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Prevalecerá a lógica do descarte de resíduos?

A recente polêmica em relação ao uso de sacolas plásticas pelo varejo merece algumas considerações. Condena-se o material pelo fato de se encontrar essas sacolas em ruas, aterros, rios e praias, mas não há uma clara condenação de dois outros fatores que contribuem para essa situação: o sujeito da ação, aquele que deposita a sacola no meio ambiente e a cultura do resíduo descartável.

Bassala, em seu The Evolution of Technology (Cambridge University Press, 1995), defende que “à semelhança dos seres vivos em seu mundo, os objetos competem entre si pela sobrevivência no mundo material.” A sacola plástica é, sob esse ponto de vista, uma vencedora. Foi projetada para ser descartada, segundo a lógica dominante na época em que foi concebida. E como tal, competiu com sacolas feitas de diversos outros materiais e deslocou-os todos, tornando-se o material padrão para transportar mercadorias entre o ponto de venda e a residência do consumidor. Descobriu-se até uma nova vocação para ela e muitos passaram a utilizá-la para fazer a separação seletiva de resíduos em suas residências. Não se pode negar a sua eficiência. Já os sistemas de coleta seletiva deixam a desejar em termos de eficácia e permitem que as sacolas plásticas acabem depositadas no meio ambiente, o que as faz rés nos dias de hoje.

Recentemente surgiu o movimento pela sacola retornável. Seus apoiadores convocam os cidadãos a substituir a sacola plástica por aquela, feita de material degradável, “amigável” ao ambiente. Ora, mas a sacola não é retornável? Então ela pode ser de qualquer material que se preste a isso, inclusive…plástico. Ou admitem os seus apoiadores que a sacola retornável irá parar um dia no meio ambiente? Sim, aparentemente os defensores desse conceito não só esperam esse comportamento como o incentivam, concebendo um produto para ser descartado após a sua vida útil, contrariando o R de Reciclar da filosofia dos 3Rs, Reduzir, Reciclar, Reutilizar.

O fato de a sacola retornável ser degradável pode dar ao usuário a sensação de que age responsavelmente sob o ponto de vista ambiental. Ou seja, ele pode pensar: “é degradável, posso jogar no ambiente e este se encarregará do resto. O material não é degradável? Bem, deveria ser…”. Atua-se dessa forma, somente sobre o material, não se agindo no sentido de se deslocar a lógica do descarte para a lógica da reciclagem dos resíduos. Atua-se pontual e não sistemicamente. Quais serão as conseqüências dessa lógica daqui a 30 anos? Haverá uma geração condenando as sacolas retornáveis-degradáveis (e os resíduos degradáveis) pelos seus efeitos sobre o meio ambiente, efeitos estes que não puderam ser previstos pelos seus concebedores, tal qual aconteceu com aqueles que conceberam as sacolas plásticas descartáveis há 30 anos?

De qual material deve ser feito uma sacola retornável? Kotler e Rath, no artigo “Design: A powerful but neglected strategic tool” (Journal of Business Strategy, 1984) estabelecem 5 componentes para o que chamaram de Design Mix, ou seja, o grupo de características que devem ser analisadas quando do projeto de um produto: 1) performance 2} qualidade 3) durabilidade 4) aparência 5) custo. Entendendo a portabilidade como um dos fatores de performance neste caso específico, convido o(a) leitor(a) a fazer o seguinte teste: tome uma sacola plástica e uma sacola retornável de tamanhos equivalentes. Dobre-as de maneira a poder colocá-las no bolso da calça, do paletó, da camisa ou na bolsa. O(A) leitor(a) conseguiu fazer isso com ambas as sacolas? Qual delas é mais prática para você portar no dia-a-dia

Não sou a favor da sacola descartável. Nem tão pouco da retornável. Sou pela sacola circulável. A sacola circulável é administrada como se fosse um container flexível e transporta mercadorias do comércio para a residência em uma etapa e resíduos da residência para um ponto de coleta em outra, estando os resíduos, nesta etapa, separados seletivamente segundo uma codificação de materiais pré existente na própria sacola. Esta passa então por uma higienização e retorna ao ponto de venda, fechando o ciclo. Deparando-se o usuário com uma sacola circulável danificada ou ao fim de sua vida útil, bastará ele colocá-la em outra, segundo a sua codificação, e a sacola danificada será conduzida para a reciclagem e não para o descarte no ambiente.

A sacola retornável pode ser feita de qualquer material. De qual deles, então, ela deve ser constituída? Novamente podemos proceder a uma análise usando o conceito de Design Mix, de Kotler e Rath. Um primeiro estudo do fator portabilidade, no tópico performance, aponta para …o plástico.Tal proposta faz parte do projeto “Dispositivos para a Preparação e Seleção de Resíduos para Fins de Coleta Seletiva”, elaborado por este autor e apresentado em 3 etapas à Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo para obtenção de recursos do programa PIPE 1- Programa de Inovação na Pequena Empresa.

Um assessor ad hoc, analista de uma das etapas do projeto, descreveu em seu parecer: “…(o parecerista) receia ainda que o projeto , ao contrário do que se pressupõe, caminhe na contramão da tendência prática atual que vem sendo incentivada de minimização de embalagens em geral. Por exemplo, o hábito antigo de utilização de sacolas não descartáveis na ocasião das compras está retornando , como um procedimento sistemático de minimização de resíduos…”

Cabem aqui 3 comentários 1) O assessor parece não ter entendido a proposta. O projeto prevê a reciclagem e não o descarte no ambiente da sacola circulável. O projeto pretende ainda reduzir sensivelmente o descarte no meio ambiente de outros materiais, conduzindo-os para a reciclagem 2) o assessor baseia seu parecer em uma iniciativa ainda incipiente, cuja eficácia não foi constatada 3) o assessor ignora o fato de que as sacolas são utilizadas por 100% de seus usuários para a separação e retirada de resíduos de suas residências, segundo pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência, realizada em outubro de 2007 e disponível no site www.sacolinhasplasticas.com.br/_pdf/PesquisaIBOPE.pdf.

Conforme colocado em artigo anterior, em uma situação limite, as sacolas plásticas poderiam desaparecer. Paradoxalmente, no entanto, o volume de resíduos depositados nos aterros poderia aumentar, dada a dificuldade de se fazer a sua separação.

A Fapesp seguiu as recomendações de sua assessoria ad hoc e denegou recursos ao projeto. Este autor procurou ainda participar do Prêmio Santander de Ciência e Inovação, mas não foi aceito por não ser doutor. O projeto encontra-se, desta forma, paralisado.

Dada a proliferação de slogans confrontando sacolas descartáveis com sacolas retornáveis, permito-me aqui também compor um slogan:

sou de plástico
costumam me descartar
mas posso ser retornável
sempre fui reciclável
meu destino depende de você

Caio Cesar Saraiva é consultor e professor da Anhanguera Educacional – Unibero e do Instituto Europeu de Design em São Paulo

[email protected]

 

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