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Uso da cafeína como indicador de poluição por esgoto doméstico em corpos d’água urbanos

Resumo

Nos centros populacionais, os ambientes aquáticos estão em constante degradação em consequência das atividades desenvolvidas nas bacias de drenagem, sendo o despejo de esgoto doméstico uma das maiores fontes de poluição. Monitoramentos ambientais de qualidade da água refletem os poluentes gerados nas áreas de influência e dão indícios das prováveis origens. Todavia, são as substâncias de uso exclusivamente antrópico que podem comprovar a existência do lançamento de tais cargas poluidoras. Nesse contexto, o presente trabalho teve como objetivo avaliar a eficiência da cafeína como indicador de poluição por esgoto doméstico. O método analítico utilizado para a sua identificação foi a cromatografia líquida de alta eficiência. Com o intuito de relacionar os resultados obtidos para a cafeína com a diluição e as fontes difusas de poluição, foram aferidos, ainda, dados de precipitação, oxigênio dissolvido e demanda bioquímica de oxigênio. A cafeína foi encontrada em todas as amostras analisadas, com concentrações variando de 0,01 a 7,80 mg.L-1 . Os maiores valores foram observados no período chuvoso, relacionados ao transbordamento e ao vazamento de esgoto doméstico. Este estudo inferiu a utilização da cafeína como eficiente indicador de poluição por esgoto doméstico.

Introdução

O crescimento desordenado das cidades, caracterizado pelo aumento exponencial da população e pela expansão não planejada da malha urbana, corrobora para a degradação dos recursos naturais. Os ecossistemas aquáticos são afetados pelo processo de urbanização. As mudanças no uso e ocupação do solo (e.g., retirada de matas ciliares e substituição da vegetação por superfícies impermeáveis) e as práticas desenvolvidas nas bacias de drenagem podem levar ao decréscimo da qualidade de suas águas (ESPEJO et al., 2012; FIA et al., 2015; LIU; BRALTS; ENGEL, 2015). Ademais, uma oscilação temporal na qualidade da água pode refletir as formas de cobertura do solo de uma região (KALSCHEUR et al., 2012). Muitos artigos têm sido publicados sobre a degradação da qualidade das águas superficiais em razão das influências antropogênicas nas bacias hidrográficas, demonstrando a importância da quantificação dos poluentes carreados, assim como suas concentrações no ambiente (TONG; CHEN, 2002; ROSEMOND; DURO; DUBÉ, 2009; ORTEGA; CARVALHO, 2013; MENEZES et al., 2016; ZAMBRANO; POLETO; OLIVEIRA, 2017).
Nas duas últimas décadas, novas substâncias químicas e não regulamentadas (e.g., compostos emergentes) têm ganhado destaque no meio científico e sido amplamente utilizadas em monitoramentos de qualidade da água, uma vez que muitas delas são de uso exclusivamente antrópico, por exemplo, a cafeína (BUERGE et al., 2003; FERREIRA; CUNHA, 2005; SAUVÉ et al., 2012; IDE et al., 2013; LORENZO et al., 2019). A presença da cafeína nos rios e nos córregos pode representar a existência de lançamentos de esgoto doméstico in natura, sobretudo em área urbana (FERREIRA, 2005; IDE et al., 2013). No mais, com a sua aplicação é possível, também, obter informações sobre o comportamento dos cidadãos (e.g., menor consumo de café aos finais de semana) e estimar a população flutuante de localidades que recebem grande quantidade de turistas (i.e., pela variação temporal das concentrações de cafeína em estações de tratamento de esgoto — ETEs e cursos d’água) (SENTA et al., 2015).
A cafeína é o principal ingrediente estimulante utilizado no café, sendo também encontrada em chás e bebidas energéticas. Quando consumida em diferentes produtos, a sua maior parte é metabolizada em teofilina, teobromina, paraxantina e ácido 1,3,7-trimetilúrico (REGAL et al., 1998). Apenas uma pequena parcela (0,5–10%) permanece intacta após ser excretada (BUERGE et al., 2003), especialmente na forma de urina, que acaba chegando ao sistema de esgotamento sanitário (HUKKANEN; JACOB; BENOWITZ, 2005). Peeler (2004) verificou que a cafeína se decompõe sob condições naturais (e.g., exposição à radiação solar), podendo a taxa de decaimento ser reduzida pela proteção da luz e pela refrigeração. Por fim, a autora concluiu que a sua taxa de meia-vida de 30 dias, aferida em uma amostra de água natural sujeita a condições naturais, suporta o seu uso como indicador de fonte de poluição.
A Sub-bacia do Córrego Sem Nome, localizada no município de Ilha Solteira, São Paulo, encontra-se inteiramente inserida no perímetro urbano e conta com a nascente do córrego Sem Nome. Poleto (2003), Ortega e Carvalho (2013) e Zambrano et al. (2017) demonstraram a piora na qualidade da água do córrego no período de 2002 a 2016. Além disso, eles apontaram o lançamento de esgoto doméstico in natura como fator responsável por essa situação, decorrente dos altos teores de demanda bioquímica de oxigênio (DBO) e das baixas concentrações de oxigênio dissolvido (OD) encontradas. Isso posto, o presente estudo teve como objetivos: avaliar as variabilidades espacial e temporal da concentração de cafeína no córrego Sem Nome, para detectar a presença ou a ausência de esgoto doméstico, e comparar os resultados obtidos com eventos de precipitação e teores de DBO e de OD, tendo o intuito de inferir se a cafeína é um bom indicador de poluição por esgoto doméstico.
Autores: João Miguel Merces Bega, Jefferson Nascimento de Oliveira, Liliane Lazzari Albertin e William Deodato Isique.
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