Engenheiros do MIT explicam que o “céu está caindo” e que a órbita da Terra pode virar um verdadeiro lixão espacial — o que tornaria o tráfego de satélites insustentável.
Engenheiros aeroespaciais do MIT (Massachussetts Institute of Technology) usaram dados disponíveis sobre emissões de dióxido de carbono e outros gases, conhecimentos sobre a órbita terrestre e muita matemática para chegar a uma conclusão preocupante: o efeito estufa está reduzindo o espaço atmosférico disponível para circulação de satélites, acelerando o risco de colisões e o acúmulo de lixo espacial.
Na prática, a descoberta afeta meteorologia, defesa, estudos científicos e até serviços como internet, telefonia, GPS e TVs por assinatura. Os cálculos preveem que, até 2100, o aquecimento global fará a capacidade das regiões mais populares para órbita de satélites cair entre 50% e 66%. Isso ocorrerá se absolutamente nada for feito.
E cuidado: não caia na tentação de achar que “ainda faltam 75 anos para o pior”. Nos últimos cinco anos, mais satélites lançaram-se ao espaço do que nos 60 anteriores somados, e essa tendência parece não desacelerar.
Aquece embaixo, esfria em cima
Em artigo publicado na revista Nature Sustainability, os pesquisadores explicam que os efeitos nocivos dos gases do efeito estufa são comumente mais estudados na troposfera, que é a camada atmosférica mais próxima do solo. Como qualquer mudança nesta região afeta quase todos os aspectos da vida, já é quase de conhecimento público que dióxido de carbono e companhia são responsáveis pelo aquecimento global.
Esses gases conseguem capturar e reter boa parte da radiação infravermelha emitida pelo Sol, pela Terra e até mesmo pelo corpo humano, fazendo subir os termômetros da troposfera. Porém, para chegarmos aos satélites, é preciso entender que acima dela estão, em ordem de proximidade, a estratosfera, a mesosfera e a termosfera, intimamente ligadas entre si.
Contração Atmosférica Global
O fenômeno conhecido como condução atmosférica puxa o calor da termosfera superior — a região mais distante das apresentadas até o momento — para a superfície terrestre. É como se o calor da radiação solar descesse até nós. Esse calor transmite-se entre moléculas e também mantém a vida na Terra, pois a fotossíntese, a produção de energia renovável e o ciclo da água o usam. Os gases do efeito estufa também se aproveitam dele.
O pulo do gato está em entender que o aumento da temperatura nas camadas mais baixas, inevitavelmente, leva ao resfriamento dos níveis superiores da atmosfera. Quando esfria, aquela camada mais distante do solo chamada termosfera, começa a se contrair. Para o MIT News, publicação oficial do renomado instituto de tecnologia, William E. Parker, um dos pesquisadores do grupo, traduziu o fenômeno de contração da termosfera global com simplicidade: “O céu está literalmente caindo”.
Então, a termosfera, essa camada que está encolhendo, é crucial porque abriga a maior parte dos satélites, especialmente na órbita baixa da Terra (LEO), que se estende de 80 km a 600 km de altitude. Essa diminuição da termosfera tem implicações diretas para a dinâmica do lixo espacial nessa região. É como se, nos próximos anos, a Marginal Tietê, em São Paulo, e a Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, fossem perdendo faixas de circulação, enquanto o trânsito de automóveis só aumenta. E não é só isso.
A morte de um satélite
O encolhimento da termosfera causa redução na densidade de massa atmosférica ao longo do tempo, especialmente nas camadas superiores. Esse fenômeno impacta diretamente um processo natural que ajuda a eliminar o lixo espacial e manter a órbita livre de detritos: o arrasto.
Arrasto é a resistência que a atmosfera exerce sobre objetos em movimento. Em outras palavras, trata-se de uma força que “puxa” satélites antigos, desativados e outros detritos espaciais para baixo, onde irão se desintegrar antes de tocar o solo, após o contato com moléculas de ar. Além disso, a aceleração do arrasto é proporcional à densidade da massa atmosférica na órbita em que ele viaja. Exatamente por isso, com menos arrasto atmosférico, o lixo espacial terá uma vida útil mais longa, representando, consequentemente, um risco persistente de colisão com outros satélites. Essas colisões podem, inclusive, gerar uma cascata de eventos destrutivos, fragmentando ainda mais os detritos e piorando a situação.
Risco de Lixo Espacial
O artigo científico explica que, nos últimos anos, a população de satélites aumentou exponencialmente, devido à redução dos custos de lançamento e ao aprimoramento das tecnologias por um pequeno grupo de entidades comerciais que controla os satélites ativos. É o caso, por exemplo, da Starlink, da SpaceX, que opera com frotas de milhares de pequenos satélites de internet conhecidos como megaconstelações.
Ainda que operadores realizem manobras frequentes para evitar colisões, com menos área disponível e arrasto atmosférico, cresce o risco de choque e geração de lixo espacial, que vai permanecer em órbita por décadas ou séculos, e aumentar ainda mais a chance de batidas subsequentes. Essa hipótese é chamada de Efeito Kessler, pois já foi prevista por um cientista da NASA de mesmo nome.
Além disso, o estudo é uma prova de que o espaço não é grande suficiente para desprezar a quantidade de lixo espacial. Se os satélites atuais e os que serão lançados não forem operados com responsabilidade, a instabilidade descontrolada do tráfego vai prejudicar a previsão do tempo, serviços bancários, o funcionamento da internet e tudo mais. Será preciso gastar mais com recursos e tecnologias para desviar detritos, o que tornará tudo muito mais caro.
Uso sustentável do espaço
Portanto, a solução não é simples. Os operadores de satélites devem colocar como prioridade estratégias robustas de descarte, criando cronogramas viáveis de desorbitação. A partir disso, será possível calcular a altitude em que determinado satélite deve poder operar. Além disso, ações sérias de governança vão precisar restringir futuros lançamentos e alocações com base em requisitos operacionais e avaliação de conjunções.
Por fim, é preciso entender de uma vez a influência que o meio ambiente natural exerce sobre a atmosfera toda. É crucial tomar medidas urgentes para a redução de emissões de gases do efeito estufa.
Fonte: TechTudo