira nos próximos anos, por meio da agricultura, florestas, uso da terra e transição energética. Sucesso exige coordenação intersetorial
O Brasil pode zerar suas emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE) até 2040, uma década antes da meta oficial. Essa é a principal conclusão do estudo Brazil Net-Zero by 2040, coordenado pelo Instituto Amazônia 4.0 e que reúne pesquisadores de diferentes instituições, entre elas a USP, a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A atual meta brasileira, de emissões zero até 2050, foi comparada a dois cenários que permitem alcançar a neutralidade em 2040, Afolu-2040, baseado em agricultura, florestas e uso da terra, e Energy-2040, centrado na transição energética.
Em ambos os casos, o sucesso exige coordenação intersetorial e parcerias público-privadas, com a condição de distribuição justa dos custos e benefícios, garantindo inclusão social e justiça climática. A pesquisa, lançada no dia 5 de novembro, na Academia Brasileira de Ciências, propõe caminhos realistas para acelerar a neutralidade climática do País, em linha com o apelo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no G20 de 2024 para antecipação de compromissos climáticos.
A publicação com as principais conclusões do estudo pode ser consultada neste link. Liderado pelos pesquisadores Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, Roberto Schaeffer, Mercedes Bustamante, Eduardo Assad e Nathalia Nascimento, professora da Escola Superior Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, em Piracicaba, o trabalho utilizou o Brazilian Land Use and Energy System Model (Blues) para simular cenários de mitigação entre 2020 e 2040.
“Se bem-sucedido, o Brasil poderá se tornar um exemplo para o Sul Global, mostrando que crescimento econômico e ação climática ambiciosa podem caminhar juntos”, destaca a equipe.
No Afolu-2040, a prioridade é reduzir fortemente o desmatamento, zerando a supressão de áreas nativas até 2030, e ampliar reflorestamento e restauração, estimulando a agricultura regenerativa e manejo integrado do solo. “Nesse cenário, a maior parte das remoções vem de soluções baseadas na natureza, como reflorestamento, restauração de ecossistemas e implantação de sistemas agroflorestais, respondendo por mais de 87% do total de remoções de carbono até 2040”, explicam os pesquisadores.
O relatório prevê a transformação de sistemas agropecuários em sumidouros líquidos de carbono através da adoção de sistemas produtivos integrados que removem carbono da atmosfera e estocam em diferentes níveis do solo. Nesse cenário, é dada prioridade a biocombustíveis convencionais e à integração com o uso da terra, mantendo uma abordagem moderada e agroecológica. A produção de petróleo e os empregos da indústria fóssil são mantidos no curto e médio prazo, em declínio, mas sem uma substituição completa, processo que dependerá de uma governança ambiental robusta.
Já o Energy-2040 baseia-se em uma transformação profunda da matriz energética, com forte redução do uso de petróleo, eletrificação e descarbonização do transporte e da indústria. O cenário inclui expansão de biocombustíveis e tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS) em larga escala – especialmente nos setores de cimento, aço e produtos químicos.
“Essa abordagem reduz a dependência de políticas territoriais e os riscos de retrocesso ambiental, mas traz novas incertezas tecnológicas e financeiras, já que envolve altos custos e tecnologias ainda em fase de consolidação”, ponderam os cientistas.
Gráfico de barras. Mudança de cobertura do solo por década Mudança de cobertura do solo por década – Gráfico: reprodução da cartilha Brasil Net-Zero De acordo com o relatório, os biocombustíveis líquidos se tornarão o núcleo da economia neutra em carbono, sendo cerca de 64% provenientes da cana-de-açúcar. O cenário indica uma transição energética mais intensa, com eliminação quase total das energias fósseis, em particular o petróleo, com predomínio absoluto de fontes de energia primária renovável, como biocombustíveis (biomassa lignocelulósica e cana-de-açúcar), hidráulica e fontes renováveis intermitentes (eólica e solar).
A mudança demanda fechamento de refinarias de petróleo e rápida expansão de renováveis e de biocombustíveis avançados, criando resiliência econômica e climática de longo prazo. Apesar das trajetórias distintas, ambos os caminhos dependem de governança ambiental robusta e de investimentos consistentes. No Afolu-2040, o investimento adicional seria de cerca de 1% em relação à meta atual.
A transição energética ocorreria de forma mais gradual, com os combustíveis fósseis ainda representando 46% da energia primária em 2040 — ante a 22% no cenário focado na transição energética. Já o Energy-2040 demandaria aproximadamente 20% a mais em investimentos, devido à instalação de novas tecnologias e infraestrutura. O relatório conclui que o Brasil pode antecipar sua neutralidade climática para 2040, mas isso exigirá transformações estruturais no uso da terra e no sistema energético.
Ambos os cenários eliminam o desmatamento ilegal até 2030 e ampliam o uso da terra, mudança no uso da terra e florestas como principal sumidouro. A neutralidade em emissões até 2040 é tecnicamente possível, apoiada na bioenergia, em tecnologias de captura e armazenamento de carbono e em governança territorial integrada, porém exige investimentos inéditos, coordenação entre os diferentes setores da economia e parcerias público-privadas.
Os pesquisadores ressaltam que o sucesso no cumprimento das metas depende de distribuir custos e benefícios de forma justa, garantindo inclusão social e justiça climática, com potencial criação de empregos verdes, que contribuem com a redução de emissões e a melhora da qualidade ambiental, em áreas como agricultura, reciclagem, setor energético e transportes Segundo o relatório, a concretização dos cenários previstos fará do Brasil um modelo a ser seguido internacionalmente, com base em uma receita desenvolvida no Sul Global, demonstrando que ações climáticas antecipadas são compatíveis com o objetivo maior de desenvolvimento sustentável para todos.
O evento de lançamento pode ser acompanhado por este link a partir das 15 horas dessa quarta (5). No site, também é possível baixar o relatório.
Fonte: Jornal da USP