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Água e macarthismo

Heraldo Campos
Geólogo

Segundo o dicionário “Houaiss”, o macarthismo é uma “prática política que se caracteriza pelo sectarismo, notadamente anticomunista, inspirada no movimento dirigido pelo senador Joseph Raymond MacCarthy (1909-1957), durante os anos de 1950, nos EUA”. Este Senador conseguiu desencadear um processo de perseguição inquisitorial e toda pessoa que pensasse diferente ou que tivesse um comportamento considerado “anormal” era tachada de comunista. O cidadão comum passava a ser perseguido, privado de seus direitos e impedido de trabalhar. Eram os tempos da Guerra Fria.

Hoje o cenário é outro. Vivemos num mundo globalizado, o perigo do comunismo já não incomoda mais o establishment e o macarthismo aparece com outra roupagem. O professor Milton Santos dizia que o processo autoritário da globalização excluía a democracia e nos levaria ao globalitarismo, representando o fim da crítica e da autocrítica.

Em 22 de Março, estabelecido pela ONU, se celebra mundialmente o Dia da Água. E parece que não temos muito que comemorar. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, atualmente mais de 5 milhões de seres humanos morrem todo ano pela falta de água potável para beber.

A água é um direito da população e os governos têm que garantir que nenhum cidadão fique à margem desse bem público. Os mecanismos de fiscalização, controle e atuação do poder público, quando são frágeis nestes serviços essenciais, possibilitam que determinados lobbies, no afã “do lucro e da água arrasada”, atuem com desenvoltura no setor, barrando qualquer atitude técnico-científica contrária aos interesses corporativos.

Hoje muito se fala que as águas subterrâneas seriam a saída para suprir o déficit do abastecimento populacional causado pelo comprometimento das águas superficiais, seja pela poluição ou pela pouca quantidade disponível. As águas subterrâneas não são a única solução como alguns lobbies preconizam, principalmente em época de crise. Elas fazem parte de um ciclo. Este ciclo sim é que deve ser mais bem compreendido e, conseqüentemente, gerenciado. Despoluir, preservar e revitalizar nossos rios devem ser as primeiras preocupações. Águas subterrâneas são um recurso a ser buscado onde e quando nitidamente não houver outros.

A transposição das águas do Rio São Francisco é polêmica nacional. No Estado de São Paulo, na década de 80, se falava na transposição das águas do Vale do Ribeira, por meio de usinas reversíveis, para abastecer os reservatórios da região metropolitana. O projeto, também polêmico, não foi adiante. Porém, a Paulipetro, criada nesse mesmo período, foi à frente e na contramão do que já se sabia a respeito das potencialidades geológicas da área, estudada pela Petrobras 20 anos antes. O gás e o petróleo esperados da Bacia Geológica do Paraná não passaram de uma tese com triste história.

Hoje, nessa mesma linha e na mesma bacia, se comenta sobre a possível transposição das águas subterrâneas do Aqüífero Guarani para suprir as necessidades de água potável da população da Grande São Paulo. Esse mega-reservatório, uma das maiores reservas de água doce subterrânea do mundo e alvo constante das atenções de organismos nacionais e internacionais, começa a aparecer como um dos salvadores da pátria. Como é um recurso natural estratégico, qualquer intervenção deveria ser amplamente discutida, para não correr o risco de um empreendimento deste porte se transformar numa nova versão da Paulipetro.

Fonte: http://www.eco21.com.br/home/index.asp 
Ediçao 111

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