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Ciência da água – Mas, afinal, vai faltar água?

Por: Eduardo Pacheco
Diretor Geral do Portal Tratamento de ÁguaA atual crise no Sistema Cantareira, operado pela SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e que atende mais de 8 milhões de pessoas, fez com que todos acordassem para um problema de infraestrutura que já é bem conhecido de quem trabalha no setor. E a pergunta mais frequente que ouvimos é: vai mesmo faltar água? E a resposta é sim. Pelo menos nos grandes centros urbanos, onde o crescimento aconteceu sem o devido planejamento de longo prazo.
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Com relação a este exemplo triste do Sistema Cantareira, cabe lembrar que ele só precisou ser construído no começo da década de 1960 porque aceitamos deixar que a Região Metropolitana de São Paulo se desenvolvesse dessa forma. A impressão que tenho é que todos julgavam positiva a expansão da metrópole, num movimento frenético de progresso a qualquer custo. Mas, na verdade, não é vantagem nenhuma ter 20 milhões de pessoas (considerando os 39 municípios que formam a RMSP – Região Metropolitana de São Paulo) ocupando uma área tão pequena (cerca de 8.500 Km²) e com tão pouca água. O Brasil tem dimensões continentais e resolvemos deixar que 10% de toda a nossa população se concentrasse numa área que representa cerca de 0,1% de todo o nosso território. Com isso, temos que importar água de outras bacias hidrográficas, como essa do Rio Piracicaba, que forma o Sistema Cantareira.

Para agravar o problema, observem que trazemos águas de outras bacias, mas geramos esgotos nesta, ou seja, saturamos o Rio Tietê com esgotos domésticos, sendo que boa parte deles ainda sem tratamento. Para piorar mais um pouco, também saturamos o Tietê com a água de chuva que não consegue infiltrar de forma equilibrada no solo devido ao modelo de ocupação que fazemos, com excesso de asfalto e concreto. Impermeabilizamos áreas que normalmente fariam a recarga de aquíferos livres subterrâneos e, mesmo quando chove pouco, observamos enchentes impactantes.

Vejam que estou abordando apenas a questão da “quantidade” de água. Falaremos em outra oportunidade sobre a “qualidade” das águas, que também sofre muito com essa ocupação mal planejada.

Mas se já é difícil abastecer grandes concentrações humanas como a RMSP, observem um outro problema que enfatiza minha afirmação sobre a crise da água: a irrigação.

Sem entrarmos no mérito se isso é positivo ou não, o fato é que o Brasil vem reforçando sua vocação para agricultura e pecuária e, segundo o relatório “Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil” elaborado pela ANA (Agência Nacional de Águas) em 2012, o total de água retirado no Brasil para os mais diversos usos é de 2.373 m³/s. Desse total, 1.270 m³/s são utilizados para fins de irrigação, ou seja, 54% do total.

O Brasil tem 854 milhões de hectares de área total e apenas 67 milhões de hectares plantados, o que representa menos de 10%. Desse total plantado, apenas 4 milhões de hectares são irrigados, ou seja, menos de 7%.

Ora, já que somos um país de vocação agrícola, certamente seremos pressionados por todos os lados para dobrar nossa área plantada, passando de 67 milhões de hectares para algo como 130 milhões num futuro não muito distante. E o argumento para esse aumento nos parecerá razoável, já que ainda estaremos aproveitando apenas 20% de todo o território nacional.

Nessa situação, se considerarmos que continuaremos a irrigar apenas 7% de toda essa área, já precisaremos não mais de 1.270 m³/s, e sim 2.540 m³/s.

Mas, se além de dobrarmos nossa área plantada também dobrarmos nossa área irrigada em busca de maior produtividade, passando de 7% para, por exemplo, 15%, aí a vazão necessária será maior que 5.000 m³/s.

Não precisamos ser especialistas em nada para concluirmos que não temos condições de retirar toda essa água, seja de rios, lagos ou subsolo, sem que prejudiquemos outros usos, como o consumo humano e o industrial. Isso sem falar nos investimentos que serão necessários e nos prováveis impactos ambientais que vão surgir devido a estas inúmeras reversões de bacias que fazemos.

E vejam que, para fins de irrigação, não podemos utilizar a água do mar mesmo que as plantações fossem relativamente próximas do litoral. A elevada concentração de sólidos dissolvidos (da ordem de 35 g/L) requer uma dessalinização por membranas de osmose reversa que é cara para esse fim. Essa tecnologia já é utilizada há mais de 30 anos (inclusive aqui no Brasil) para desmineralização de água para fins industriais e também para potabilização (consumo humano) em diversas partes do mundo. Mas, além do investimento relativamente alto para aquisição e montagem desses equipamentos, o consumo de energia elétrica nesses sistemas também é muito alto, dificultando sua viabilidade econômica.

Ou seja, se queremos mesmo ser um país de vocação agrícola e também queremos ter áreas como a RMSP, temos que arregaçar as mangas e começar a planejar nosso futuro de médio e longo prazos imediatamente e de forma muito séria. E é importante ressaltar que esse planejamento tem que ser “técnico” e não “político”, já que teremos que mexer em questões delicadas, como tarifas, limitações de outorga e reúso de efluentes para fins potáveis, inclusive.

São discussões impopulares e que todos os políticos profissionais abominam, mas que não podem mais ser adiadas. Fazemos hoje a chamada “Gestão da Crise”, ou seja, agimos de forma passiva na busca por soluções para os problemas que vão brotando à nossa frente. Mas temos que lembrar que os assuntos de infraestrutura, dentre eles o saneamento básico, precisam de planejamento a longo prazo, pois sempre envolvem obras de grande porte e complexidade.

Publicado também em: Revista Pollution Engineering

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