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Contaminantes emergentes em estações de tratamento de esgoto aeróbia e anaeróbia

Resumo

As Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) desempenham papel importante na garantia da saúde pública e preservação dos ecossistemas aquáticos por meio da remoção biológica (majoritariamente) de poluentes e microorganismos presentes no esgoto sanitário e industrial, evitando o aporte“in natura”do esgoto nos corpos hídricos e solos. Dentre estes contaminantes orgânicos destacam-se os Contaminantes Emergentes (CE), uma categoria composta por fármacos, produtos de higiene pessoal e desreguladores endócrinos, drogas de abuso, entre outros. Neste trabalho foi investigada a ocorrência e avaliada a remoção de 12 CE, sendo eles: naproxeno (NPX), diclofenaco (DCF), ibuprofeno (IBU), cafeína (CAF), carbamazepina (CBZ), propranolol (PRP), atenolol (ATL), 1- hidroxi-ibuprofeno (IBU-1OH), 2-hidroxi-ibuprofeno (IBU-2OH), 10,11- dihidro-10,11-dihidroxi-carbamazepina (CBZ-DIOH), 2-hidroxi-carbamazepina (CBZ-2OH) em duas estações de tratamento de esgoto que operam sistemas biológicos, sendo uma aeróbia e outra anaeróbia. A primeira fica na cidade de Jundiaí/SP e a segunda opera na cidade de São Carlos/SP. Os compostos alvos foram extraídos da fase aquosa por extração em fase sólida (SPE). As determinações analíticas foram feitas por cromatografia líquida de ultra eficiência acoplada àespectrometria de massas com analisador triplo quadrupolo (UPLC-MS/MS). Os fármacos, metabólitos e o produto de higiene pessoal triclosan foram detectados em todas as amostras analisadas. A CSJ-Jundiaí, que opera em regime aeróbio, apresentou ao longo das campanhas amostrais, altos valores de remoção (R>70%) para a CAF, NPX, ATL, IBU-1OH e TCS, remoção moderada (70%> R > 20%) para o IBU e IBU-2OH, baixa remoção (R70% apenas para a cafeína. Os compostos TCS, IBU-2OH, IBU-1OH e ATL tiveram remoção moderada, ao passo que CBZ-DiOH, CBZ e IBU apresentaram baixa remoção e formação/produção do DCF, PRP e CBZ-2OH. O metabólito CBZ-DiOH mostrou-se recalcitrante a degradação em ambas ETEs. Além do mais, é possível observar que as ETE podem promover não somente a degradação de alguns contaminantes mas também a formação/produção dos mesmos, como é o caso do DCF, CBZ, CBZ-2OH, CBZ-DiOH e PRP em ambas ETEs, havendo ainda na ETE-Monjolinho a formação de ATL, IBU, e IBU-1OH. Apesar de ambas ETEs não removerem completamente os compostos avaliados, observouse que o tratamento de esgoto empregando a biodegradação aeróbia tem se mostrado mais eficaz na remoção dos CEs frente à biodegradação anaeróbia. Os sistemas atualmente empregados na maioria das ETEs, não livram os corpos aquáticos da presença de CE. Este trabalho contribui para o conhecimento do comportamento de alguns CE em modelos de ETE comumente empregadose pode amparar estratégias de ajustes de condições operacionais ou o uso de tecnologias que possibilitem a remoção destes contaminantes, contribuindo para que os efluentes das ETEspossam ser transformados em água de reuso de boa qualidade, atualmente uma das alternativas para o gerenciamento do problema global da escassez hídrica.

Introdução

Atualmente a água é indubitavelmente um recurso escasso, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos. A partir de 2004, secas intensas e incomuns na região sudeste do Brasil trouxeram a público uma preocupação já há muito tempo anunciada por especialistas na área de recursos hídricos, com respeito ao fato de que atualmente a água não é mais um recurso plenamente renovável. Tal cenário é evidenciado pelo fato de que muitas vezes a retirada do recurso hídrico se dá com uma intensidade maior do que a capacidade de recarga hídrica das fontes. Isto é constatado em reservatórios superficiais que podem até mesmo tender à secura e aquíferos subterrâneos que apresentam ano após ano, níveis freáticos estáticos mais profundos. Além da escassez de chuva, a crescente expansão urbana também agrava o quadro da disponibilidade hídrica atual.

A garantia da qualidade da água está tradicionalmente focada em determinação de nutrientes, testes microbiológicos e poluentes prioritários, como pesticidas, hidrocarbonetos derivados de petróleo e componentes químicos industriais. No entanto, com o avanço das técnicas analíticas, foi possível revelar uma série de outros contaminantes orgânicos presentes em águas superficiais e residuárias, com ocorrência em concentrações da ordem de ng L-1 a µg L-1 (PAL et al. 2014).Dentre estes contaminantes destacam-se as drogas prescritas e não prescritas, produtos de higiene pessoal, hormônios sintéticos e nanopartículas, cuja produção e utilização têm aumentado nos últimos anos(LI et al. 2014).

Estes compostos têm sido definidos pela comunidade científica como contaminantes emergentes e podem apresentar efeitos adversos no ambiente. Estes contaminantes não estão inclusos na rotina dos programas nacionais de monitoramento, mas vários deles são candidatos a uma futura regularização. Fazem parte deste grupo, além dos fármacos de uso humano e veterinário, retardantes de chama, produtos de desinfecção, aditivos da gasolina, hormônios, organometálicos, produtos cosméticos e de higiene pessoal, surfactantes e pesticidas dentre outros (CORADA-FERNÁNDEZ et al. 2014; FARRÉ et al. 2008; PETROVIC & BARCELÓ, 2006; REY et al. 2014).

Os compostos farmacêuticos podem ser classificados em duas grandes categorias, que são a dos esteróides e não-esteróides. Estrogênios, progestogênios, antagonistas do estrogênio e andrógenos e fitoestrogênios, são os principais esteróides farmacêuticos. Para os não-esteróides, os grupos mais comuns são: antibióticos, analgésicos e antiinflamatórios, lipo-reguladores, betabloqueadores, antiepléticos, antidepressivos e outros (TADEO et al. 2012).

Muitos poluentes emergentes causam danos ao sistema endócrino mesmo em concentrações tão baixas como de poucos nanogramas por litro. São classificados como interferentes endócrinos (IE) compostos que alteram processos de síntese, secreção, transporte, ligação, ação ou eliminação dos hormônios naturais responsáveis pela manutenção da homeostase, reprodução, desenvolvimento e/ou comportamento (HEINDELet al. 2012).

Devido a esses poluentes emergentes estarem presentes em diversos tipos de produtos e aplicações, eles encontram como destino os mais diversos tipos de resíduos, gerados tanto por fontes domésticas quanto industriais. Comumente esses compostos são observados em ecossistemas aquáticos utilizados como manancial o que faz com que cheguem até as estações de tratamento de águas destinadas ao abastecimento público. Embora possam sofrer degradação nos ecossistemas aquáticos, sua liberação contínua confere um caráter pseudo-persistente no ambiente (MARCOUX et al. 2013).

Como muitos dos contaminantes emergentes (CE) de consumo humano atingem o esgoto sanitário, as estações de tratamento de esgotos (ETE) são uma das principais fontes destes compostos, o que torna importante o estudo da dinâmica destes contaminantes nas ETE (DUet al. 2014; YANet al. 2014). Uma vez liberados no ambiente, os poluentes emergentes estão sujeitos a processos bióticos e abióticos que contribuem para a sua degradação. Nas águas superfíciais, subterrâneas ou ETE e ETA, além de remoção por processos físicoquímicos de transferência de fase, diferentes transformações podem ocorrer com os CE, podendo haver a formação de diferentes produtos de degradação, com comportamento ambiental e características ecotoxicológicas distintas do composto original e até mesmo com características de persistência e toxicidade mais deletérias do que as dos seus compostos precursores correspondentes (SECONDES et al. 2014).

Tendo em vista a importância das estações de tratamento de esgoto na rota de inserção dos CE nos corpos hídricos, este trabalho visa contribuir para a avaliação e entendimento dos contaminantes emergentes naproxeno (NPX), diclofenaco (DCF), ibuprofeno (IBU), cafeína (CAF), carbamazepina (CBZ), propralolol (PRP), atenolol (ATL), 1-hidroxi-ibuprofeno (IBU-1OH), 2-hidroxiibuprofeno (IBU-2OH), 10,11-dihidro-10,11-dihidroxicarbamazepine (CBZDIOH), e 2-hidroxi-carbamazepina (CBZ-2OH) em duas estações de tratamento de esgoto que operam em sistemas biológicos, sendo uma aeróbia e outra anaeróbia. Além disso, procura-se identificar uma ou mais moléculas que possam ser empregadas como indicadores na remoção dos CE pelas ETE.

Autor: Guilherme Martins Grosseli.

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