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Um novo olhar sobre o reúso contra a crise e escassez hídricas

O ano de 2016 foi um ano atípico para o Brasil. Em um país onde vendemos a ideia de que a água é um recurso abundante, se deparar com um cenário de escassez hídrica não foi, exatamente, uma situação confortável de se explicar para a população de nossas metrópoles.

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Rodrigo Alves dos Santos Pereira

Com essa crise instalada, tivemos prejuízos nos mais diversos setores da economia e uma incerteza sobre o “amanhã” do abastecimento de água.

Das diversas regiões atingidas, podemos destacar São Paulo e sua região metropolitana como um gatilho para a discussão sobre o tema do abastecimento de água tomar a proporção nacional. Só a cidade de São Paulo é responsável por cerca de 11% do PIB brasileiro (IBGE,2013) e um eventual racionamento hídrico significaria redução de atividades dos setores produtivos. Nesse contexto, já é possível imaginar o tamanho do prejuízo?

Não muito distante, o Espirito Santo também enfrentou restrições severas durante esse período. Chegamos ao ponto de substituir as taças e copos de vidros em restaurante e padarias por similares descartáveis, para que não fosse necessário gastar água ao realizar a higienização. Uma estratégia nada sustentável, mas que outra alternativa existia para minimizar os efeitos da estiagem momentaneamente?

As pressões estavam estabelecidas e um ambiente para debates foi, naturalmente, criado. Precisávamos de opções para solucionar a crise hídrica de forma rápida e evitar transtornos com um racionamento mais agressivo. A partir daí, começamos a falar em possibilidade de reúso e, para alguns casos, dessalinização. A resposta que precisávamos para o problema que estávamos vivenciando.

A temática do reúso tornou-se fundamental em qualquer discussão sobre a escassez hídrica, sendo vista como uma tábua de salvação. Contudo, mesmo possuindo soluções de ordem técnica, ainda esbarrávamos na ausência de um arcabouço legal e não havia maneira de regular a prática. Entendendo o momento, o Ministério das Cidades lançou, dentro do programa Interáguas, em 2017, o Projeto Reúso, que tinha objetivo de preencher as lacunas da legislação brasileira e enquadrar as modalidades de reúso.

O início do projeto foi um marco importante nas discussões, com o objetivo de colher subsídios técnicos sobre a potencialidade de aplicação do reúso no Brasil e os padrões necessários para aplicação, sendo possível produzir um conjunto de ações e instituir uma política de reuso de efluente sanitário tratado. Bem ou mal, passaríamos a ter uma política e seríamos capazes de regular a atividade, e teríamos um campo para torná-la melhor ao longo do tempo.

Ainda esse ano, tivemos um importante evento que, pela primeira vez veio ao Brasil, o Congresso Mundial da Associação Internacional de Dessalinização (IDA), que abrange também as práticas de reúso. Usualmente, esse congresso acontece em países do Oriente Médio e Ásia, muito motivado pela carência de água nessas regiões. E a razão pela qual foi pela primeira vez realizado em um país da América do Sul, que não possui tradição em dessalinização ou reúso, foi a crise hídrica que tinha iniciado em 2016 e ainda se arrastava por 2017.

O congresso da IDA trouxe uma perspectiva diferente sobre como enfrentar os períodos de escassez. Logo, no primeiro dia, uma colocação brilhante de Sue Murphy, responsável pela Western Australian Water Corporation, me chamou a atenção: “Está tudo bem em rezar para que a chuva caia, isto não é errado. O que não pode acontecer é não termos um plano B, caso ela não caia.” O recado estava dado e continuou sendo dado por vários outros palestrantes, o que precisamos de verdade é de planejamento. Por exemplo, a New Water, em Singapura, não viabilizou o reúso potável direto de uma hora para outra. Foram necessários anos de direcionamentos culturais para implementar o serviço.

Traçando um paralelo e trazendo os aprendizados para a nossa realidade, podemos enxergar algumas diferenças claras. Primeiro, ainda estamos engatinhando na questão do saneamento. Existe muito a melhorar nesse âmbito, visto que nosso percentual de esgoto tratado é de 50,3%, e a fiscalização sobre a qualidade ainda é deficiente. Segundo, nosso planejamento prevê soluções de reposta, ou seja, temos um problema e queremos resolvê-lo de imediato, sendo difícil entendermos o contexto global e os reais problemas a serem atacados. E por último, a criação de leis e políticas mal alinhadas pode ser fatal para inviabilizar os projetos.

Com toda a caixa de ferramentas que estamos construindo para solucionar a questão da escassez hídrica no Brasil, continuamos nos ajeitando em soluções do tipo end of pipe e que carecem de sustentabilidade para se mostrarem viáveis. Adquirimos uma cegueira seletiva que nos permite ver apenas o problema que desejamos resolver, sem observar o contexto geral; o entrave só será remediado até um novo sintoma aparecer. Talvez a grande questão dentro desse contexto seja: Será que estamos olhando, de fato, para o lugar certo?

*Rodrigo Pereira é especialista em Pesquisa e Tecnologia do Grupo Águas do Brasil ([email protected]).

Fonte: SINDCON.

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