Queima produz eletricidade, e gás emitido pode ser capturado para uso industrial
A transformação do lixo em energia começa a ganhar terreno tanto como forma de dar destino aos resíduos sólidos urbanos quanto para gerar receita extra para as companhias que atuam no setor. Hoje o Brasil produz em torno de 81 milhões de toneladas de lixo por ano, segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). Parte disso é encaminhado para aterros, onde projetos de geração de energia são desenvolvidos. A transformação do lixo em energia começa a ganhar terreno tanto como forma de dar destino aos resíduos sólidos urbanos quanto para gerar receita extra para as companhias que atuam no setor. Hoje o Brasil produz em torno de 81 milhões de toneladas de lixo por ano, segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). Parte disso é encaminhado para aterros, onde projetos de geração de energia são desenvolvidos.
Uma solução que está longe de ser unanimidade, principalmente em razão dos altos custos envolvidos, deverá começar a operar em Barueri, na região metropolitana de São Paulo, em dois anos: a queima de resíduos para a geração de energia. A Usina Unidade de Recuperação Energética (URE) Barueri, primeira do tipo na América Latina, irá processar resíduos sólidos do sistema de coleta de lixo da cidade e dos municípios vizinhos de Carapicuíba e Santana do Parnaíba, além de clientes corporativos, que pagarão R$ 100 por tonelada tratada.
O empreendimento contou com investimento total de R$ 550 milhões, sendo 80% da , empresa encarregada da operação, e os demais 20% da (Sabesp). O plano é processar 300 mil toneladas de resíduos sólidos por ano, originando 20 megawatts (MW) de potência instalada, energia suficiente para atender o consumo de eletricidade de 320 mil pessoas.
“Em termos ambientais, a usina inteira vai poluir menos do que uma lareira residencial”, afirma Milton Pilão, CEO do Grupo Orizon. “Já na questão da viabilidade econômico-financeira, sabemos que a melhor solução para as cidades continua sendo o aterro sanitário”, ressalva.
Essa é a linha defendida pela Abrema.
“A incineração é cara. Custa até seis vezes o valor do aterro. Além disso, não é viável como alternativa energética. Se o preço médio da eletricidade produzida no Brasil fica em torno de R$ 150 o megawatt/hora, aquela produzida por incineração não sai por menos de R$ 600”, diz Pedro Maranhão, presidente da entidade. Erik Rego, professor de Mercados de Energia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), concorda. “E, no final, quem paga a conta? O cidadão, por meio dos subsídios incluídos na conta de luz. Mas será que isso é justo? Cobrar o manejo do lixo do consumidor de energia?”, questiona.
A Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), por sua vez, defende que o impacto na conta de luz é ínfimo. Segundo a associação, o investimento para a instalação de uma usina que processa, por meio da queima do lixo, 750 toneladas diárias de resíduos seria de cerca de R$ 1 bilhão, com geração em torno de 20 MW/hora, cuja venda teria que ser subsidiada para ser viável.
“Considerando o faturamento anual das distribuidoras [de energia] de R$ 300 bilhões por ano, seria necessário um aumento de apenas 0,06% na tarifa de energia do consumidor. Esse impacto tarifário é desprezível quando comparado aos benefícios”, afirma Yuri Schmitke, presidente executivo da Abren.
A Prefeitura de São Paulo está construindo duas dessas usinas, com previsão para serem inauguradas em 2028 e com capacidade para tratar mil toneladas por dia de rejeitos, gerando 30 MW.
“Todas as capitais da Europa mantêm usinas de recuperação energética sustentáveis. E até a Austrália, que não tem problema de espaço, segue avançando, porque para cada tonelada de resíduo tratado em uma URE, deixa-se de emitir cerca de 1.735 kg de CO2 equivalente em relação a aterros sanitários”, diz Schmitke.
Queimar lixo para transformar em energia, contudo, não faz sentido em todos os lugares, segundo especialistas.
“A solução é adequada em contextos como o do Japão, país que gera cerca de 43 milhões de toneladas de RSU e destina 74% disso para cerca de mil plantas de recuperação energética, por sofrer severa restrição de espaços”, diz Carlos Silva Filho, conselheiro na área de resíduos da Organização das Nações Unidas, citando dados do relatório Global Waste Management Outlook 2024.
A Abrema avalia que, no Brasil, a melhor opção é a captura do gás gerado nos aterros.
“Já conseguimos retirar 90% do metano do lixo e reaproveitá-lo”, diz Maranhão.
A entidade lembra que o país ainda tem 3.000 lixões a céu aberto.
O uso do biometano levou a Iconic, joint venture entre a e a Chevron para fabricação de lubrificantes, a reduzir em 43% suas emissões de gases do efeito estufa de 2023 para 2024, de acordo com Roberta Teixeira, diretora de tecnologia e inovação da empresa. O gás usado nas operações de Duque de Caxias (150 mil m3 /mês) é fornecido pela Ultragaz, que o produz com o processamento de mil toneladas diárias de resíduos de aterro. A companhia, cuja carteira inclui 100 mil clientes, vendeu 573 milhões de litros de lubrificantes nos últimos dois anos.
“Investimos R$ 6,7 milhões no último ano em projetos de descarbonização”, afirma Teixeira.
Há ainda projetos em pequena escala. O Ciep 441 – Mané Garrincha, colégio estadual em Magé, na Baixada Fluminense, instalou no ano passado, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um biodigestor que transforma a cada mês uma tonelada de restos de comida em biogás, usado para preparar alimentos na cozinha da própria escola. A produção equivale a um botijão de 13 quilos por mês, que custaria em torno de R$ 100.
“O maior ganho não é financeiro, mas pedagógico. Nossos estudantes aprendem lições sobre gestão de resíduos que levam para a vida toda”, afirma Sidney Cardoso Santos Filho, diretor adjunto da escola e um dos coordenadores do projeto.
Fonte: Valor