Baterias e combustível de aviação atraem a atenção do setor de energia em 2025
Estudo da BloombergNEF mostra o andamento da transição energética para o Brasil e as principais tendências
As baterias são, hoje, uma das principais demandas globais, à medida que a transição energética avança e a matriz elétrica se torna mais intermitente, com interrupções de geração a depender do insumo natural – o sol e o vento, por exemplo. Para diminuir a dependência de combustíveis fósseis – ainda vistos como necessários para garantir a segurança energética -, as baterias devem ser a grande aposta daqui em diante. Mas isso só será possível graças à tendência de diminuição do custo das mesmas.
Estudo da BloomberNEF (BNEF), empresa de pesquisa e dados sobre energia do grupo Bloomberg, de 2017 para cá o custo de armazenagem de energia no Brasil caiu de US$ 614 por quilowatt-hora (kWh) para US$ 165 o kWh, uma redução de 73%. O preço inclui apenas o equipamento, sem considerar, por exemplo, instalação, mão de obra técnica e conexão com a rede elétrica.
Com exceção de 2022, ano em que houve um aumento de preço, nestes últimos anos a linha de preço foi descendente. E a expectativa é que continue em queda: 45% a 57% de hoje até 2035.
“Isso [a queda de preço] mudou bastante a forma como as baterias entram no sistema elétrico mundial e, consequentemente, no brasileiro”, comenta Vinicius Nunes, analista líder de Brasil da BloomberNEF.
Ele conta que, durante algum tempo, havia uma crença, no Brasil, de que não seria necessário o uso de baterias, já que o sistema hidrelétrico funcionava como uma “bateria natural”. Contudo, no ano passado, não apenas o Brasil, mas também outros lugares, como Itália, Califórnia (EUA) e outros países europeus, começaram a observar “alguns problemas” no sistema hidrelétrico, o que trouxe à tona o uso de baterias. No caso do Brasil, a seca extrema levou a uma escassez hídrica e prejudicou o sistema em algumas localidades.
“A questão é que, à medida que você tem mais energia renovável no sistema, que não é despachada adequadamente, você perde confiabilidade no sistema e aumenta o risco de falhas, como cortes de geração”, aponta Nunes.
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Hoje, a principal estratégia neste caso é ligar mais térmicas – a maioria a carvão – para dar suporte às oscilações de geração elétrica. O próprio governo fará um leilão de reserva de capacidade em breve – especialmente com foco em fonte térmica. Contudo, também está previsto para este ano, mas ainda sem data, um leilão só de baterias, o primeiro do tipo no Brasil.
“Com a queda no preço das baterias, essa tecnologia começa a ganhar mais espaço no Brasil. O leilão que vai ocorrer este ano, e que deveria até ter sido realizado, é um marco importante. Não pela magnitude do volume de energia, mas por ser um ponto de partida”, afirma o especialista da BNEF.
Ele lembra que, assim como, em 2009, o leilão de eólica foi crucial para desenvolver o segmento, e, depois, o de solar, o leilão de baterias pode ser o início de um mercado muito maior nos próximos cinco a 10 anos.
“O grande benefício dessa tecnologia é sua escalabilidade, é fácil de construir e operar”, diz Nunes.
Outra vantagem é que, por já ter uma matriz energética limpa e, em grande parte, conectada ao sistema de transmissão e distribuição, o Brasil não demandará o volume de baterias que outros países precisarão investir. Mesmo assim, reitera, será um movimento importante.
“Vai contribuir para melhorar a capacidade do sistema e permitir que geradores renováveis mitiguem o risco de falhas”, aponta.
As baterias devem ajudar ainda as empresas do setor a operarem de forma mais eficiente e financeiramente vantajosa, uma vez que permite que elas aproveitem a diferença de preços entre o período da tarde quando geram, e a noite, quando vendem a energia. A expectativa é que esse tipo de operação, chamado de PLD (Preço de Liquidação das Diferenças), vai se tornar mais comum no Brasil.
“Eu acredito que essa será a próxima fronteira do sistema elétrico brasileiro, assim como a geração distribuída foi há alguns anos. As baterias vão ser a próxima revolução, mas ainda há desafios, especialmente em termos de preços”, diz Nunes.
A BNEF aponta em seu relatório que, possivelmente, o Brasil terá ainda, por um tempo, uma “pesada” dependência das importações da China. Mas, ressalva que o desenvolvimento local de produção pode ser um fator de mudança importante para a cadeia de suprimentos e demanda. A tecnologia também precisa evoluir. O leilão previsto para este ano já especifica alguns requisitos técnicos, como baterias com quatro horas de duração e capacidade de 30 megawatt (MW). Mas ainda há questões a serem resolvidas como o custo, vida útil e reciclagem.
“Existe uma cadeia de suprimentos envolvida, e a produção local no Brasil pode ser um desafio, dado o custo de localização. Eu não acredito que, no curto prazo, o Brasil consiga produzir baterias competitivas com as da China; isso tem a ver com o preço e a tecnologia envolvida”, diz Nunes.
Ele adiciona que o Brasil já é, tradicionalmente, um grande exportador de lítio, mas ainda depende muito da importação de baterias. Portanto, a mudança nesse sentido não será imediata.
Aviação de olho no SAF
Outra tendência no setor de energia é o combustível sustentável de aviação (SAF). Segundo a BNEF, a demanda está crescendo, especialmente por conta dos leilões de capacidade. Segundo Nunes, o governo brasileiro está colocando um mandato, obrigando as empresas a se descarbonizarem.
“Isso vai criar um mercado, mas ainda falta uma regulação mais clara para exportação desse combustível. O Brasil também precisa garantir, por exemplo, que o SAF produzido aqui seja realmente sustentável, para que ganhe a confiança do mercado global”, diz.
Diversos países, incluindo o Brasil, firmaram um compromisso dentro do programa internacional Corsia (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), voltado à compensação e redução de emissões na aviação. Pelo acordo, as companhias aéreas deverão reduzir anualmente suas emissões de gases de efeito estufa a partir de 2027. As metas começam com uma redução de 1% e aumentam progressivamente até alcançar 10% em 2037. No entanto, nenhuma empresa brasileira produz atualmente combustível sustentável de aviação (SAF) em escala comercial. Atentas à crescente demanda tanto no mercado interno quanto externo, companhias do setor já estão investindo na construção de unidades industriais dedicadas à produção de SAF no Brasil.
Segundo o Ministério de Minas e Energia, os investimentos no setor devem atingir R$ 17,5 bilhões até 2027. Atualmente, quatro empresas apostam no potencial do SAF no país: Acelen (utilizando a macaúba), Raízen (a partir do etanol), Petrobras (com base na soja) , o Grupo BBF (usando palma) e, mais recente, a australiana Nuseed (carinata — planta da mesma família da canola).
Outro obstáculo é o preço – o SAF é, hoje, muito mais caro que o combustível convencional de aviação, chegando a ter um preço 3 a 4 vezes maior. Para o especialista da BNEF, isso cria uma barreira, especialmente porque o Brasil é um mercado emergente, com maior sensibilidade a preços, diferente, por exemplo, da Europa, onde os consumidores estão mais dispostos a pagar um prêmio pelo produto sustentável.
“Então, essa é uma discussão complexa, envolvendo não só o preço, mas também subsídios e políticas públicas”, diz.
Perguntado se os mandatos do governo têm sido eficazes para criar essa demanda interna, Nunes explica que o governo criou esses mandatos justamente para estimular a demanda interna, mas ainda há um longo caminho pela frente, especialmente para exportação. Por isso a regulação sobre como a exportação de SAF brasileiro e a garantia de sua sustentabilidade ainda não estão completamente definidos.
“Também há discussões globais sobre a compensação de emissões de carbono, mas isso ainda está distante de se tornar realidade. No Brasil, a legislação precisa evoluir mais para permitir que o mercado de SAF se desenvolva de maneira eficaz”, finaliza.
Fonte: Valor