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A mulher na gestão da água

Maria do Carmo Zinato
Especialista em Recursos Hídricos

Ao contrário do que sugere o Dia Mundial da Mulher, como único dia do ano dedicado à reflexão sobre os problemas e potencialidades desta metade da Humanidade, várias Declarações de Conferências Mundiais promovidas pelas Nações Unidas, Conselho Mundial da Água ou Aliança Gênero e Água apontam o papel da mulher na gestão integrada dos recursos hídricos, como relevante em todos os dias do ano, para o cumprimento das Metas do Milênio.

É uma tônica mundial a incorporação da perspectiva de Gênero no sentido de um maior envolvimento de representantes do grupo feminino na tomada de decisões relacionadas ao uso da água. O reconhecimento de que elas são peças-chave no trato da água para a saúde (água potável e saneamento), alimentação e equilíbrio ambiental dos ecossistemas está registrado em diversos documentos firmados por Chefes de Estado numa série de eventos mundiais, tais como: a Declaração Política e Plano de Implementação de Johanesburgo (2002), a Declaração Ministerial sobre Água Doce (Bonn,2001), a Declaração do Milênio (2000) e vários outros que remontam a Dublin (1992), como se pode ler no “Relatório sobre o Desenvolvimento de Gênero e Água” (2003).

Alguns destes documentos referem-se às mulheres como “provedoras e usuárias da água e guardiãs do meio em que vivem” (Dublin, 1992). Outros enfatizam “o importante papel desempenhado pelas mulheres nas regiões afetadas pela desertificação e/ou por secas, particularmente nas áreas rurais de países em desenvolvimento, e a importância de assegurar a participação integral de ambos, homens e mulheres, em todos os níveis, em programas de combate à desertificação e mitigação dos efeitos das secas” (Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, 1994).

No que se refere à saúde e à agricultura, a Declaração Ministerial sobre a Segurança da Água no Século 21 (Haia, 2002) destaca o “importante papel das mulheres na produção, no armazenamento e na preparação de alimentos e no aprimoramento do valor nutricional do alimento”.

A Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995) é mais enfática ao afirmar que “as mulheres arcam com o ônus desproporcional da pobreza…

A pobreza absoluta é uma condição que se caracteriza por uma privação aguda das necessidades básicas do ser humano, incluindo água potável segura, instalações sanitárias… (…) A pobreza urbana está aumentando rapidamente. Um número crescente de famílias urbanas de baixa renda é sustentado por mulheres”.

Estudos de caso indicam que muitas meninas deixam de ir à escola no período da adolescência, por falta de instalações sanitárias adequadas e separadas dos meninos que mulheres e crianças precisam caminhar muitos quilômetros por dia para buscar água para suas residências, por falta de instalações domiciliares de água potável que metade das doenças encontradas em algumas escolas está relacionada a condições sanitárias precárias e à falta de higiene pessoal (UNICEF e IRC 1998) e, ainda, que o desenho e a construção de instalações sanitárias podem significar uma sobrecarga de trabalho adicional para as mulheres. Casos como estes evidenciam a extrema desigualdade na vida destas mulheres com relação àquelas que vivem e trabalham em centros urbanos atendidos por uma infra-estrutura sanitária, fazem com que o Dia Mundial da Mulher, já que existe, se torne também um momento de reflexão sobre os problemas relacionados à água.

O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) conta com a participação de diversas profissionais que atuam nas Câmaras Técnicas do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que é presidido pela Ministra Marina Silva. A busca do equilíbrio de Gênero na participação representativa só não é mais evidente quando se observa a composição da mesa decisória do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, e provavelmente dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, das Secretarias de Recursos Hídricos, de órgãos gestores de recursos hídricos e até de Comitês de Bacias, onde a maioria dos participantes, gerentes e tomadores de decisões é composta de homens.

No interior do Brasil, por questões culturais, pode-se entender ainda que as mulheres não participem da vida política da cidade ou das comunidades rurais, mas é preciso incentivar a reversão deste quadro, já que são elas as que cuidam de variadas questões relativas à água, como a indústria caseira ou a saúde da família. Por outro lado, tanto nas capitais quanto nas cidades de maior porte a repetição dessa desproporção desperta questionamentos, visto que o mercado de trabalho já conta com a presença de excelentes profissionais, não apenas competentes, mas sensíveis ao tema.

Por isso, as declarações ministeriais relacionadas à implementação da Gestão Integrada de Recursos Hídricos ainda insistem perante as entidades de recursos hídricos no sentido de “promover acesso igualitário e participação integral às mulheres, baseados em sua igualdade com os homens, no processo decisório em todos os níveis, incorporando as perspectivas de Gênero em todas as políticas e estratégias, eliminando todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres e melhorando a condição de vida, a saúde e o bem-estar econômico de mulheres e meninas, através do acesso total e idêntico às oportunidades”.

É num cenário como este que o ano 2005 desponta na linha de tempo dos Objetivos do Milênio, cujo horizonte imediato é 2015. Um cenário onde uma nova realidade ainda não se estabeleceu, sendo ainda necessária a menção deste tema nos documentos mundiais. A Aliança de Gênero e Água (criada em 2000), lançou o desafio: “a gestão de recursos hídricos deve basear-se em uma abordagem participativa. Ambos, homens e mulheres, devem ser envolvidos e ter o mesmo direito de expressão no gerenciamento do uso sustentável dos recursos hídricos e na distribuição de seus benefícios. O papel das mulheres nas áreas relacionadas à água precisa ser reforçado e sua participação ampliada” (Bonn 2001). Por isso, num dia como o Dia Mundial da Mulher, algumas vozes se fazem ouvir, novamente, sugerindo revisões e avaliações críticas sobre o atual processo de gestão de recursos hídricos.

Fonte: http://www.eco21.com.br 
Edição 100 / Março 2005

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