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A utilização do discurso do sujeito coletivo (DSC) na avaliação da percepção acerca dos rios urbanos: um estudo na bacia do Rio Camarajipe, em Salvador-Bahia

Resumo

A imagem que décadas atrás refletia um cenário onde o rio era símbolo de vida pela sua biodiversidade, assim como espaço de lazer e atrativo paisagístico, deu espaço a uma imagem de extremo abandono nos ambientes urbanos de todo o Brasil, com destaque para Salvador-BA. A mudança de abordagem e percepção sobre esses rios é fundamental para promover a transformação do ambiente. Antes de propor essa mudança, é preciso conhecer a comunidade que convive com o rio urbano e seus problemas. Diante desse contexto, o objetivo desse trabalho é avaliar a percepção da população que reside no entorno do Rio Camarajipe, em Salvador, quanto às suas condições urbano-ambientais. Com o intuito de coletar as percepções da população, foi utilizada a técnica do Grupo Focal. Com as gravações e/ou filmagens feitas em cada um dos três grupos focais realizados em três trechos do Rio, cada discurso foi transcrito de forma literal e estes foram analisados a partir do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). A análise das discussões promovidas pelos grupos focais permitiu concluir que a atual condição do Rio Camarajipe impacta negativamente a população que reside no seu entorno, em especial nos aspectos da saúde e do conforto ambiental.

Introdução

Diversas são as definições que o ser humano apresenta para um rio urbano, seja de um espaço de lazer, de trabalho, de despejo/lançamento de dejetos, efluentes líquidos diversos e resíduos sólidos, entre outras, a depender da forma como a sociedade interage com o meio (SAKAI; FROTA, 2014). Mas, de modo geral, considera-se para este trabalho a definição de rio urbano como aquele que está inserido dentro dos limites de uma cidade e que sofre os impactos do processo de urbanização.

Ao longo de muitos séculos, esses rios se configuram como elementos de expressiva relevância para o florescimento das civilizações, assumindo papel primordial para a formação e o crescimento de diversas cidades ao redor do mundo. O ser humano ao longo dos anos se organizou e formou comunidades preferencialmente próximas às águas existentes, objetivando o atendimento das suas necessidades básicas.

Porém, com o intenso processo de urbanização ocorrido no Brasil e em outros países, desencadeou-se, gradativamente, a degradação da qualidade das águas dos rios urbanos, em função da proliferação de ocupações com infraestrutura precária, pelo lançamento de efluentes por parte das indústrias, pela ausência de ações e serviços públicos de saneamento básico, assim como a ampliação dos processos de agropecuária urbana, dentre outros aspectos. Com isso, verifica-se que, antes entendido como uma riqueza para a sociedade, os rios do meio urbano passaram a ser compreendidos de forma repulsiva, com desprezo e como sinônimos de entrave para o desenvolvimento urbano.

Prova disso são as principais soluções encontradas pelos gestores para excluir os rios urbanos desse processo de desenvolvimento: muitos rios urbanos em diversas cidades do mundo estão sendo desviados e canalizados em tubulações subterrâneas ou canais de concreto; as margens de lagos estão sendo substituídas por docas ou muros de contenção; as águas estão sendo poluídas ou contaminadas; as matas ciliares estão sendo impactadas para atender a interesses imobiliários e a formação de parques urbanos; e muitos estuários navegáveis estão sendo dragados e suas costas sendo transformadas em cais, diques e zonas comerciais (MELO, 2005; ALMEIDA; CORRÊA, 2012; HUGHES et al., 2014; UNESCO, 2015).

A atual situação dos rios urbanos nas cidades brasileiras é extremamente crítica. A condição insatisfatória da qualidade das águas possui influência significativa na saúde e na qualidade de vida das populações, além de ocasionar nas pessoas, em sua grande maioria, o sentimento de repulsa e o entendimento equivocado acerca da riqueza hídrica que ali se apresenta.

O planejamento urbano territorial, ao longo dos tempos, tem demonstrado um enfoque para a arquitetura, a moradia, a organização e a salubridade dos espaços em detrimento das características e da capacidade suporte dos sistemas naturais, com destaque para os sistemas fluviais. Porém, o planejamento urbano territorial ideal e efetivo deveria ser uma ferramenta importante para a conservação dos corpos d’água, garantindo a sua quantidade necessária e qualidade desejada mesmo diante dos diversos usos e ocupações do solo na bacia hidrográfica (MOTA, 1995).

Desse modo, uma riqueza natural que ao invés de ser apreciada e ser motivo de orgulho e felicidade pela população que pode usufruí-la, passa a ser interpretado simplesmente como um esgoto a céu aberto, um canal para transporte de esgotos e resíduos sólidos, fonte dos mais diversos incômodos aos que estão em contato ou próximo.

Ambientes de grande insalubridade, os rios nas grandes cidades do País, especialmente os rios urbanos de Salvador, se apresentam não somente como um grande problema ambiental, mas também como o reflexo de uma sociedade marcada por fortes desigualdades socioeconômicas. A capital baiana é circundada e entrecortada por água, sendo essa uma das condições decisivas para a sua implantação e consolidação no comércio mundial dos séculos XVII e XVIII (ANDRADE; BRANDÃO, 2009). Mas essa abundância significativa de corpos d’água tem se convertido atualmente em uma situação de escassez crescente, devido aos diversos impactos que estes vêm sofrendo ao longo dos anos, principalmente a partir do lançamento de efluentes líquidos e resíduos sólidos (SANTOS et al., 2005).

(…)

Autores: Mikhail Martinez Barreto;  Nícholas Carvalho de Almeida Costa;  Dênis Cunha;  Rebecka Barros Pacheco Grillo e  Luiz Roberto Santos Moraes.

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