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Produção de petróleo

Produção de petróleo desafia a transição energética

Em 2024, atendendo a forte demanda, as petroleiras globais aumentaram investimentos em fósseis

Enquanto o mundo clama por ações contundentes de combate à crise climática, a indústria do petróleo intensifica investimentos em fontes fósseis. Nos últimos anos, grandes petroleiras, incluindo a , avançaram pouco em diversificação de portfólio e, em 2024, várias delas anunciaram retorno ao segmento de maior rentabilidade, o upstream. As projeções para o setor energético apontam desafios no curto prazo que levam as empresas a priorizarem a sustentabilidade financeira. Contudo, diferente de outras petroleiras, a tem margem para transcender essa visão curtoprazista, uma vez que pode se apoiar nas vantagens comparativas oferecidas pelo elevado potencial energético nacional para desenvolver cadeias industriais verdes promissoras.

O relatório World Energy Investment 2025, da Agência Internacional de Energia (IEA), aponta que, em 2024, os investimentos das petroleiras em tecnologias de baixo carbono caíram 25% frente a 2023, acompanhados da revisão de metas de descarbonização por várias empresas. Para 2025, a expectativa é de nova queda, estimada em 10% em relação a 2024. A Equinor anunciou em seu relatório anual de 2024 que reduzirá em 50% os investimentos em renováveis e baixo carbono no período 2025-2027, abandonando a meta de destinar metade do Capex bruto a essas áreas e revisando as metas de intensidade de carbono para 2030-2035.

A BP também ajustou sua estratégia, ampliando os investimentos em upstream e downstream e impondo maior disciplina aos aportes em transição energética, com redução superior a US$ 5 bilhões anuais no capital destinado a esses negócios até 2027. (O upstream abrange exploração e produção de petróleo e gás, incluindo prospecção e extração; o downstream engloba refino, transporte, distribuição e comercialização de derivados). A alocação de recursos da maioria das grandes companhias de petróleo nos últimos cinco anos evidencia a priorização em upstream e gás integrado.

A Shell diminuiu em torno de 10% os aportes nesses segmentos entre 2021 e 2023, mas em 2024 voltou ao patamar de 60% observado em 2020. Já a BP, que em 2020 destinava 70% a E&P e gás, reduziu gradualmente para 62,4% em 2021, 52,1% em 2022 e 57,2% em 2023. Em 2024, voltou a 60,4%, com perspectiva de expansão em 2025, apoiada, inclusive, pelas recentes descobertas no pré-sal brasileiro. Considerando apenas os investimentos em upstream, a Chevron elevou a participação no Capex de 83,9% em 2020 para 87,1% em 2024.

A ExxonMobil apresentou expansão ainda mais expressiva, de 67,5% para 79,3% no mesmo período. A Saudi Aramco reforçou o foco em E&P, ampliando de 73% em 2020 para 78% em 2024. E a manteve, em média, cerca de 81% do Capex nesse segmento ao longo do período – exceto em 2022 (70%) -, mas ampliou para 83% em 2024. Mesmo a TotalEnergies, que é reconhecida por ser umas das empresas mais diversificadas, embora tenha reduzido a alocação em E&P, triplicou os investimentos em gás natural liquefeito (LNG) nos últimos três anos.

No longo prazo, a continuidade da relevância dos combustíveis fósseis no mix energético mundial pressiona as grandes petroleiras a concentrar investimentos no upstream. Segundo o World Oil Outlook 2025 da Opep, a demanda global por energia primária crescerá 23% entre 2024 e 2050, com a demanda por petróleo avançando 17,6% e a produção total de petróleo e líquidos aumentando 20,1%. O recuo, em 2024, da participação do petróleo no consumo mundial para menos de 30% pela primeira vez em cinco décadas poderia ser visto como indício de avanços em descarbonização.

Contudo, o mesmo relatório – o Global Energy Review 2025 da IEA – revela que as emissões de carbono seguem crescendo e atingiram, em 2024, um novo recorde pelo quarto ano seguido. O crescimento menor da participação do petróleo é explicada pelo avanço do gás natural e do carvão, que juntos mantiveram os fósseis em 87% da matriz global, segundo o Energy Institute. No horizonte imediato, as “majors” também se veem pressionadas a reforçarem o E&P como garantia de rentabilidade diante do desaquecimento do setor.

De acordo com a IEA, a demanda mundial de petróleo em 2024 ficou abaixo do esperado, refletindo o esgotamento da recuperação da mobilidade pós-pandemia, a menor atividade industrial e a expansão dos veículos elétricos. Apesar da queda persistente nos preços internacionais e da demanda enfraquecida, em sete de setembro, a Opep aprovou a ampliação de sua produção, intensificando a pressão sobre o mercado. Somam-se a isso as tarifas sobre aço e alumínio impostas pelo governo Trump, que podem elevar custos e aumentar incertezas.

Como resultado, em 2025, projeta-se o maior recuo nos investimentos em upstream desde 2016 (6%), com aumento de 3% nos custos do setor por efeito das tarifas comerciais. Diante desse cenário, é natural que a acompanhe as tendências do setor, inclusive porque a viabilização de uma transição energética eficiente e justa no país depende de sua rentabilidade.

No entanto, diferentemente de outras companhias, a conta com vantagens comparativas propiciadas pelo potencial energético brasileiro, capazes de ampliar sua competitividade no futuro. Como empresa estratégica de um país periférico, carrega responsabilidades de interesse público que vão além da mera geração de receitas. Mas há que se ter em conta que os desafios conjunturais do setor precisam ser mitigados por uma visão de longo prazo, que alinhe sua estratégia corporativa a uma política nacional de industrialização coesa, permitindo promover, em simultâneo, o desenvolvimento nacional e a transição energética.

Fonte: Valor


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