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Efeito da fertirrigação com efluente de esgoto doméstico no desempenho de gotejadores autocompensantes

Resumo

Efeito da fertirrigação com efluente de esgoto  – A irrigação por gotejamento é o método confiável e eficiente para a aplicação de Efluente de Esgoto Doméstico (EED) na fertirrigação agrícola, no entanto a sua maior fragilidade é a suscetibilidade à obstrução dos gotejadores. Objetivou-se nesta pesquisa avaliar o comportamento de gotejadores autocompensantes aplicando EED tratado em filtros anaeróbios. O experimento foi conduzido em dois sistemas de cultivo, nomeadamente, sistema de cultivo convencional (SCC) e vertical (SCV), e a irrigação realizada com água de diferentes qualidades (tratamentos): T1 – irrigação com 100% de efluente tratado (EFT); T2 – irrigação com 100% de água de abastecimento (AAB); e T3 – irrigação com 50% EFT e 50% AAB. A avaliação do efeito da qualidade da água de irrigação no desempenho dos gotejadores no SCC baseou-se no coeficiente de uniformidade de distribuição (CUD), coeficiente de uniformidade estatístico (CUE) e coeficiente de variação de fabricação (CVf), e para o SCV baseou-se no coeficiente de variação (Cv) da vazão. Os resultados obtidos indicam que os gotejadores de ambos os sistemas de cultivo apresentaram um excelente desempenho. Os valores de CUD e CUE foram superiores a 90%, portanto classificado como excelente; o CVf dos tratamentos T1 e T3 foram classificados como médio e o do T2 como excelente. O Cv da vazão em todos os tratamentos manteve-se abaixo de 7%, indicando que a qualidade da água de irrigação não alterou o padrão de operação dos gotejadores no SCV. Esses resultados permitem concluir que a irrigação com efluente esgoto tratado em filtros anaeróbios não afetou o desempenho dos gotejadores em ambos sistemas de cultivo, fato relacionado ao excelente desempenho apresentado pelo sistema de tratamento de EED aplicado nesta pesquisa.

Introdução

A escassez de recursos hídricos e seus impactos na agricultura têm incentivado a busca por fontes de água alternativas para garantir a continuidade e sustentabilidade da atividade agrícola (WANG; LI; LI, 2017). Neste contexto, o reúso de efluentes de esgoto doméstico na irrigação agrícola é considerado uma estratégia importante para redução da escassez de recursos hídricos (CHAUHAN; KUMAR, 2020; CHERFOUH et al., 2018a; KHALID et al., 2018; LIBUTTI et al., 2018), na medida em que pode substituir parcial ou totalmente a água de boa qualidade na irrigação de culturas, como também pode contribuir para a redução de custos e impactos ambientais do descarte dos efluentes nos corpos de água (CHAUHAN; KUMAR, 2020; CHERFOUH et al., 2018b; CHOJNACKA et al., 2020; LIBUTTI et al., 2018; URBANO et al., 2017).

A reciclagem de nutrientes e matéria orgânica em particular são outros benefícios essenciais do reúso de EED na fertirrigação, pois compreendem alternativas econômicas importantes para manter a fertilidade e a produtividade do solo (ARAÚJO et al., 2020; CHAUHAN; KUMAR, 2020; CHERFOUH et al., 2018b; CHOJNACKA et al., 2020), permitindo que os agricultores reduzam ou até eliminem a aplicação de fertilizantes convencionais em seus campos de produção (CHOJNACKA et al., 2020; JEONG et al., 2016; URBANO et al., 2017).

Vários estudos comprovaram o efeito positivo da fertirrigação (técnica de aplicação de nutrientes às plantas pela água de irrigação (INCROCCI; MASSA; PARDOSSI, 2017; JOS EACUTE et al., 2016)) com efluentes de esgoto na produtividade das culturas (CHOJNACKA et al., 2020; DEMIR; SAHIN, 2017; VERGINE et al., 2017; WANG; LI; LI, 2017).

No entanto, apesar dos inúmeros benefícios proporcionados pelo reúso de EED na fertirrigação agrícola, é importante realçar que a aplicação inadequada pode ser prejudicial aos produtores e consumidores, plantas, animais e ao solo (BALKHAIR, 2016), assim como pode contribuir para obstrução dos gotejadores e consequentemente alterar as suas características operacionais (SHAKIR; ZAHRAW; AL-OBAIDY, 2017; URBANO et al., 2017), pois diferente da água potável, os efluentes de esgoto geralmente contêm altas concentrações de bactérias, vírus, sais e metais pesados, dependendo da sua fonte e tratamentos (SALGOT; FOLCH; UNIT, 2018; WANG; LI; LI, 2017)..

O tratamento prévio e gestão cuidadosa dos efluentes de esgoto são fatores chaves a considerar para garantir um reúso sustentável. Chojnacka et al. (2020) defendem que o EED tratado (preferencial efluente secundário) é o mais adequado para fertirrigação, uma vez que é rico em nutrientes e apresenta baixa concentração de sólidos suspensos e poluentes orgânicos.

Esses autores referem também que o tratamento terciário não é necessário quando se pretende fazer o reúso do efluente tratado para fertirrigação. O EED bruto, embora seja considerado uma fonte alternativa de água, sobretudo no países em desenvolvimento (MALEKSAEIDI et al., 2018), o seu reúso não é recomendado para fertirrigação agrícola (KHALID et al., 2018), porque tem graves consequências socioeconômicas e implicações irreversíveis ao meio ambiente e ao desempenho dos sistemas de irrigação.

Devido à sua elevada eficiência de aplicação de água e baixo risco de contaminação dos produtos agrícolas e operadores de campo, o sistema de irrigação localizada, sobretudo a irrigação por gotejamento, é mais adequado para aplicação de efluentes de esgoto na fertirrigação agrícola (AHMAD; KHAN, 2017; BATISTA et al., 2018; COSTA et al., 2019; SILVA et al., 2019; SINGH et al., 2020; VALE et al., 2018), no entanto, ao mesmo tempo, a obstrução dos gotejadores é um dos maiores problemas enfrentados pelos agricultores durante a sua aplicação (BATISTA et al., 2013; VALE et al., 2018), que geralmente resulta na alteração das características operacionais do sistema de irrigação e reduz os benefícios do sistema de irrigação.

A obstrução dos gotejadores em sistemas de irrigação por gotejamento é resultado de diversos fatores, no entanto a baixa qualidade da água usada é, no geral, considerada a principal causa (CAPRA; SCICOLONE, 1998; NAKAYAMA; BUCKS, 1991), com destaque para a presença de partículas sólidas, precipitados de sais e micro-organismos na água de irrigação (ZHOU et al., 2016). Quando se trabalha com efluentes de esgoto este problema torna-se mais sério (JASIM et al., 2016), requerendo portanto uma combinação de métodos de tratamento para obter-se efluente tratado de qualidade aceitável a aplicar na irrigação por gotejamento.

Pesquisas relacionadas à avaliação do desempenho de sistemas de irrigação por gotejamento (BATISTA et al., 2013; REZNIK et al., 2017; VALE et al., 2020), operando com efluente de esgoto tratado e não tratado, mostraram uma alteração significativa das características operacionais dos sistemas (variando de moderada a severa), sendo que em alguns casos a alteração foi aumentando com tempo de operação do sistema. Esses autores foram unânimes ao indicar os sólidos suspensos, ferro total e população bacteriana como sendo as fontes que representam risco severo de obstrução de gotejadores.

Para reduzir a obstrução dos gotejadores tem se indicado diversas técnicas, sendo a filtragem a mais comum e altamente difundida (MIRANDA et al., 2012; SOLÉ TORRES et al., 2019), que segundo Capra e Scicolone (2004) trata-se de uma técnica simples, econômica e de fácil operação. No entanto, não evita completamente o problema de obstrução de gotejadores (ELAMIN et al., 2017), sobretudo quando se aplica efluentes de esgoto (SOLÉTORRES et al., 2019).

Existem atualmente diferentes tipos de filtros disponíveis no mercado, sendo que os mais usados na irrigação por gotejamento são filtro de areia, filtro de tela, filtro de hidrociclone e filtro de discos (KANNAN et al., 2020). Desses, os filtros de areia são os que proporcionam melhor proteção aos sistemas de irrigação por gotejamento quando se aplica EED, pelo fato de apresentarem elevada capacidade de retenção de matéria orgânica e inorgânica (SOLÉ-TORRES et al., 2019).

Diante do exposto, percebe-se que a obstrução de gotejadores constitui um fator limitante para o reúso de EED tratado na irrigação por gotejamento. O sucesso dessa prática está condicionado à contínua investigação de tecnologias de tratamento que proporcionem efluente tratado de qualidade aceitável, para garantir que os sistemas de irrigação possam utilizá-los sem limitações ou com menores riscos de obstrução de gotejadores e à saúde humana.

Portanto, os objetivos desta pesquisa (Efeito da fertirrigação com efluente de esgoto) são: (1) avaliar o efeito da aplicação de EED tratado em filtros anaeróbios no desempenho de gotejadores autocompensantes; e (2) examinar o desempenho do sistema de tratamento de EDD adotado, sobretudo no que se refere à qualidade do efluente tratado.

Autores: Valdemiro Pitoro, Rodrigo Sánchez Román, João Queluz, Kevim Ventura.

 

Efeito da fertirrigação com efluente de esgoto


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