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Reciclagem poupa água para consumo

Indústria investe em reúso e aproveitamento do esgoto para reduzir perdas; 25% da população mundial sofre com restrições

A escassez hídrica já ameaça a produção agrícola e, consequentemente, a segurança alimentar. Estudos apontam que um quarto da população mundial tem algum tipo de restrição. Além disso mais de 1 bilhão de pessoas podem vir a sofrer com o fenômeno até 2050. Isso afetará principalmente no Oriente Médio e na África. Enquanto a demanda por água mais do que dobrou desde 1960, a quantidade de água limpa disponível por habitante no planeta encolheu. Reduziu de 106 m3 para 40 m3 nos dias atuais. Esses números são de acordo com o Atlas de Riscos Hídricos de Aquedutos do World Resources Institute (WRI).

Diante desse panorama, é preciso otimizar o uso dos recursos hídricos. No Brasil, cerca de 60% dos 64 trilhões de litros retirados por ano dos corpos híbridos destinam-se à agricultura. Somam-se assim a irrigação de plantações e consumo animal, de acordo com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Pouco menos de um quarto vai para abastecimento urbano, e o restante é destinado para indústrias (9%), usinas termelétricas (5%) e mineração (2%). A ANA estima que a demanda de água para irrigação no país possa crescer em pelo menos 15% até 2040. Soluções vêm sendo desenvolvidas para reduzir o desperdício.

A Netafim adota a irrigação por gotejamento para diminuir o consumo de água pelo agronegócio. O método poupa, de acordo com o CEO Carlos Sanches, 70% da água em relação ao tradicional.

“Além de usar apenas 30% do recurso hídrico, o sistema permite manter a produção o ano todo, porque funciona 24 horas por dia, irrigando cada planta sob medida, no local preciso e no momento certo”, diz.

Uso da água

A ONU estabelece que o ser humano precisa de 50 a 100 litros de água por dia para as necessidades básicas. Elas são: beber, higiene pessoal, preparo de alimentos e limpeza doméstica. Na África Subsaariana sob estresse hídrico, o acesso é a menos de 20 litros diários, contra 154 litros no Brasil, segundo a ANA. Assim, a meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU de garantir água e saneamento para todos até 2030 já está fora de alcance. De acordo com a UN-Water, agência da Organização das Nações Unidas para as questões hídricas, 2,2 bilhões de pessoas não têm água potável. O Banco Mundial calcula que a falta de serviços de água e saneamento custe cerca de US$ 250 bilhões por ano à economia global.

Especialistas têm convergido em torno de uma solução para garantir o abastecimento: a reciclagem de água. Há uso regular de água reciclada na Austrália, África do Sul, Namíbia, Cingapura, Filipinas, Suécia, Reino Unido e Bélgica.

Aproveitamento do esgoto

Para Marcio da Silva José, presidente do Aquapolo Ambiental, a próxima fronteira a ser desbravada é o aproveitamento do esgoto. Em 12 anos, a empresa processou 110 bilhões de litros de água, despontando como o maior empreendimento para a produção de água reciclada para uso industrial na América Latina e quinto no mundo. O executivo diz que a empresa já participa de projetos de reúso indireto, que consiste em tratar o esgoto e jogá-lo de volta no reservatório, para que a água seja captada e direcionada ao abastecimento da população.

“Já temos tecnologia 100% segura para fazer a transformação direta. Falta só a educação cultural, para vencer o preconceito”, diz José. “Precisa ficar claro para o cidadão que a água que chega à torneira é potável, adequada ao consumo, pois passou por todos os processos de filtração.”

Alceu Guérios Bittencourt, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), segue o mesmo entendimento.

“O custo de captar e tratar água vem subindo ao longo dos anos, já o preço de reciclar segue em queda, com a entrada de tecnologias mais baratas”, afirma.

Ele defende também que sejam criadas cobranças mais abrangentes para a captação de água de poços e mananciais e o combate às perdas, hoje na casa dos 40% no Brasil.

“Se somarmos à equação a escassez hídrica crescente, o caminho a seguir fica claro: a economia circular aplicada à água”, diz o executivo.

O caminho a seguir fica claro: a economia circular aplicada à água” —Alceu Bittencourt

Cetrel

O reúso está no coração do negócio da Cetrel, empresa instalada no Polo Industrial de Camaçari, na Bahia. A empresa teve receita líquida de R$ 415 milhões no ano passado, com o fornecimento de 27 bilhões de litros de água tratada para indústrias de sete Estados brasileiros.

“Os efluentes domésticos são a nossa matéria-prima”, diz Ivan Luiz Leite Sant Anna Jr., diretor comercial da empresa. “Não temos dúvida de que a reciclagem de água é o que vai garantir a segurança hídrica no futuro.”

Entre as indústrias empenhadas em reduzir o consumo, a Malwee adota a lavagem de jeans “com um copo d’água”, que consome 98% menos água do que no método tradicional, de acordo com a empresa.

“Diante da constatação de que a indústria têxtil consome 93 trilhões de litros de água por ano, o que representa 4% da captação mundial de água doce, incrementamos a lavagem otimizada e, em 2022, aumentamos em 35% o número de unidades confeccionadas com um copo d’água”, afirma Renato Martins, gerente de projetos ESG da Malwee. “A economia de água foi da ordem de 3,4 milhões de litros em relação a uma lavanderia tradicional.”

Recarga de mananciais

A gigante Coca-Cola, cujo negócio está atrelado à água, vem investindo em programas de recarga de mananciais no Brasil, Guatemala, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Equador e República Dominicana. De acordo com Rodrigo Brito, diretor de sustentabilidade para Brasil e Cone Sul na The Coca-Cola Company, os projetos já impactaram cerca de 11 milhões de pessoas.

Este ano a empresa anunciou que destinará R$ 13 milhões para a expansão de projetos voltados à proteção de 1.500 hectares de áreas em bacias hidrográficas e acesso à água por comunidades de baixa renda.

“A contribuição vai levar água segura para cerca de 40 mil novas pessoas até o final de 2024 nesses países, sendo 20 mil no Brasil”, diz Brito.

A Organização de Alimentos e Agricultura (FAO), agência da ONU dedicada à alimentação, estima que entre 2.000 e 5.000 litros de água diários são necessários para produzir alimentos para uma única pessoa. Soma-se à questão o fato de que para alimentar a população da Terra, estimada em 10 bilhões de seres humanos até 2050, o mundo terá de produzir 56% mais alimentos do que em 2010, lidando no paralelo com as crescentes catástrofes causadas pelo clima, como secas e inundações.

Fonte: Valor Econômico


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