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Puxado pela indústria, reúso de água pode alcançar até 10% do esgoto tratado

Puxado pela indústria, reúso de água pode alcançar até 10% do esgoto tratado

No setor industrial e de tecnologia, mais da metade das empresas reutilizam água em seus processos internos

Com segurança regulatória e planejamento adequado, o Brasil pode alcançar até 10% de reúso de água em relação ao esgoto tratado até 2035, o que contribuiria significativamente para a segurança hídrica diante da crise climática. A estimativa é do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds). A entidade conduziu um estudo com 25 grandes empresas do setor industrial e de tecnologia, que apontou que mais da metade delas (56%) adotam práticas de reúso interno de água em processos industriais.

Com um cenário de escassez hídrica cada vez mais frequente – o país contabilizou mais de 15 mil ocorrências de estiagem e secas entre 2012 e 2022, segundo o Atlas Digital de Desastres do Brasil -, a adoção mais ampla de sistemas de reúso de água pode reduzir a pressão sobre mananciais, diversificar a matriz hídrica e aumentar a resiliência das cidades e empresas.

“O Brasil possui alto potencial para alavancar os números vinculados ao reúso da água, saltando de uma capacidade instalada atual para tratamento de esgoto de 2 metros cúbicos por segundo (m3 /s) para 10 m3 /s em até 10 anos”, diz Juliana Lopes, diretora de natureza e sociedade do Cebds.

A pesquisa mostra que 80% das empresas já implementam metas de redução de consumo de água como principal prática interna de sustentabilidade hídrica, e 72% monitoram o consumo de forma sistematizada.

“Muitas possuem metas ambiciosas para redução do abastecimento de água de concessionárias e outorgas, por meio do aumento de práticas de reúso. Há empresas que se comprometeram a adotar o reúso em até 50% de suas operações”, explica Lopes.

No Sudeste, o despertar para o reúso foi a crise hídrica de 2014 e 2015. A estiagem prolongada, considerada a pior dos últimos 70 anos, foi atribuída a um sistema de alta pressão atmosférica que dificultou o transporte da umidade da Amazônia. A crise afetou o abastecimento da região metropolitana de São Paulo e colocou centenas de empresas em estado de alerta. Foi também a grande prova conceitual do Aquapolo, o maior empreendimento destinado à produção de água de reúso da América do Sul, fruto de uma parceria entre a e a GS Inima.

“Começamos a operar no fim de 2012 e, por mais que não seja bom ter uma crise hídrica, a de 2014 foi um grande teste para garantir o sucesso da operação, pois conseguimos abastecer todas as indústrias do polo petroquímico de Capuava, no Grande ABC”, afirma Márcio José, CEO do Aquapolo Ambiental.

Hoje, 97% da demanda de água de nove indústrias do polo é atendida pelo Aquapolo, que tem capacidade para produzir até 1 m3 /s. Segundo José, nos últimos cinco anos tem crescido a demanda por parte de outras indústrias da região, entre elas, a fabricante de pneus Bridgestone, a indústria de embalagens Vitopel e a Hydro Brasil, do setor de alumínio.

Reúso de água

De acordo com a Sabesp, atualmente, 1% do esgoto tratado na região metropolitana de São Paulo é convertido em água de reúso, um número abaixo do praticado em países que já adotaram essa solução em larga escala. A nova gestão da companhia está incentivando empresas a buscarem alternativas para reduzir custos e garantir estabilidade no abastecimento, o que tem impulsionado o interesse pela água de reúso.

“Água de reúso pode ser oferecida a um preço de duas a quatro vezes menor para clientes industriais” — Pedro Amaral

Hoje, a Sabesp mantém mais de 30 contratos ativos de fornecimento de água de reúso e, nos primeiros meses de 2025, o volume fornecido triplicou em relação ao primeiro bimestre de 2024. O crescimento reflete os investimentos da companhia na ampliação da infraestrutura e no incentivo ao uso da água de reúso, segundo Pedro Amaral, head da área de grandes clientes da Sabesp. O preço também tem sido um fator determinante para essa mudança.

“O custo da água potável para clientes industriais pode chegar a R$ 29 por metro cúbico, enquanto a água de reúso pode ser oferecida a um preço de duas a quatro vezes menor. Esse diferencial torna a solução competitiva, especialmente em setores que demandam grandes volumes de água nos processos produtivos”, explica Amaral. Entre os clientes, estão a tecelagem Santaconstancia e a Santher, de produção de papel e, mais recentemente, empresas do setor de construção civil, como a Concrebase e da Concreserv.

Embora bem estabelecido no setor industrial, o reúso pode ser ampliado para outros segmentos, como irrigação e abastecimento urbano, mas ainda esbarra em lacunas regulatórias. Um avanço foi a Resolução CNRH nº 121/2010, que estabelece diretrizes para o uso agrícola e florestal. Porém, somente 8 das 27 unidades federativas do Brasil estabeleceram regulamentação para o reúso de água com a definição de padrões de qualidade de água, buscando garantir segurança sanitária e proteção ambiental – Bahia, São Paulo, Ceará, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Paraná e Distrito Federal.

“O reúso de água pode fazer parte da equação contra a crise de acesso à água potável. Além do avanço regulatório, é fundamental a necessidade de monitoramento da qualidade da água e um planejamento regional eficaz, com melhorias na infraestrutura de coleta e tratamento de esgoto”, diz Samuel Barreto, gerente de água da ONG TNC Brasil.

Fonte: Valor


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