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Avaliação de ultrafiltração como alternativa à flotação por ar dissolvido no pós-tratamento do efluente de lodos ativados — estudo em escala piloto na estação de tratamento de esgoto Brasília norte

Resumo

Avaliação de ultrafiltração como alternativa à flotação  – A melhoria da qualidade dos efluentes das estações de tratamento de esgotos Brasília Norte e Sul tornou-se premente após o corpo receptor dos seus efluentes, o lago Paranoá, passar a ser utilizado como manancial de abastecimento. Este trabalho apresenta estudo comparativo entre o tratamento terciário por ultrafiltração precedido por coagulação em escala piloto e a flotação por ar dissolvido existente na estação de tratamento de esgotos Brasília Norte. A instalação piloto de ultrafiltração e a flotação por ar dissolvido foram alimentadas pela mesma matriz, o efluente da etapa de lodos ativados das estações de tratamento de esgotos Brasília Norte, após coagulação. Foram avaliadas sete condições operacionais da instalação piloto de ultrafiltração variando-se a vazão, o tempo de operação entre limpezas e a duração da limpeza física. O comportamento operacional e a qualidade do efluente produzido foram monitorados. O aumento do fluxo do permeado (de 40,2 para 50,6 e 61,0 L.m−2.h−1) e do tempo de operação entre as limpezas (de 25 para 38 e 50 min), bem como a redução da duração da retrolavagem (de 80 para 60 e 30 s) resultaram em evolução mais intensa da pressão transmembrana. A ultrafiltração foi mais eficiente do que a flotação por ar dissolvido na remoção de turbidez, sólidos suspensos totais, demanda química de oxigênio e fósforo total, com ganho médio de remoção de 9,4, 13,0, 8,5 e 12,8%, respectivamente. Destaca-se a remoção de coliformes na ultrafiltração, 3,4 log superior à da flotação por ar dissolvido. A utilização da ultrafiltração como alternativa à flotação por ar dissolvido apresenta a vantagem de produzir efluente de melhor qualidade, particularmente no aspecto microbiológico, com menor flutuação da qualidade, porém o tratamento e a destinação do lodo produzido pela ultrafiltração devem ser equacionados.

Introdução

De acordo com o relatório publicado pelo Grand View Research em 2020, o mercado de tecnologias de separação por membrana foi estimado em U$ 17,9 bilhões em 2019, em comparação a U$13,3 bilhões em 2016. O relatório atribui esse crescimento à popularização do uso de membranas no campo do saneamento ao longo dos últimos anos, resultado da evolução das tecnologias de fabricação, da redução dos custos e insumos envolvidos e do aumento das restrições legais relativas tanto aos padrões de qualidade da água para consumo humano como ao lançamento de esgotos e ao enquadramento de corpos receptores.

O objetivo principal do uso das membranas é a melhoria na qualidade final do produto desejado, seja água para consumo humano (MIERZWA et al., 2012), seja efluente tratado para lançamento em corpo receptor (ZHENG et al., 2012), ou reúso, que se tem tornado prática comum em razão do aumento da demanda por água de qualidade e escassez hídrica em diversos locais do mundo (LEIKNES, 2006).

No caso de Brasília, o Lago Paranoá foi idealizado e construído em 1959, considerando diversos usos da água: complemento paisagístico da cidade, vetor de lazer, geração de energia e diluição dos efluentes secundários de duas estações de tratamento de esgotos (ETE), Brasília Sul (ETEB Sul) e Brasília Norte (ETEB Norte), inauguradas na década de 1960 (CAESB, 2014). Contudo, as soluções de esgotamento sanitário e de tratamento de esgotos (lodos ativados convencionais) adotadas no começo da ocupação do Distrito Federal (DF) não foram suficientes para garantir a preservação da qualidade da água do Lago Paranoá. Com isso, Brasília testemunhou sérios problemas de eutrofização do Lago Paranoá nas décadas de 1970 e 1980 em função do elevado aporte de nutrientes oriundos das duas ETE (ABBT-BRAUN et al., 2014; CAESB, 2014).

Em resposta à situação de degradação, como parte do Programa de Despoluição da Bacia do Lago Paranoá, na década de 1990, as ETE Brasília Sul e Norte foram ampliadas e modernizadas com a adoção do tratamento por lodos ativados modificado (Bardenpho) e da etapa de polimento final com coagulação, floculação seguida de flotação por ar dissolvido (FAD), com vistas à remoção de nutrientes (ABBT-BRAUN et al., 2014). As novas ETE Sul e Norte começaram a operar em 1993 e 1994, respectivamente.

Com a progressiva recuperação, em 2009, o Lago Paranoá tornou-se uma alternativa viável de manancial de água para abastecimento humano no DF e a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) obteve outorga para captar 2.800 L.s-1 de água para alimentar uma estação de tratamento de água convencional. Entretanto, diante da crise hídrica que afetou o DF entre 2015 e 2018, foram construídos, em caráter emergencial, dois novos sistemas de captação de água na bacia do Lago Paranoá. No sistema que capta água bruta diretamente do Lago Paranoá, foi implantado, em outubro de 2017, o tratamento por membranas de ultrafiltração (UF) com vazão de 700 L.s-1.

Com esse novo cenário de utilização do Lago Paranoá como manancial de abastecimento, é premente a necessidade de estudos para avaliar a qualidade dos esgotos tratados lançados no lago, a capacidade de diluição e autodepuração do lago, bem como alternativas para aumentar a eficiência de remoção das ETE Brasília Norte e Brasília Sul (somatório das vazões médias de ~ 1.900 L.s-1), principalmente com relação à matéria orgânica, aos nutrientes (fósforo e nitrogênio) e aos patógenos. A utilização de UF no pós-tratamento de efluentes de lodos ativados tem-se mostrado eficiente. Arika et al. (1977), Abdessemed et al. (1999) e Arévalo et al. (2009) obtiveram baixas concentrações de turbidez, de sólidos suspensos totais e de coliformes no permeado da UF que tratou efluentes secundários não coagulados. Vale citar os valores de 0,1 UT para turbidez e 2 NMP/100 mL para coliformes fecais obtidos por Citulski et al. (2009).

Todavia, a formação do fouling continua sendo o maior desafio e fonte de custo no que tange à operação com membranas (ZHENG et al., 2012), principalmente no tratamento de efluentes secundários, uma vez que a concentração de biopolímeros, maiores causadores de fouling, é elevada (ZHENG et al., 2008). Nesse sentido, a pré-coagulação tem-se apresentado como alternativa para reduzir e controlar a taxa de formação de fouling irreversível na superfície das membranas, uma vez que, ao favorecer o mecanismo de fouling por formação de torta, tende a reduzir a resistência hidráulica da torta (DIAZ et al., 2012; ZHAO et al., 2019, ZHENG et al., 2008). A adoção de etapa de coagulação antecedendo a UF também contribui para o aumento da eficiência de remoção de partículas coloidais e substâncias dissolvidas, como biopolímeros e nutrientes (ZHAO et al., 2019, ZHENG et al., 2012).

Zheng et al. (2012) e Acero et al. (2016), entre outros, constataram que a adoção da coagulação antecedendo a UF resultava em melhora significativa na remoção de fósforo total (< 0,05 mg.L-1), ortofosfato (< 0,01 mg.L-1), demanda química de oxigênio (DQO) e nitrogênio orgânico (acompanhando a remoção de matéria orgânica). Além disso, em comparação ao processo sem pré-coagulação, o uso de coagulante (PAC, FeCl3 e AlCl3) promoveu melhora no desempenho do fluxo de permeado (aumento da permeabilidade), redução na taxa de evolução da pressão transmembrana (PTM) e, consequentemente, prolongamento do tempo de operação da UF (SHON et al., 2004; ZHENG et al., 2012; LEE et al., 2009; LY et al., 2018; ZHAO et al., 2019; entre outros).

Essa melhora no desempenho operacional da membrana está relacionada, principalmente, ao tamanho e à natureza dos flocos, assim como ao mecanismo de fouling predominante com o uso da pré-coagulação, a formação de torta (ZHENG et al., 2012). Por outro lado, segundo Lee et al. (2009), Huyskens et al. (2012) e Vedavyasan (2016), o uso de dosagens elevadas de coagulantes metálicos pode favorecer a precipitação de hidróxidos metálicos na superfície da membrana, contribuindo para a formação de fouling irreversível e aumentando a compactação e a resistência hidráulica da torta.

Em trabalho recente, Ragio et al. (2020) utilizaram um sistema de membrana de UF, em escala de bancada, para tratamento de efluentes de reatores anaeróbios com pré-coagulação, e o efeito negativo do uso de dosagens elevadas não foi observado. Os autores concluíram que o aumento da dosagem (variando entre 0, 20, 150 e 950 mg Al2 (SO4)3 L-1) resultou na redução do fouling total, especialmente do fouling irreversível.

Nesse contexto, o presente estudo tem a finalidade de avaliar, em termos de qualidade e operacionalidade do sistema de UF, a substituição da unidade de polimento final das ETE Brasília Sul e Norte, que hoje envolve a FAD, por um sistema de membranas de UF precedido de coagulação visando aumentar principalmente a remoção de fósforo, matéria orgânica, sólidos e patógenos.

A avaliação operacional verificou a resposta da instalação piloto de tratamento por membranas de UF (IP-UF) quanto à evolução da PTM e à produção de lodo, variando individualmente o fluxo do permeado, o tempo de operação entre as limpezas e a duração da retrolavagem. Além da melhoria da qualidade do efluente final das ETE, com seu impacto positivo na redução dos riscos para a saúde humana e no ecossistema aquático do Lago Paranoá, o uso da UF em substituição à atual etapa de polimento final poderá proporcionar maior segurança operacional para as ETE, bem como viabilizar o uso de outras tecnologias complementares, com exigências de qualidade afluente com maior restrição e regularidade, voltadas
para a remoção de micropoluentes emergentes.

Autores: Vinicius Mendes Bertolossi, Tatiana Finageiv Neder e Cristina Celia Silveira Brandão.

Avaliação de ultrafiltração como alternativa à flotação


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