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Saneamento, direito básico de todos

Por Sônia Araripe, Editora de Plurale

Nem é preciso ir muito longe. Qualquer grande centro urbano brasileiro, infelizmente, ainda convive com dilemas tipicamente do começo do século passado: a falta de saneamento básico. Bem próximo de cidades urbanizadas e bem estruturadas é possível encontrar comunidades e periferias ainda desassistidas de um dos direitos que deveria já ter sido universalizado a todos. Pelas últimas estatísticas, o Brasil ainda detém a triste marca de menos de 50% dos municípios com acesso ao saneamento básico e esgoto.

Dissecando estas estatísticas, as conclusões são ainda mais alarmantes: mais de 35 milhões de brasileiros sem o acesso à água tratada e mais de 100 milhões de brasileiros não tem acesso ao serviço de esgoto e, ainda pior, 6 milhões sem acesso a um banheiro. Sem este serviço, cerca de 3,5 milhões de brasileiros, nas 100 maiores cidades do país, despejam esgoto irregularmente, mesmo tendo redes coletoras disponíveis. E mais da metade das escolas brasileiras não tem acesso à coleta de esgotos. No cenário global, o último dado disponível – do Banco Mundial de 2012 – colocava o Brasil na 112ª posição, o que é inaceitável para um país que figura entre as 10 maiores economias globais.

O tema ganha ainda mais força agora, diante não apenas de doenças causadas pela falta de saneamento – que atingem principalmente as crianças – e ainda por conta do enfrentamento do combate ao foco de proliferação do Aedes aegypti(transmissor da dengue, chikungunya e zika). O que parecia ser apenas um problema localizado e específico, passou a ser um verdadeiro dilema nacional. O combate com sucesso o mosquito se dá não apenas com campanhas nacionais e ações específicas em áreas com lixo e água acumulada, mas também se mistura e descortina um emaranhado tripé socioeconômico e político ainda mais complicado, envolvendo a falta de saneamento básico e esgoto.

Investimentos de R$ 99,8 bilhões na última década

Como o País está enfrentando esta questão do saneamento tão relevante na agenda? De acordo com dados do Ministério das Cidades, divulgados recentemente, há alguma evolução a ser comemorada: a coleta de esgoto na área urbana cresceu 30% em 10 anos. De acordo com o levantamento – feito com base em informações fornecidas por municípios que correspondem entre 92,5% e 98% da população urbana do país – a última década (encerrada em 2014) registrou um crescimento na distribuição de água e na coleta de esgoto que hoje beneficiam 156,4 milhões de brasileiros moradores em áreas urbanas com rede de água e a inclusão de 3,5 milhões de pessoas com coletores de esgotos. O Ministério das Cidades também destacou os fortes investimentos que estão em curso. Em 2014, o setor de saneamento movimentou R$ 99,8 bilhões, o que demonstra o porte dos serviços de água e esgotos na economia brasileira.

O Governo Federal, por meio do Ministério das Cidades, criou o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) que chegou a fazer consulta pública em 2012 antes de ser aprovado, mas falta-lhe execução. Os recursos previstos eram na ordem de R$ 508 bilhões. O objetivo era alcançar, até 2033, o índice de 99% no abastecimento de água potável, sendo 100% na área urbana. Para o esgoto, a meta era de 92% na área urbana. Sobre os resíduos sólidos, o Plansab previa a universalização do atendimento na área urbana e ausência dos lixões a céu aberto em todo o Brasil. No entanto, o que se vê na prática é um quadro assustador. Esgoto correndo a céu aberto e falta de acesso à água potável em diversas localidades. Obras paradas e planejamentos interrompidos. No Orçamento de 2015, o governo federal cortou este investimento tão importante, reduzindo de R$ 7,5 bilhões para R$ 5,1 bilhões.

Tema da nova Campanha da Fraternidade

Não foi por acaso que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC)lançaram, no último dia 10 de fevereiro, a mais nova Campanha da Fraternidade Ecumênica, que terá como foco o saneamento básico. O tema é urgente e interessa a todos: “Casa Comum, Nossa Responsabilidade”.

O objetivo é chamar atenção para a questão do direito ao saneamento básico para todas as pessoas, buscando fortalecer o empenho por políticas públicas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro do planeta Terra. No lançamento, Dom Flávio Irala, presidente da CONIC, destacou a participação de organizações e revelou que será entregue à presidente Dilma a Declaração Ecumênica sobre o Saneamento Básico como Direito Humano Fundamental, que traz uma série de princípios a serem observados neste tema. O ministro das Cidades, Gilberto Kassab, também estava presente. “O saneamento, em seus múltiplos aspectos, é um tema muito pertinente ao momento que vivemos. Tem vinculação direta à captação de água, coleta e tratamento de esgoto, à dignidade, ao combate à pobreza e à melhoria da saúde pública com, entre outros, o combate à proliferação do mosquito Aedes Aegypti e as doenças por ele transmitidas”, destacou Kassab,

Entrevista com Diretor do Instituto Trata Brasil

Mas se todos concordam com a urgência da agenda, o que falta, então, para o Brasil garantir este direito tão essencial para todos os seus habitantes? Entrevistamos, com exclusividade para esta colunista, Édison Carlos, diretor-executivo do Instituto Trata Brasil – uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, formado por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país), uma das maiores autoridades no tema. A conversa começou com o questionamento se o Zika vírus, dengue, febre chikungunya estão ligadas ao debate. Estão os temas realmente interligados? Édison Carlos acredita que sim. Segundo o especialista, a falta de saneamento básico (acesso à água tratada e coleta e tratamento dos esgotos) traz várias complicações para a saúde de uma pessoa, existe uma série de doenças ligadas a isso (hepatite A, verminose, diarreias, esquistossomose, leptospirose, etc.). O Instituto Trata Brasil identificou mais de 400 mil internações somente por diarreia em 2013, segundo o IBGE, e mais de 50% destes casos eram em crianças de zero a 5 anos. “O contato com o esgoto a céu aberto e a água poluída é gravíssimo, traz consequências perigosas para a formação de uma criança e coloca em risco a saúde de milhares de famílias. Neste momento, junta-se às doenças já conhecidas as transmitidas pelo mosquito, o que piora muito o quadro”, avaliou.

O diretor-executivo do Trata Brasil destacou o papel multiplicador dos investimentos em saneamento não só para uma localidade específica, mas para todo o cenário. “Investir em saneamento melhora toda a cidade, despolui os rios e as praias, melhora o turismo e o valor dos imóveis, fazem as crianças aprenderem mais na escola e reduz as doenças. Investir em saneamento ajuda a garantir o direito humano aos serviços mais básicos, é oferecer dignidade e assegurar o desenvolvimento social de uma nação”, observou.

Há uma forte influência política, é claro, na determinação e decisão sobre este tipo de investimento que está ligado especialmente a gestão municipal. Certa vez lembro de conversa minha em off com um prefeito de município do sertão nordestino e o político comparou que “saneamento é feito tatu…lento e não rende votos porque corre debaixo da terra”. Édison Carlos frisou que estas são obras complexas e que não poderão ser inauguradas no período de seus mandatos. “Essa visão atrasada, aliada aos baixíssimos recursos do Governo Federal entre os anos 80 e 2000, criaram o déficit atual. A Lei 11.445/2007 traz as diretrizes do saneamento básico, estabelece que os prefeitos são os titulares do saneamento em seus municípios. Muitos prefeitos iniciam um bom trabalho, mas o próximo não dá continuidade por brigas políticas ou discordâncias ideológicas, e quem mais sofre é a população que continua sem saneamento, contraindo doenças pelo descaso do poder público em não resolver o problema de maneira séria”, destacou o diretor-executivo do Instituto Trata Brasil.

E o que precisa, então ser feito para melhorar o quadro? Na avaliação do entrevistado, do ponto de vista político, são necessários mais esforços dos governos municipais em cumprir com os prazos de entrega dos Planos Municipais de Saneamento e adotar o saneamento como política de gestão; assim como os governos estaduais precisam se comprometer em conseguir recursos, agilizar as licenças ambientais e melhorar as empresas estaduais de saneamento, que são as maiores do país, além de oferecer mecanismos mais eficazes e ágeis de suporte para os municípios. Édison Carlos avaliou que ao Governo Federal cabe a desburocratização para o acesso aos recursos públicos, além de criar metas claras para que tenhamos o saneamento universalizado em prazos aceitáveis. “Hoje é discutido que a meta para a universalização dos serviços de água e esgoto para 2033 não serão mais cumpridos devido aos atrasos na realização das obras e na inércia dos entes federativos”, concluiu.

Fonte: Trata Brasil

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