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Bacias hidrográficas transfronteiriças: saneamento e saúde ambiental sem fronteiras

Resumo

A interconexão de temas como ambiente, saúde e saneamento está cada vez mais central na sociedade. As preocupações decorrem da forma irresponsável das relações humanas estabelecidas com o ambiente, caracterizadas pelo modo desmedido e inconsequente do uso dos bens da natureza. Tal conduta tem tido impactos ambientais imprevisíveis, que, na maioria das vezes, extrapolam as fronteiras entre Estados nacionais. Nesse contexto, as bacias hidrográficas transfronteiriças caracterizam-se por compreenderem dois ou mais Estados, constituindo-se uma área delimitada para o planejamento, a gestão, a cooperação no campo do saneamento. O estudo teve por objetivo suscitar o debate sobre temas como saneamento e a saúde ambiental em bacias hidrográficas transfronteiriças. Em termos metodológicos, elegeram-se a revisão bibliográfica e o estudo documental, tendo como objeto de análise o Tratado Brasil-Uruguai da Bacia Hidrográfica Mirim-São Gonçalo. Os resultados apontam para a necessidade de ampliação do conhecimento sobre os instrumentos de gestão em bacias hidrográficas transfronteiriças. A articulação sociopolítica institucional entre os atores deve ser intensificada, com ênfase em uma abrangência transfronteiriça, permitindo a adoção de planos de bacia integrados, bem como de estratégias de ação em diferentes demandas, dirimindo conflitos e gerando um cenário de reciprocidade, valorização da cidadania e sustentabilidade ambiental.

Introdução

Os temas relacionados com o meio ambiente e com a saúde tornam-se cada vez mais centrais para cientistas de diversas áreas e para segmentos da sociedade, comprometidos com a sustentabilidade da vida no planeta. Estas preocupações decorrem da forma irresponsável das relações estabelecidas com o meio ambiente, caracterizadas pelo modo desmedido e inconsequente do uso dos bens naturais. Tal conduta provoca impactos ambientais imprevisíveis, que, na maioria das vezes, extrapolam as fronteiras entre os Estados nacionais.

Assim, de forma incipiente, surge entre os pioneiros da questão ambiental a preocupação referente às implicações das atividades produtivas sobre os seres vivos e o meio ambiente, este último compreendido pela qualidade do ar, do solo, das águas e pela conservação da natureza. Na Alemanha, por exemplo, a questão premente na década de 1920 era com a contaminação atmosférica no Vale do Reno e seu impacto sobre florestas; no Japão dos anos 1950, os efeitos do envenenamento por mercúrio em Minamat, por cádmio em Toyama e dióxido sulfúrico em Yokkaichi.

Nesse sentido, os efeitos ambientais transfronteiriços e globais ganham visibilidade com a publicação do livro The Silent Spring, de Rachel Carson (1962), juntamente com as novas descobertas cientificas gerando ameaças decorrentes da degradação ambiental, relacionadas com a saúde humana, tais como: radiação, resíduos tóxicos de metais pesados, hidrocarbonetos clorinados na água e emissões atmosféricas, que passam a ter expressividade nos debates da comunidade internacional.

Nesse contexto, o processo de globalização, por exemplo, produz uma série de paradoxos. A industrialização e a urbanização nos países denominados emergentes desequilibram e alteram profundamente as relações entre sociedade e natureza, demandando ações pragmáticas em relação às políticas públicas, à gestão e ao planejamento em áreas como saúde e saneamento, especialmente em bacias hidrográficas transfronteiriças. Os desafios a serem enfrentados permeiam toda a organização social, desde a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços até as formas de estruturação do Estado e suas políticas públicas relativas ao meio ambiente, à saúde e ao saneamento.

De acordo com levantamento da Unesco, há, no mundo, 263 bacias hidrográficas com corpos d’água transfronteiriços inseridos em 145 países.

Na América do Sul, com hidrografia de águas abundantes, há 37 bacias hidrográficas com recursos hídricos contínuos ou contíguos, e todos os 13 países da região compartilham algum corpo hídrico. “O território do Paraguai, por exemplo, encontra-se totalmente dentro de uma bacia com rios transfronteiriços”.

O Brasil possui grandes bacias como a Amazônica (Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia e Guiana) e do Prata (Bolívia, Paraguai, Paraná e Uruguai), além de duas pequenas bacias nas quais se encontram rios-símbolo dos limites do Brasil – o Oiapoque e o Arroio Chuí – respectivamente nas bacias Costeiras do Norte (no Amapá, fronteira com a Guiana Francesa) e na bacia da Lagoa Mirim-São Gonçalo delimitando as divisas com o Uruguai.

Dentre as principais ações de abrangência internacional em que o Brasil é protagonista, destaca-se a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), no qual o potencial hídrico é compartilhado pelos países da Bacia Amazônica, e as ações de cooperação são frequentes e necessárias. Além do OTCA, há a participação na Convenção sobre as Zonas Úmidas de Importância Internacional Especialmente Enquanto Habitat de Aves Aquáticas, também conhecida como convenção de Ramsar, que tem por objetivo a proteção e manejo sustentável de áreas úmidas.

As fronteiras do Prata, que compreendem cinco países sul-americanos – Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai –, foi uma região de disputas territoriais seculares, no entanto, os grandes rios prevaleceram na demarcação dos limites internacionais. Assim, a gestão das águas fronteiriças e transfronteiriças, por exemplo, tornam-se cada vez mais desafiadora para os diferentes países.

Destarte, o presente estudo busca suscitar o debate acerca das bacias hidrográficas transfronteiriças e sua relação com os desafios ao saneamento sem fronteiras. O recorte territorial de bacia hidrográfica para o Brasil, um país com dimensões continentais, implica enormes esforços no campo diplomático, econômico e social. Esse espaço singular é materializado em 15.719 km, área correspondente a cerca de 27% do território nacional, aproximadamente 10 milhões de habitantes e 588 municípios.

De forma complementar, o estudo tem como objeto de análise o Tratado Brasil-Uruguai da Bacia Hidrográfica Mirim-São Gonçalo, localizada nos limites internacionais entre o Brasil e o Uruguai, considerada transfronteiriça, com regime de águas compartilhadas (Tratado de Limites de 1909 e Tratado da Lagoa Mirim de 1977), declarada pela Unesco como Reserva da Biosfera.

Autores: Maurício Pinto da Silva, Rafaela Facchetti Assumpção, Débora Cynamon Kligerman.

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