J. Braz. Chem. Soc. vol.18 no.6 São Paulo 2007
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-50532007000600001
Química agrícola e bioenergia
O uso de energia renovável no setor de transporte chegou, finalmente, à linha de frente nos meios de comunicação e tudo indica que aí continuará. Há várias razões para isso: o custo e a incerteza futura do suprimento de combustíveis fósseis, particularmente os baseados em petróleo; o aumento dos níveis de CO2 na atmosfera, que leva à procura de novos combustíveis com menor impacto ambiental; o rápido desenvolvimento de refinarias de bioetanol em escala comercial, com cana-de-açúcar (Brasil) e milho (EUA) como matérias-primas; e o uso crescente de óleos à base de vegetais como biodiesel, em substituição ao óleo diesel obtido de petróleo. Sob alguns aspectos, estes exemplos são os primeiros frutos colhidos na busca da satisfação da crescente demanda do início dos anos 2000 por biocombustíveis.
Embora o amido do milho, o açúcar da cana e o óleo de sementes de origem agrícola possam contribuir para as demandas atuais e futuras, não se pode esperar que os biocombustíveis deles derivados venham a afetar significativamente a dependência do petróleo no mundo. Daí o novo foco em biocombustíveis baseados na celulose – o uso dos carboidratos complexos que são da mesma estrutura do reino vegetal. A conversão da celulose e da hemicelulose a etanol, porém, não é tecnicamente simples. A etapa incerta e lenta é a conversão dos carboidratos complexos em açúcares monoméricos facilmente fermentáveis. Esta etapa exigirá novas tecnologias de pré-tratamento – por via enzimática, química ou com vapor – que não aumentem o custo de um processo total que, em última análise, deve ser economicamente competitivo.
Eis alguns números de interesse: a conversão dos estoques anuais existentes de carboidratos fermentáveis de milho ou cana-de-açúcar (ou outros) a bioetanol chega a apenas 6% da demanda americana de combustíveis para o transporte. Para produzir um impacto mais importante é preciso incluir a celulose das plantas. Em uma escala comercial bem sucedida, o etanol obtido da celulose pode atingir a 20% ou mais do atual consumo americano. Por isso, a corrida pelo etanol de celulose já começou, com a conversão de carboidratos fermentáveis (açúcares, amido), assim como de derivados de celulose, a uma mistura, da qual o etanol seja isolado e purificado, e depois adicionado à gasolina até a percentagem de 10% (E-10) ou mais, ou mesmo ser usado na forma pura.
Para conseguir-se a conversão de celulose e hemicelulose a etanol, recuperar energia da lignina, produzir outros combustíveis que não o etanol (biobutanol, hidrogênio, por exemplo), usar métodos térmicos (pirólise, gaseificação) para produzir gás (syngas) ou combustíveis líquidos (por exemplo, a síntese de Fischer-Tropsch), ou para obter subprodutos (solventes, monômeros, biopolímeros) como parte da transformação de biomassa em energia, será preciso usar a química e uma ciência inter/multidisciplinar da qual a química é parte significativa. Os químicos agrícolas podem contribuir em áreas como a caracterização de matérias-primas, incluindo detalhes da arquitetura das paredes celulares das plantas, o acompanhamento dos processos de fermentação, a separação dos componentes/produtos do biorrefino e a conversão de bioprodutos como lignina e glicerol em produtos finais mais úteis. A química pode, nos dois casos, do biodiesel e do bioetanol, ajudar na seleção e modificação de matérias-primas promissoras, neste último caso, pelo desenho de caminhos biossintéticos, e, com a ajuda da genética molecular, modificar ou construir novos caminhos para otimizar a produção de matérias-primas melhores. Os químicos de produtos naturais podem descobrir novas fontes de hidrocarbonetos em plantas, animais ou algas (ricos em ceras, terpenos, esteróides ou outros combustíveis obtidos por fotossíntese, ou precursores de combustíveis).
A química e a engenharia química poderão contribuir para o desenvolvimento de biorrefinarias capazes de produzir, em princípio, um grande número de produtos – combustíveis, lubrificantes, intermediários químicos – como fazem hoje as refinarias de petróleo, porém, com produção adicional de corretivos de solos, alimentos/rações, fibras, materiais de construção, dentre outros bioprodutos. O tratamento destes produtos pode incluir solventes, monômeros, ingredientes para alimentos/rações e muitos outros produtos químicos e misturas. A química pode também contribuir para resolver problemas associados às fontes atuais de energia, como a remoção de dióxido de carbono de efluentes e da atmosfera, remoção ou redução de outros poluentes do ar, água e solos, e com o desenvolvimento de novos métodos analíticos para a certificação de novas matérias-primas, combustíveis e misturas de combustíveis, bem como a inevitável variedade de contaminantes dos subprodutos, freqüentemente associados às novas tecnologias alternativas.
A nova bioeconomia oferecerá muitas oportunidades para os químicos e cientistas agrícolas em geral e pode vir a ser uma das maiores oportunidades para a pesquisa, a colaboração interdisciplinar internacional, o desenvolvimento de novas disciplinas e currículos em nível universitário, com capacidade de influenciar as políticas públicas, a aparecer em futuro próximo. Grande parte deste trabalho irá afetar os conteúdos do Journal of the Brazilian Chemical Society e do Journal of Agricultural and Food Chemistry, dentre outros periódicos, alguns ainda a serem ainda lançados. É oportuno que o Brasil e os Estados Unidos da América já estejam cooperando em várias frentes da bioenergia [veja Chemical and Engineering News 2007 85, 15] e estejam tão bem posicionados para aproveitar estas oportunidades. Ao participar da Reunião Anual da SBQ em 2007, tive a oportunidade de tomar conhecimento de pesquisas inéditas. Fiquei muito impressionado com a criatividade dos cientistas brasileiros que, sem dúvida, contribuíram muito para o desenvolvimento rápido da tecnologia de biocombustíveis e bioenergia no Brasil.
James N. Seiber – Editor
Journal of Agricultural and Food Chemistry
References
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