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Detecção e quantificação de bactérias resistentes aos antibióticos ampicilina e cloranfenicol em estações de tratamento de esgoto doméstico

Resumo

Estações de tratamento de esgotos (ETEs) estão entre as principais fontes de disseminação de bactérias resistentes a antibióticos (BRAs) e genes de resistência (GRAs) no ambiente. Este trabalho quantificou a ocorrência de bactérias resistentes aos antibióticos ampicilina e cloranfenicol no esgoto bruto (EB), no efluente tratado (ET) e no lodo de duas ETEs em escala plena por um período de nove meses. As unidades investigadas utilizavam os seguintes sistemas de tratamento: ETE-A, sistema de lodos ativados convencional; e a ETE-B, reatores anaeróbios (UASB) seguidos de filtros biológicos percoladores (FBP). Os resultados evidenciaram que a ETE-A foi mais eficiente na redução das concentrações de bactérias resistentes à ampicilina e ao cloranfenicol (cerca de 1,1 e 0,7 log10UFC. mL-1 de remoção, respectivamente), quando comparada com a ETE-B (0,5log10 UFC.mL-1 de remoção para as bactérias resistentes ao cloranfenicol e nenhuma remoção para as resistentes à ampicilina). As amostras de lodo, de ambas ETEs, apresentaram elevadas concentrações de bactérias heterotróficas totais — BHTs (4,8–7,6 log10UFC.mL-1) e de BRAs (3,0–6,3 log10UFC.mL-1). A maioria das cepas resistentes à ampicilina e ao cloranfenicol isoladas foi identificada como sendo da família Enterobacteriaceae. Algumas das espécies identificadas são bactérias potencialmente patogênicas, tais como: Klebsiella pneumoniae, Aeromonas hydrophila, Escherichia coli, Enterococcus faecium, Salmonella spp. Os resultados chamam a atenção para a disseminação de BRAs, potencialmente patogênicas, no meio ambiente a partir do efluente final (proveniente do tratamento secundário) das ETEs, independentemente do tipo de sistema adotado. Fica evidente que para reduzir significativamente a concentração das BRAs no ET, este deveria passar por tratamento adicional e desinfecção.

Introdução

Uma das maiores preocupações em saúde pública no mundo é a resistência aos antimicrobianos. Estes estão sendo usados indiscriminadamente e têm se tornado pouco eficientes, o que faz com que seja cada vez mais difícil tratar um número crescente de infecções (ANVISA, 2017). Os antimicrobianos são compostos naturais ou sintéticos utilizados para melhorar a saúde humana, animal e vegetal, bem como prevenir e tratar infecções causadas por bactérias patogênicas em humanos e animais (BOUKI; VENIERI; DIAMADOPOULOS, 2013).

No Brasil, o consumo de antimicrobianos e o cenário da resistência que eles vêm induzindo preocupam. De acordo com dados do Sistema de Acompanhamento de Mercado de Medicamentos (SAMMED), em 2015, quase 73 milhões de embalagens de antimicrobianos foram comercializadas pela indústria farmacêutica. Apesar de não haver tendência de aumento na venda de antimicrobianos para a saúde humana, preocupa o fato de que a comercialização desses medicamentos também não diminuiu (ANVISA, 2017).

Os antimicrobianos e seus metabólitos chegam ao meio ambiente por diversas rotas, sendo os esgotos (doméstico e hospitalar) e os efluentes das estações de tratamento de esgotos (ETEs) as principais fontes de contaminação. Esses resíduos químicos podem interferir diretamente na ecologia microbiana, selecionando bactérias resistentes, aumentando a variabilidade genética e fenotípica, afetando a formação de biofilmes e a expressão gênica entre populações bacterianas (CAIRNS et al., 2018). Tais efeitos podem modificar as interações competitivas das espécies e, com isso, o funcionamento e a estrutura das comunidades microbianas (BAQUERO; MARTÍNEZ; CANTÓN, 2008; BOUKI; VENIERI; DIAMADOPOULOS, 2013).

Diferenças nos tratamentos adotados nas ETEs podem influenciar a remoção das bactérias resistentes a antibióticos (BRAs) e genes de resistência (GRAs) das águas residuárias (BOUKI; VENIERI; DIAMADOPOULOS, 2013). No Brasil, foram realizadas diversas pesquisas sobre o papel das ETEs na remoção de matéria orgânica e outros poluentes (AQUINO; BRANDT; CHERNICHARO, 2013; FLORIPES et al., 2018). Existem ainda trabalhos sobre a composição e a função da microbiota presente em etapa específica do tratamento (MAC CONELL et al., 2013). Entretanto, pesquisas sobre o papel das ETEs na disseminação e/ ou remoção das BRAs e GRAs são raras no Brasil. A maioria dos estudos investigou esgoto hospitalar e/ou fez isolamento de um grupo específico de bactérias, além de pesquisar patógenos resistentes (ABREU et al., 2010; LOPES et al., 2016; OLIVEIRA, 2011; PICÃO et al., 2013; PRADO, 2007).

Diversos autores relataram que os efluentes das ETEs estão entre as principais fontes de disseminação de antibióticos, BRAs e GRAs para o meio ambiente; e as ETEs são consideradas verdadeiros hot spots de elementos de resistência (GAO; MUNIR; XAGORARAKI, 2012; LAHT, et al., 2014; RIZZO et al., 2013; YUAN; GUO; YANG, 2015; ZHANG et al., 2015; NOVO et al., 2013; NOVO; MANAIA, 2010). Isso se deve ao fato de que as bactérias são continuamente misturadas aos antibióticos presentes no esgoto e, mesmo em concentrações subinibitórias, estes exercem efeito de pressão seletiva (BOUKI; VENIERI; DIAMADOPOULOS, 2013; CAIRNS et al., 2018).

As pesquisas por BRAs e GRAs circulando no meio ambiente, principalmente a partir do lançamento de efluentes de ETEs, têm ganhado destaque no meio científico (HUANG et al., 2012; RIZZO et al., 2013; ZHANG et al., 2015). Não obstante, no Brasil não existem estudos sobre a ocorrência e a remoção das BRAs e de GRAs em ETEs em escala plena, tampouco sobre a eficiência dos processos de tratamento na redução das concentrações de BRAs e GRAs no efluente tratado (ET). Portanto, os objetivos deste trabalho foram: identificar e quantificar a ocorrência de bactérias totais cultiváveis e resistentes aos antibióticos ampicilina e cloranfenicol no esgoto bruto (EB), no ET e no lodo de duas ETEs, em escala plena, que utilizam diferentes processos biológicos de tratamento.

Autores: Elayne Cristina Machado; Cíntia Dutra Leal; Bruna Lopes Coelho; Carlos Augusto de Lemos Chernicharo e Juliana Calábria de Araújo.

 

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