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Avaliação da nanofiltração e da osmose inversa na remoção de carbofurano em águas de abastecimento

Resumo: A complexidade físico-química de micropoluentes, como os defensivos agrícolas, exige o uso de tecnologias avançadas de tratamento de água para abastecimento. O objetivo deste estudo foi avaliar a remoção de carbofurano em nível de bancada (batelada) utilizando membranas comerciais de nanofiltração (NF90 — DowFilmtec®) e osmose inversa (HR — Koch Membrane Systems®). Nos experimentos foi avaliada a influência da qualidade da matriz de alimentação (água ultrapura, bruta e pré-tratada) contendo carbofurano (50 µgL-1), e da pressão de operação (8 e 15 bar para a NF90 e 15 e 30 bar para a HR). Para a NF90, com a matriz de água ultrapura, as eficiências de remoção foram inferiores (89,8%), porém o fluxo permeado foi superior (132,1 Lm-2h-1) àquelas obtidas com a matriz de água bruta (98,4% – 94,7 Lm-2h-1) e água pré-tratada (95,2% – 95,3 Lm-2h-1) para a pressão de 15 bar. Para a membrana HR, remoções relativamente superiores foram observadas para a pressão de 30 bar para as três matrizes, com a água bruta apresentando os melhores resultados (99,7% – 49,7 Lm-2h-1). Concluiu-se, portanto, que o pré-tratamento da água bruta não acarretou diferença significativa na remoção do carbofurano e não influenciou no fluxo de permeado de acordo com a metodologia adotada (baixo tempo de separação em batelada com recirculação).

Introdução: Um dos problemas ambientais mais comuns envolve a presença de contaminantes orgânicos sintéticos em águas superficiais e subterrâ- neas localizadas próximas às áreas agrícolas. A proximidade de mananciais de abastecimento a estas áreas têm contribuído para a dispersão de elevadas cargas de compostos orgânicos devido a fatores naturais como infiltração e escoamento superficial. Segundo dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio do “Atlas de Saneamento” publicado em 2011, o qual traz informações sobre a poluição ou contaminação na captação de água para o abastecimento nos municípios brasileiros, a contaminação de mananciais superficiais por defensivos agrícolas ficou atrás apenas da contaminação por esgoto sanitário (IBGE, 2011). Atualmente, os defensivos agrícolas mais utilizados na agricultura para o controle de pragas pertencem ao grupo dos organofosforados e carbamatos, os quais possuem atividade inseticida muito eficiente, devido a sua característica de inibidores da enzima acetilcolinesterase (AchE), atuando no sistema nervoso de insetos e mamíferos (VEIGA et al., 2006; IBAMA, 2010). Entre os carbamatos controlados estão alguns da classe N-metilcarbamatos (NMC), grupo de inseticidas, ao qual pertence o carbofurano. O carbofurano (carbofuran) pertence ao grupo químico metilcarbamato de benzofuranila, e à classe dos inseticidas, cupinicidas, acaricidas e nematicidas. O carbofurano possui massa molar de 221,26 g.mol-1. Sua solubilidade em água é de 322 mg.L-1 a 20ºC, ponto de degrada- ção de 276ºC, constante de logKow de 1,8 em pH 7 a 20ºC e t1/2 em fase aquosa de 6,1 dias (PPDB, 2013). Possui classe toxicológica I, com DL50 de 7 mg.kg-1 (ANVISA, 2013b; PPDB, 2013). O carbofurano representa uma das classes de inseticidas utilizados com maior frequência no combate a pragas em diversas culturas agrícolas. A presença do carbofurano tem se tornado comum em fontes de água, podendo causar prejuízos ao meio ambiente e à saúde humana (WHO, 2004). Em se tratando da concentração de carbofurano em águas para consumo humano, de modo geral, entre as normas de maior rigor na definição da concentração máxima em água potável está a Diretiva Europeia, que estabelece o limite de 0,1 µg.L-1 para qualquer defensivo ou 0,5 µg.L-1 para a soma de todos os compostos ativos individuais (DIRECTIVE COUNCIL, 1998). A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA) padronizou como limite máximo de concentração de carbofurano em água potável o valor de 40 µg.L-1 (USEPA, 2009). O Canadá é o país que mantém o menor rigor com relação ao limite de concentração de carbofurano em água, sendo de 90 µg.L-1 a concentração máxima permitida (HEALTH CANADA, 2013). A vasta utilidade agrícola do carbofurano o tem colocado entre um dos carbamatos mais detectados em águas naturais, inclusive em concentrações bastante elevadas. Chowdhury et al. (2012) avaliaram a presença de carbofurano em lavouras de arroz e vegetais em Bangladesh, na Ásia, e verificaram, durante as amostragens, concentrações entre 105,2 e 198,7 μg.L-1 de carbofurano. Quanto à legislação brasileira, em 2011, a Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde que estabelece procedimentos, responsabilidade, vigilância e padrão de potabilidade para água de consumo humano, inseriu o carbofurano na listagem dos compostos orgâ- nicos com seus devidos limites de concentração, estabelecendo em 7 µgL-1 a concentração máxima permitida em água para abastecimento (BRASIL, 2011). A tecnologia de tratamento de água mais praticada para a remo- ção de compostos orgânicos como os defensivos agrícolas é a adsor- ção em carvão ativado granular (CAG) ou em pó (CAP) (HAMEED; SALMAN; AHMAD, 2009; FOO & HAMEED, 2010). No entanto, esta técnica exige um controle de processo bastante minucioso quanto à capacidade de adsorção dos contaminantes pelo carvão em função da concentração e propriedades físico-químicas, bem como a taxa de adsorção e o tempo necessário para a substituição do leito (PARSONS & JEFFERSON, 2006). Diante destas dificuldades, os sistemas de separação por membranas possuem algumas vantagens como a possibilidade de operação em fluxo contínuo e à temperatura ambiente, além do uso de um sistema compacto (reduz custos com aquisição de grandes áreas) e automatizado. A tecnologia de membranas foi inicialmente comercializada para a dessalinização da água do mar, no início dos anos 1960, na forma de sistemas de osmose inversa (SCHNEIDER & TSUTIYA, 2001). O desenvolvimento de membranas compostas de poliamida aromática de liga- ção cruzada ou filme fino composto (FFC), no final de 1970, representou um grande avanço na tecnologia de membranas, principalmente em se tratando da remoção de compostos orgânicos presentes em água (TAYLOR & WIESNER, 1999). Plakas e Karabelas (2011) citam que as investigações relacionadas ao uso de processos de separação por membranas no tratamento de água para a remoção de agrotóxicos começou por volta do final dos anos 1960, quando Hindin et al. (1969) estudaram a remoção de agrotóxicos clorados por osmose inversa através de membranas de acetato de celulose (AC). Os estudos iniciais mostraram que a separação por osmose inversa utilizando-se membranas de AC era um processo de tratamento promissor na recuperação de água com baixas concentrações de substâncias orgânicas, incluindo os agrotóxicos. Kiso et al. (2000) estudaram as propriedades de rejeição de onze agrotóxicos por nanofiltração. As membranas com alto grau de dessalinização promoveram a rejeição da maioria dos agrotóxicos em taxas superiores a 96,7%. Segundo Crittenden et al. (2012), a distinção entre os tipos de membranas é um tanto quanto arbitrária e sujeita a diferentes interpreta- ções. A caracterização de meios não porosos ou densos (por exemplo, a nanofiltração e a osmose inversa) envolve o estudo das propriedades e da morfologia do material, além das condições operacionais (SCOTT, 1995). As informações sobre a estrutura química, a hidrofobicidade e a carga são necessárias para uma melhor compreensão da estabilidade da membrana em diferentes condições. Para o estudo sobre a caracterização superficial e estrutural das membranas é comum a utilização de técnicas como a microscopia eletrônica de varredura (MEV) tanto de superfície quanto da seção transversal (fratura) das membranas de nanofiltração e osmose inversa. A principal função desta técnica está na pré-avaliação visual das características morfológicas das membranas. A MEV permite uma visão geral da estrutura da membrana, assim como da superfície e de sua seção transversal, o que permite que qualquer assimetria possa ser observada (SCOTT, 1995; MULDER, 1996). Boussu (2007) utilizou a MEV para a obtenção de imagens superficiais e transversais de membranas fabricadas em laboratório a partir de polietersulfona (PES)/dimetilformamida (DMF) e PES/N-metilpirrolidona (NMP) e de membranas comerciais no estudo da influência das características das membranas na queda do fluxo e na remoção de compostos orgânicos por nanofiltração. Diversos autores associam a rugosidade superficial das membranas com parâmetros de funcionamento (DÍAZ, 2008). Elimelech et al. (1997) citam que há uma tendência das partículas se acumularem preferencialmente em vales de membranas com superfícies rugosas. A rugosidade é quantificada pelo espaçamento vertical de uma superfície real a partir de sua forma ideal. O conceito de rugosidade tem implicações estatísticas, uma vez que leva em consideração fatores como o tamanho da amostra e o intervalo de amostragem (OLIVEIRA et al., 2012). A hidrofobicidade é fortemente influenciada pela composição quí- mica do polímero utilizado na confecção da membrana. O aumento da hidrofilicidade da membrana, através da inserção de grupos hidrofílicos (como os grupos hidroxila, por exemplo), permite uma maior transferência de massa de compostos hidrofílicos através de sua estrutura; porém, acabam por perderem sua resistência térmica e mecânica (CRITTENDEN et al., 2012). O método mais comum para a determinação da hidrofobicidade da membrana é através da medida do ângulo de contato (LI et al., 2008). Com base nas características químicas do material das membranas, o ângulo de contato (θ) pode ser utilizado para se obter informações a respeito das propriedades energéticas da superfície da membrana. As informações que são recolhidas a partir da aná- lise do ângulo de contato podem ser utilizadas para se calcular as propriedades da energia superficial específica da membrana, para análises interfaciais detalhadas, bem como para avaliar qualitativamente a hidrofobicidade/hidrofilicidade da superfície da membrana. Superfícies hidrofílicas apresentam um baixo ângulo de contato, enquanto que superfícies hidrofóbicas apresentam um ângulo de contato mais alto (BOUSSU, 2007). Uma vez que a massa molecular de corte da membrana (MMC) é geralmente divulgada pelo fabricante, a rejeição de sal (capacidade de dessalinização) pode ser um parâmetro útil para comparações entre membranas. O grau de dessalinização de uma membrana é geralmente descrito como a percentagem de rejeição salina de uma solução com concentração padronizada e em condições especificadas pelo fabricante e para cada tipo de membrana. Para a padronização do teste, deve ser especificado o tipo de sal utilizado. Para membranas de nanofiltração e osmose inversa utiliza-se normalmente o NaCl (íon monovalente) enquanto que para membranas de nanofiltração e osmose inversa de baixa pressão, é comum o uso do MgSO4 (íon bivalente) (CRITTENDEN et al., 2012). Ao levar-se em consideração que a maioria dos agrotóxicos possui massa molecular superior a 200 g.mol-1 e tamanho iônico em torno de 1 nm, a atenção dos pesquisadores voltou-se para a osmose inversa e a nanofiltração como os mais apropriados processos de separação por membranas para a remoção de agrotóxicos a partir de fontes de águas contaminadas (KISO, 2000). O objetivo deste trabalho foi avaliar, em nível de bancada, a rejei- ção do carbofurano por membranas comerciais de nanofiltração e osmose inversa em função: a) das características físicas das membranas; b) das condições de operação e; c) da qualidade de diferentes matrizes de água.

Autores: Marcelo Zawadzki Bueno; Lucila Adriani Coral; Mauricio Luiz Sens e Flávio Rubens Lapolli.

Leia o estudo completo: avaliacao-da-nanofiltracao-e-da-osmose-inversa-na-remocao-de-carbofurano-em-aguas-de-abastecimento

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