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O custo ambiental da IA

O custo ambiental da IA

A criação de data centers e o aumento da demanda por recursos naturais trazem desafios críticos para a sustentabilidade diante de um cenário de mudanças climáticas

Em novembro de 2022, o mundo testemunhou o lançamento do ChatGPT, uma inteligência artificial capaz de gerar respostas complexas em tempo real, que rapidamente se tornou um fenômeno global ao transformar a forma de gerar textos e resolver problemas.

Para além das discussões sobre o futuro do trabalho e dos direitos autorais, outro fator crítico – embora menos comentado – é o imenso consumo de energia e água necessários para manter esses sistemas funcionando. Isso porque, à medida que novos modelos de IA generativa surgem, o impacto ambiental cresce, muitas vezes
superando a demanda de recursos de cidades e países inteiros.

Para exemplificar, uma simples busca no Google consome cerca de 0,3 watts-hora, o equivalente a uma lâmpada de LED acesa por 3 segundos. Já um comando no ChatGPT consome de 10 a 25 vezes mais energia, gastando cerca de 7 watts-hora, o equivalente a uma lâmpada de LED acesa por 1 a 2 minutos. Isso porque as IAs exigem processos computacionais muito mais complexos e intensivos em comparação com uma busca simples na internet.

De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) a previsão de crescimento da demanda por eletricidade pode mais que duplicar até 2026, em razão dos data centers, da mineração de criptomoedas e da inteligência artificial. Juntos, eles consumiram 460 terawatt-hora (TWh) de energia, cerca de 2% da demanda global em 2022. A estimativa é que até 2026 esse número chegue a 1.050 TWh. Para efeitos de comparação, isso é mais que o dobro do consumo anual de eletricidade do Brasil.

Além do uso intensivo de energia elétrica, os data centers geram grandes quantidades de calor, demandando sofisticados sistemas de refrigeração à base de água. Por exemplo, apenas durante a fase de treinamento do modelo GPT-3 pela Microsoft, foram consumidos 700.000 litros de água, e a estimativa é que o consumo global das IAs atinja 6,6 bilhões de metros cúbicos até 2027, mais de quatro vezes o consumo anual de água da Dinamarca.

O crescimento acelerado das IAs impõe um uso intensivo de recursos naturais e aumenta a pegada de carbono dessas tecnologias. Por essa razão, nos últimos anos as big techs têm diversificado suas operações de data centers para outras regiões do globo. Essa estratégia permite que essas empresas desloquem o consumo de energia e água para países com regulamentações ambientais mais flexíveis e custos de produção mais baixos. Assim, as economias do Norte global reduzem seu impacto ambiental direto – em benefício das metas e acordos climáticos dos seus países de origem – ao mesmo tempo em que sobrecarregam as economias periféricas com os efeitos socioambientais adversos.

O crescimento acelerado das IAs impõe um uso intensivo de recursos naturais e aumenta a pegada de carbono dessas tecnologias. Por essa razão, nos últimos anos as big techs têm diversificado suas operações de data centers para outras regiões do globo. Essa estratégia permite que essas empresas desloquem o consumo de energia e água para países com regulamentações ambientais mais flexíveis e custos de produção mais baixos. Assim, as economias do Norte global reduzem seu impacto ambiental direto – em benefício das metas e acordos climáticos dos seus países de origem – ao mesmo tempo em que sobrecarregam as economias periféricas com os efeitos socioambientais adversos.

Por isso, é importante observarmos com atenção a realidade brasileira. Em setembro de 2024, a Microsoft anunciou um investimento de R$ 14,7 bilhões no Brasil, enquanto a AWS (subsidiária da Amazon) revelou um aporte de mais de R$ 10,1 bilhões para expandir sua infraestrutura de data centers em São Paulo. A Scala empresa que atende big techs como Microsoft e Google, também firmou um acordo de intenções com o governo do Rio Grande do Sul para construir um complexo de data centers com investimento de mais de R$ 10 bilhões na região metropolitana de Porto Alegre.

As big techs têm diversificado suas operações de data centers para outras regiões do globo. Isso permite que desloquem o consumo de energia e água para economias periféricas, que se sobrecarregam com os efeitos socioambientais adversos.

A crescente atração de investimentos no setor de infraestrutura digital no país reforça a posição estratégica do mercado brasileiro nas cadeias globais de valor. Essa expansão, no entanto, também exige uma reflexão profunda acerca dos custos socioambientais dessas cadeias produtivas. A criação de novos data centers e o aumento da demanda por recursos naturais trazem desafios críticos para a sustentabilidade, sobretudo diante de um cenário de mudanças climáticas.

Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado uma redução consistente da sua capacidade hídrica nas principais regiões: segundo estudo realizado pelo Map Biomas, entre 1990 e 2020 o país perdeu 15% de sua superfície de água, o que tem gerado sérios problemas em áreas essenciais como a geração de energia elétrica, o consumo doméstico, a produção agrícola e o saneamento. O país que, historicamente dependente das hidrelétricas, tem experimentado uma oscilação crescente na oferta de energia proveniente dessas fontes por decorrência da escassez de chuvas e das secas prolongadas, resultados da emergência climática. Esse quadro tem exigido o acionamento emergencial de termelétricas a gás, que são alternativas mais caras e mais “sujas” do ponto de vista da emissão de gases do efeito estufa.

Neste contexto, a crise hídrica apresenta um desafio adicional relacionado à agricultura. A escassez de água afeta a produtividade e a qualidade das safras, comprometendo a produção de alimentos e biocombustíveis. Além disso, a seca dos rios representa uma ameaça crescente ao abastecimento de água das grandes cidades. A redução dos níveis dos reservatórios compromete a distribuição de água potável e limita o tratamento de esgoto, afetando a qualidade de vida da população urbana, especialmente nas comunidades mais vulneráveis, onde o acesso a serviços básicos já é limitado.

Diante deste cenário, é fundamental que a expansão do setor digital no Brasil seja acompanhada por esforços amplos e coordenados para a criação de inovações sustentáveis aplicadas às IAs. Isso inclui a promoção de estratégias nacionais e políticas públicas que desenvolvam pesquisas e soluções que otimizem o uso de recursos naturais nessas tecnologias, além de criar mecanismos de reparação e responsabilização das grandes corporações para o impacto socioambiental causado por elas.

É isso, ou estamos condenados à perpetuação de um modelo econômico predatório, concentrador de riqueza e excludente em cidadania, que em nome de inovações tecnológicas sacrifica o bem-estar das próximas gerações agravando os males já existentes. É esse o futuro que queremos?

Fonte: Valor


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