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As guerras pela água

Jeffrey D. Sachs

Professor de Economia e Diretor do Earth Institute da Universidade da Columbia. Conselheiro especial do Secretário-Geral da ONU para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

Muitos conflitos são provocados ou agravados por escassez de água. Conflitos do Chade a Darfur, no Sudão; da Somália ao Deserto Ogaden, na Etiópia e em áreas no Iêmen, Iraque, Paquistão e Afeganistão, acontecem num grande arco de terras áridas onde a escassez hídrica provoca colheitas ruins, morte de gado, extrema pobreza e desespero. Grupos extremistas como os talibãs encontram amplas possibilidades de recrutamento nessas comunidades empobrecidas.

Os governos perdem sua legitimidade quando não podem garantir às suas populações água potável, produção de alimentos de primeira necessidade, rações e água para os rebanhos dos quais as comunidades dependem para sua subsistência. Políticos, diplomatas e militares em países assolados por conflitos tratam essas crises como enfrentariam qualquer outro desafio político ou militar. Mobilizam exércitos, organizam facções políticas, combatem líderes guerreiros locais ou tentam enfrentar extremismos religiosos. Mas essas reações ignoram o problema estrutural da ajuda às comunidades para satisfazer suas necessidades urgentes de água, alimentos e meios de subsistência.

Em consequência, os Estados Unidos e a Europa, frequentemente, gastam dezenas ou mesmo centenas de bilhões de dólares para enviar tropas ou bombardeiros para dominar levantes ou sufocar estados “falidos”, mas não enviam um décimo ou mesmo um centésimo dessas quantias para enfrentar as crises decorrentes da escassez dos recursos hídricos e do subdesenvolvimento.

Os problemas da água não evaporarão por si mesmos. Pelo contrário, irão se agravar, a menos que nós, como comunidade mundial, implementemos uma reação. Uma série de estudos recentes mostra quão frágil é o equilíbrio hídrico para muitas regiões pobres e instáveis do mundo.

A UNESCO recentemente publicou o “Relatório de Desenvolvimento da Água de 2009”; o Banco Mundial divulgou um aprofundado estudo sobre a Índia denominado “Economia hídrica indiana: preparando-se para um futuro turbulento” e, sobre o Paquistão, “Economia hídrica indiana: o agravamento da seca”. A Asia Society divulgou uma visão geral das crises hídricas asiáticas: “O próximo desafio asiático: assegurando o futuro hídrico na região”

Esses relatórios contam uma história similar. O suprimento de água é cada vez mais insuficiente em grandes partes do mundo. O rápido agravamento da escassez de água reflete o crescimento populacional, o esgotamento da água subterrânea, desperdício e poluição e os enormes e cada vez mais desastrosos efeitos das mudanças climáticas resultantes da atividade humana. As consequências são dolorosas: seca e fome, perda de condições de subsistência, disseminação de enfermidades de veiculação hídrica, migração forçada e até mesmo conflitos armados. Soluções práticas incluem muitos componentes, entre eles melhor gestão de recursos hídricos, tecnologias aperfeiçoadas para aumentar a eficiência do uso da água e novos investimentos assumidos em conjunto pelos governos, pelo setor empresarial e pela sociedade civil.Tenho visto essas soluções em Vilas do Milênio na África rural – um projeto em que meus colegas e eu estamos trabalhando com as comunidades pobres, governos e empresas para encontrar soluções práticas para os desafios da extrema pobreza rural. No Senegal, por exemplo, um importante fabricante mundial de tubos, a JM Eagle, doou mais de 100 km de tubulações para que uma comunidade pobre possa unir forças com uma agência hídrica estatal para levar água potável a milhares de pessoas. O projeto é economicamente viável, reproduzível e sustentável que a JM Eagle e outros parceiros empresariais farão agora esforços similares em outras regiões da África.

Mas, futuras “tensões hídricas” serão disseminadas em países tanto ricos como pobres. Os EUA, por exemplo, incentivaram um crescimento populacional acelerado em Estados de seu árido Sudoeste nas últimas décadas, apesar da escassez de água que as mudanças climáticas provavelmente intensificarão. A Austrália também está enfrentando graves secas no celeiro agrícola na Bacia do Rio Murray-Darling. A Bacia Mediterrânea, compreendendo o Sul da Europa e o Norte da África, provavelmente também registrará graves secas como resultado das mudanças climáticas.

No entanto, a natureza precisa da crise hídrica diversificada, com pressões variadas em diferentes regiões. Por exemplo, o Paquistão, um país já árido, sofrerá as pressões de um rápido aumento da população, que cresceu de 42 milhões em 1950 para 184 milhões em 2010, e poderá crescer ainda mais para 335 milhões em 2050 – um cenário “médio”, segundo a ONU.

Ainda pior, os agricultores já estão extraindo água subterrânea, que está sendo exaurida devido a bombeamento excessivo. Além disso, em torno de 2050, as geleiras do Himalaia que alimentam os rios paquistaneses poderão ter derretido, devido ao aquecimento mundial.

Respostas terão de ser encontradas em todas as “escalas”, ou seja, necessitaremos soluções hídricas no âmbito de comunidades individuais (como no projeto de água encanada no Senegal), ao longo de um rio (ainda que cruze fronteiras nacionais), e em nível mundial, por exemplo, para eliminar os piores efeitos das mudanças climáticas em todo o mundo.

Soluções duradouras exigirão parcerias entre governos, empresas e a sociedade civil, cuja gestão e negociação poderá ser difícil, uma vez que esses diferentes setores da sociedade frequentemente têm pouca ou nenhuma experiência em lidar uns com os outros, e podem manifestar considerável desconfiança mútua. A maioria dos governos está mal equipada para lidar com graves problemas hídricos. Os quadros de pessoal em ministérios encarregados de problemas hídricos são usualmente formados por funcionários públicos engenheiros e generalistas.

Mas, soluções duradouras para problemas hídricos exigem uma ampla gama de conhecimentos especializados sobre clima, ecologia, agricultura, população, engenharia, economia, política comunitária e culturas locais. Autoridades governamentais também necessitam habilidade e flexibilidade para trabalhar com comunidades locais, empresas privadas, organizações internacionais e possíveis doadores.

Um próximo passo crucial é reunir líderes científicos, políticos e empresariais de sociedades que compartilhem os problemas da escassez de água, por exemplo, o Sudão, Paquistão, EUA, Austrália, Espanha e México para gerar ideias inovadoras e abordagens criativas para superá-los. Esse tipo de aglutinação de forças permitirá compartilhar informações com possibilidade de salvar vidas e economias.

Isso também enfatizará uma verdade básica: o desafio comum do desenvolvimento sustentável deve unificar um mundo dividido por rendas, religiões e geografia.

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ECO•21 agradece a Project Syndicate

FONTE: http://www.eco21.com.br

Edição 152 – JULHO 2009

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