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Pré-tratamento de lixiviados de aterros sanitários por filtração direta ascendente e coluna de carvão ativado

Pré-tratamento de lixiviados de aterros sanitários por filtração direta ascendente e coluna de carvão ativado

Landfill leachate pre-treatment by upflow direct filtration and column of activated carbon

Armando Borges de Castilhos JuniorI; Ramon Lucas DalsassoII; Fabio RohersIII

IEngenheiro Sanitarista. Doutor em Gestão e Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos pelo Institut National des Sciences Appliquées (INSA) de Lyon, França. Pós-doutor pela École Nationale Supérieure des Mines de Paris (França) e Université de Sherbrooke (Canadá). Professor Associado III do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
IIEngenheiro Sanitarista e Ambiental. Doutor em Engenharia Ambiental pela UFSC. Professor Adjunto II do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC
IIIQuímico pela UFSC. Mestre em Engenharia Ambiental pela UFSC

Endereço para correspondência

RESUMO

Vários problemas ambientais no Brasil decorrem do acelerado crescimento dos setores produtivos e, consequentemente, da multiplicidade dos resíduos sólidos urbanos gerados. A disposição destes em aterros sanitários é prática comum; entretanto, essa deposição requer medidas de proteção ambiental, incluindo o tratamento dos lixiviados. Este trabalho, conduzido em filtros de areia e coluna de carvão ativado, trata de proposta de tratamento físico-químico do lixiviado como alternativa ao processo biológico. No que se refere ao processo de filtração, observaram-se reduções de até 74% para DQO, 47% para DBO, 93% para cor, 90% para amônia e aumento de 0,3 para 0,9 na relação DBO5/DQO. Constataram-se limitações com relação à duração das carreiras de filtração, para o que se sugere avaliar outras granulometrias de areia e até mesmo tecnologias de tratamento.

Palavras-chave: lixiviado, tratamento físico-químico, filtração direta ascendente, aterro sanitário.


ABSTRACT

Several environmental problems in Brazil are due to the rapid growth of various productive sectors, and the resulting qualitative multiplicity of municipal solid waste that are generated. The disposal of solid waste in landfills is a common practice; however, it requires environment protection measures, including the treatment of leachate. This work conducted in sand filters and activated carbon column refers to physical and chemical treatment of leachate as an alternative to the biological process. Regarding the filtration process, the results showed reductions of up to 74% for COD, 47% for BOD, 93% for color, 90% for ammonia and an increase from 0.3 to 0.9 in BOD5/COD relation. Limitations were found in relation to filtration run, which suggests the evaluation of other size grains and even treatment technologies.

Keywords: leachate, physical and chemical treatment, upflow direct filtration, landfill.


Introdução

A intensa industrialização e a urbanização crescente no Brasil nas últimas décadas acarretaram múltiplos problemas de degradação ambiental. Destaca-se o acelerado crescimento quantitativo e a multiplicidade qualitativa dos resíduos sólidos urbanos como uma das consequências importantes desse fenômeno. Apesar da consciência da população e das técnicas de valorização e de tratamento dos resíduos urbanos, os problemas de gerenciamento desses materiais no Brasil continuam imensos. A disposição dos resíduos sólidos em aterros sanitários é a prática mais comum, em função dos custos reduzidos e da disponibilidade ainda razoável de áreas para sua implantação. Entretanto, o aterro sanitário requer preocupações cotidianas no que se refere às medidas de proteção do ambiente local e próximo, tendo em vista o impacto dos vetores da poluição dessa instalação de tratamento, os gases e os importantes volumes de lixiviados gerados.

É importante precisar que a evolução bioquímica e física dos resíduos urbanos em aterro sanitário gera lixiviados, cuja composição é variada e complexa, o que, por sua vez, condiciona a tratabilidade desses efluentes, necessitando-se cada vez mais de processos conjuntos, físicos, químicos e biológicos. A presença de diversos poluentes orgânicos e inorgânicos nos lixiviados impõe a necessidade de tratamento adequado antes do lançamento desse resíduo no corpo receptor, o que torna imprescindível o estudo e a aplicação de técnicas que visem ao seu tratamento, em acordo com parâmetros da legislação vigente. Em face da necessidade de um sistema de tratamento que possibilite a redução da concentração dos principais compostos orgânicos e inorgânicos (dentre eles os metais tóxicos) que possam comprometer o processo biológico de tratamento do lixiviado, o estudo de processos físicos e químicos merece investigação.

Nesse contexto, o presente trabalho visou pesquisar o processo combinado de tratamento por coagulação-floculação e filtração direta, utilizando cloreto férrico, sulfato de alumínio e sulfato ferroso como coagulantes. Foi avaliada também a eficiência do tratamento sobre as variáveis cor, turbidez, DQO, DBO5, sólidos, metais, amônia, entre outros. Finalmente, após o processo de filtração direta ascendente, colunas de tratamento complementar com a presença de carvão ativado foram testadas no decorrer dos estudos.

Revisão da bibliografia

O tratamento de lixiviados por meio de sistemas biológicos e processos aeróbios é efetivo quando o lixiviado é proveniente de aterros sanitários recentes e quando a razão DBO5/DQO é maior que 0,4. Porém, o tratamento biológico torna-se geralmente ineficiente em lixiviados provenientes de aterros mais antigos, pois o efluente apresenta resistência à biodegradação indicando a necessidade de processos auxiliares que diminuam a sua recalcitrância (FERREIRA et al., 2001). O tratamento de lixiviados por processos físicos e químicos constitui-se em uma etapa primordial na busca de redução da carga poluente desses efluentes. A degradação ou separação dos componentes orgânicos no lixiviado depende da composição química dos compostos orgânicos presentes (estrutura e peso molecular) e das condições ambientais que podem modificá-los. De acordo com Tchobanoglous, Burton e Stensel (2003), nas fases iniciais de decomposição dos resíduos aterrados, a relação DBO5/DQO está acima de 0,5. Valores de 0,4 a 0,6 ou mais indicam que a matéria orgânica no lixiviado é prontamente biodegradável.

Em aterros mais antigos, tal relação geralmente encontra-se na faixa de 0,05 a 0,2. A relação é menor porque o lixiviado proveniente de aterros antigos contém tipicamente ácidos húmicos e fúlvicos, os quais não são facilmente biodegradáveis. Esses compostos causam cor no lixiviado, e sua remoção (por exemplo, por meio da coagulação química) é mais eficiente em valores de pH abaixo de 6,0. Para isso, são vários os sistemas de tratamento possíveis: biológicos, coagulação/floculação, precipitação química, adsorção em carvão ativado, processos oxidativos avançados, ozonização e filtração utilizando membranas (BAIG et al., 1999; PETERS, 1998apud BILA, 2000). No Brasil, esses processos são usualmente utilizados no tratamento de efluentes urbanos e industriais. Segundo Pacheco (2004), de modo geral, não há tecnologia que, atuando isoladamente, possa tratar efluentes tão recalcitrantes e com elevada carga poluente como os lixiviados de aterros sanitários. É importante observar que os processos convencionais são baseados em sistemas cujas preocupações estão associadas, principalmente, ao custo desse tratamento.

Alguns estudos envolvendo o processo de coagulação/floculação demonstraram boa eficiência na redução da carga poluente, entre outros parâmetros. Cheibub (2009) constatou a efetividade da coagulação/floculação seguida de decantação como tratamento primário de lixiviado de aterro sanitário estabilizado, removendo 50% da DQO, em condições de pH = 4,0 e dose de 1.228 mg.L-1 de cloreto férrico. Nagashima et al. (2009) desenvolveram estudos em bancada com lixiviado de aterro sanitário envolvendo as etapas de coagulação/floculação e decantação. Foi utilizado coagulante à base de tanino, e obteve-se como resultado remoções de: 38% para DQO, 36,75% para cor aparente e 30% para turbidez. As condições de coagulação foram: pH = 6,5 e 2.250 mg.L-1 como dose de coagulante. Estudos realizados pelo Programa de Pesquisa em Saneamento Básico (PROSAB) (AMORIM et al., 2009) percorreram diversas técnicas de tratamento físico-químico: precipitação química, coagulação/floculação, adsorção com carvão ativado e reagente de Fenton, sendo que os melhores resultados foram obtidos com o processo de coagulação/floculação e oxidação com reagente de Fenton. Na filtração direta, a floculação e a retenção de impurezas ocorrem no próprio filtro, aspecto que limita sua aplicação ao tratamento de águas com baixa concentração de sólidos, entre outras características. Alguns estudos demonstram, no entanto, que com uma granulometria adequada e a realização de descargas de fundo intermediárias, o sistema pode suportar cargas mais elevadas de sólidos (DI BERNARDO et al., 2003). Esse aspecto foi o que motivou a investigação da filtração direta como pré-tratamento de lixiviados de aterro sanitário.

Metodologia

O presente trabalho foi realizado utilizando-se as dependências do Laboratório de Pesquisas em Resíduos Sólidos (LARESO) – testes de bancada, ensaio de jarros – e no Laboratório Integrado de Meio Ambiente (LIMA) – para as análises físicas e químicas – integrantes da estrutura analítica do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No que se refere aos materiais e métodos utilizados, na Figura 1 é apresentado o fluxograma da metodologia aplicada para o desenvolvimento do estudo.

Efluente de estudo

O lixiviado utilizado nos experimentos foi coletado do tanque de equalização do aterro sanitário no município de Biguaçu, Santa Catatina. Foram realizadas quatro coletas de lixiviado entre fevereiro e maio de 2007. O lixiviado foi transportado em caminhão-tanque e depositado em reservatórios de fibra de vidro de 5.000 L. A partir do término da disponibilidade de lixiviados para os ensaios, procedeu-se a uma nova coleta e transporte. Devido às condições climáticas, ocorreram modificações nas características físicas e químicas do lixiviado estudado ao longo do tempo. De forma a manter um critério adequado de comparação, tanto o lixiviado na forma bruta como após o tratamento eram caracterizados sempre no momento em que se realizavam os ensaios de bancada ou de filtração, possibilitando uma avaliação consistente da eficiência do tratamento.

Ensaios de bancada

Os ensaios de jarros (jar test) foram realizados de forma a simular a filtração direta, objetivando-se a escolha do coagulante e as condições de coagulação: melhor dose de coagulante e pH de coagulação, gradiente de velocidade e tempo de mistura rápida. A filtragem das amostras foi feita em papel filtro Whatman 40 (Whatman Ltd., United Kingdom). A amostra coagulada foi mantida sob agitação, com gradiente de velocidade igual a 120 s-1. Foram avaliados três tipos de coagulantes: sulfato de alumínio, sulfato ferroso e cloreto férrico, todos com grau analítico (Vetec Química Fina Ltda., Brasil). As soluções foram previamente preparadas a 10% pela diluição do composto químico em água deionizada. Ajustes no valor de pH foram realizados com ácido clorídrico Pa, solução 15%. Também foi testado o polieletrólito catiônico Tanfloc Pa 0823, solução a 1%. As variáveis de controle nesses ensaios, tanto para a amostra bruta como para a filtrada, foram: cor aparente, turbidez, pH e condutividade elétrica.

Também foram medidos os valores do pH de coagulação em cada teste. Os procedimentos adotados nessa etapa foram:

a) determinação da dose de coagulante, adotando-se o tempo de mistura rápida (TMR) = 20 s e gradiente de velocidade de mistura rápida (GMR) = 1000 s-1. A dose variou de 100 a 1.600 mg.L-1;
b) determinação do melhor TMR, avaliando-se os valores: 5, 10, 15, 20 e 30 s (adotando-se o valor de GMR e melhor dose de coagulante do item a);
c) determinação do melhor valor de GMR, testando-se os valores: 500, 750, 1.000 e 1.250 s-1(adotando-se o valor ótimo de TMR e demais condições do item b);
d) determinação do valor ótimo de concentração de polieletrólito, adicionado 15 s após o início da mistura rápida.

Ensaios em escala piloto

Após os ensaios de bancada, foram iniciados os testes no sistema piloto, adotando-se os parâmetros definidos na fase de bancada. Na Figura 2, é apresentado o esquema sistema utilizado.

O sistema é composto por dois filtros de escoamento ascendente, com granulometrias distintas. Os filtros foram operados em paralelo, exceto nos testes com utilização da coluna de carvão ativado em série, cujos resultados são apresentados neste trabalho.

Os filtros foram construídos em tubos de PVC, com 146 mm de diâmetro interno, 4,2 m de altura e composição granulométrica, de acordo com a Tabela 1. As colunas de carvão ativado foram confeccionadas em PVC de 146 mm de diâmetro interno, com 1 m de altura útil, preenchidas com carvão ativado de origem vegetal, com granulometria de 3 a 7 mm.

Operação do sistema piloto

Por meio da bomba B1, o lixiviado foi bombeado a partir do reservatório R1, com vazão 30% superior à necessária para a alimentação dos filtros, até a câmara de nível constante (CNC). O excedente retornava por gravidade para o reservatório R1. O controle de vazão da bomba B1 foi feito por meio dos registros 10 e 13, aumentando ou diminuindo a recirculação no R1. O controle da vazão para a alimentação dos filtros foi feito na câmara de nível constante, por meio de um orifício localizado na entrada do tubo que conduz o lixiviado até a câmara de mistura rápida. A determinação da vazão foi aferida por meio da utilização de proveta volumétrica e cronômetro. Foi usado misturador rápido mecânico, adotando-se o gradiente otimizado obtido nos ensaios de jarros. Da mesma forma, o coagulante com o qual se obtiveram os melhores resultados nos testes de bancada foi aquele utilizado nos ensaios do sistema piloto, aplicado por bomba dosadora do tipo diafragma (Exatta, SC, Brasil), com capacidade de injeção de 1 a 5 L.h-1. A aferição da dose aplicada foi feita com auxílio de proveta e cronômetro digital. Os filtros trabalharam com taxa constante de 100 m3.m-2.d e carga hidráulica variável. Na Figura 3 (a e b), são apresentados os detalhes da instalação piloto utilizada neste trabalho.

Os ensaios de filtração eram encerrados quando a perda de carga total atingia o valor de 2 m. As descargas de fundo intermediárias (DFI), com taxa de 600 m3.m-2.d e duração de 1 minuto, foram realizadas com água produzida pelo próprio filtro, armazenadas acima do topo da camada filtrante. Para as dimensões do sistema piloto, esse valor corresponde a um volume gasto de 6,8 L em cada descarga. Os filtros foram lavados com a água filtrada por eles produzida, contida no reservatório R2, utilizando-se a bomba B1.

Métodos analíticos

Para controle do processo, as variáveis utilizadas e os respectivos métodos analíticos para a sua determinação são mostrados na Tabela 2.

Resultados e discussões

Na Tabela 3 são apresentados os resultados da caracterização do lixiviado in natura. Pode-se verificar que os valores de pH encontrados são elevados, valor típico de lixiviado na fase metanogênica, segundo Wichitsathian (2004) e Lange e Amaral (2009). Nessa fase, há decomposição dos produtos da fermentação ácida que são convertidos em metano (CH4), substâncias húmicas e água.

Quanto à biodegradabilidade do lixiviado, esta variou com o tempo e pode ser verificada acompanhando-se a relação DBO5/DQO. Para estudo, foi obtido um valor médio de 0,27 para essa relação, aspecto que indica o tratamento físico-químico, conforme destacam Tchobanoglous, Burton e Stensel (2003), Baig et al. (1999) e Peters (1998) (apud BILA, 2000). O valor elevado de cor aparente justifica-se pela forte presença de sólidos em suspensão. Nos ensaios de bancada, os melhores resultados foram obtidos com sulfato de alumínio, e os valores empregados posteriormente no sistema piloto de filtração foram: dose de coagulante = 900 mg.L-1; pH de coagulação = 7,4 ± 0,2; GMR = 800 s-1 e TMR = 20 s.

Foi adicionado também à água coagulada 0,5 mg.L-1 do polieletrólito Tanfloc Pa 0823. Durante os testes, foi observado que o valor de pH do filtrado aproximava-se do valor de pH obtido para o lixiviado, ou seja, o pH de coagulação não se mantinha estável (possível efeito tampão do lixiviado devido à presença de carbonatos), interferindo na qualidade do filtrado. Adicionou-se, então, ácido clorídrico, variando de 3 a 24 mL.L-1, obtendo-se melhor resultado com 6 mL de solução para cada litro de lixiviado, com pH = 7,2. A turbidez do filtrado resultou em torno de 0,5 uT, portanto, uma redução de 98%. A cor aparente foi reduzida em 90%. Esse percentual poderia ser mais elevado se a coagulação fosse feita em pH inferior a 6,0, em função da menor estabilidade das substâncias húmicas nessa faixa de pH (EDWARDS; AMIRTHARAJAH, 1985). Os resultados apresentados são relativos ao Filtro 1 (F1), de menor granulometria, conforme Tabela 1. Na Tabela 4, pode ser verificada a qualidade do filtrado em função do tratamento aplicado.

A cor aparente foi um parâmetro importante na indicação do desempenho do tratamento, embora a resolução CONAMA 357/2005 (CONAMA, 2005) não estabeleça limites para esse parâmetro. A redução da cor foi expressiva quando tratado por filtração direta ascendente, chegando a atingir 89,8 % de remoção com 900 mg.L-1 de sulfato de alumínio no filtro de areia, evidenciando a relação entre cor aparente e sólidos em suspensão. Após a passagem pela coluna de carvão ativado, os menores valores de cor remanescente corresponderam aos menores valores de entrada na mesma, mostrando a dependência em relação ao desempenho do tratamento no filtro de areia. O aspecto visual do filtrado pode ser observado na Figura 4.

No que se refere à DQO, conforme a Tabela 4, a remoção média foi da ordem de 47%. A maior remoção obtida com 600 mg.L-1 de sulfato de alumínio no filtro de areia pode estar associada às condições e mecanismos de coagulação, provavelmente a varredura, devido às doses de coagulante aplicadas, envolvendo principalmente a matéria orgânica dissolvida.

Comparando a relação DBO5/DQO sobre os valores da Tabela 4, observa-se que na saída do filtro de areia essa relação variou entre 0,3 e 0,4, muito próximo do valor 0,3 relativo ao lixiviado bruto. Na saída da coluna de carvão ativado, essa relação variou de 0,6 a 0,9, evidenciando o potencial dessa unidade na redução de frações solúveis responsáveis pela DQO.

Esse comportamento decorre da natureza do efluente, das partículas e substâncias responsáveis pela baixa turbidez e cor elevada. Apesar da utilização de polieletrólito, foi observado durante os ensaios de filtração o transpasse de flocos pelo filtro. Tentativas de ajustes nas condições de coagulação não foram suficientes para obter melhores resultados. Acredita-se que a mudança da granulometria do meio filtrante, não investigada neste trabalho, e possivelmente a colocação de um filtro de areia adicional em série possam melhorar a eficiência do tratamento.

A redução de amônia foi maior na coluna de carvão ativado, com 85,9%. A resolução CONAMA 357/2005 (CONAMA, 2005) estabelece limites de 20 mg.L-1 de nitrogênio amoniacal. O melhor resultado obtido com o filtro ascendente foi com a utilização de 900 mg.L-1 de coagulante (33,25%). Segundo Clément e Merlin (1995), um valor de 400 mg.L-1 de amônia no efluente é considerado tóxico para um tratamento biológico posterior ao físico-químico. Percebe-se pela Tabela 4 que em nenhum ensaio obteve-se teor menor do que o valor citado para o filtro de areia; porém, observa-se o contrário com o filtro de carvão ativado. Os custos do material filtrante podem impedir um uso corrente dessa solução de tratamento por filtração com carvão ativado.

A alcalinidade teve redução de forma equivalente, independentemente da dose de coagulante, aspecto relacionado com a adição de ácido clorídrico e o caráter ácido do sulfato de alumínio. A remoção de metais também foi utilizada como acompanhamento da eficiência do tratamento proposto para lixiviado de aterro sanitário, tendo por base os padrões da resolução anteriormente citada. Como pode ser verificado na Tabela 5, foi considerado ótimo o desempenho da filtração direta ascendente na remoção de metais pesados, com percentuais de remoções de 60 a 96%. A exceção foi o alumínio, que teve seu valor aumentado em função das doses de coagulante aplicadas.

Na Tabela 6, pode ser verificada a variação – em função do tempo de operação do filtro – dos valores das variáveis de processo: pH, turbidez, condutividade elétrica e cor aparente. As condições de realização desse ensaio foram: 300 mg.L-1 de sulfato de alumínio, 6 mg.L-1 de polieletrólito, 6 mL.L-1 de ácido clorídrico (solução a 15%) e demais condições de mistura rápida anteriormente estabelecidas. A finalidade desse ensaio foi avaliar o comportamento do filtrado durante o ensaio de filtração, principalmente em relação à turbidez, em que ocorreu acréscimo nos valores obtidos nos ensaios em escala piloto anteriores.

Observa-se que, com o passar do tempo, ocorreu um incremento da turbidez, possivelmente devido ao transpasse de flocos ocasionado no meio filtrante. Houve maior redução nos valores de condutividade elétrica no início do ensaio, mas, de maneira geral, esses valores foram sempre abaixo do encontrado para o lixiviado bruto. A cor aparente teve maior redução no início do ensaio de filtração e manteve-se praticamente constante durante todo o tempo observado, aspecto esperado nesse tipo de tratamento.

Neste trabalho, tinha-se em mente obter ensaios de filtração com duração de 8 a 10 horas, realizando-se para isso descargas de fundo intermediárias. Contudo, observou-se que, mesmo para a menor dose de coagulante testada, 300 mg.L-1, a duração dos ensaios não ultrapassava 4 horas. Nesse caso, a realização de descargas de fundo intermediária não surtiu efeito. A razão desse fenômeno é que na camada suporte praticamente não houve retenção de impurezas. As leituras dos piezômetros P1 (base da camada suporte) e P2 (5 cm acima do topo da camada suporte), mostrados na Figura 2, foram iguais durante os experimentos.

Para as doses mais elevadas de coagulante, a duração dos ensaios e a perda de carga na camada suporte foram: 2,3 horas, com 10 cm para 600 mg. L-1, e 1,5 hora, com 20 cm para 900 mg.L-1. Nesses ensaios foi realizada apenas uma descarga de fundo; contudo, a recuperação de carga foi praticamente nula. Esse resultado foi atribuído ao fato de o piezômetro P2 localizar-se acima da camada suporte; assim, a perda de carga registrada reflete uma colmatação na base da camada de areia. Do observado, verificou-se a necessidade de escolha adequada da granulometria para a camada suporte, tendo em vista a natureza do efluente e as condições de coagulação. Na medida em que na filtração direta ocorre floculação em meio granular, pode ter ocorrido também influência da taxa de filtração aplicada aos filtros.

Conclusões

O tratamento de lixiviados de aterro sanitário representa um grande desafio, tendo em vista a variação das suas características em função da heterogeneidade dos resíduos dispostos e da idade do aterro. A variabilidade de volumes e de concentração desse efluente torna delicada a determinação de técnicas efetivas de tratamento. O lixiviado proveniente do aterro sanitário de Biguaçu apresentou características que permitiram a sua classificação como estabilizado. Dentro desse contexto, destaque pode ser dado a características como o pH básico, baixa razão de biodegradabilidade (DBO5/DQO), alta concentração de nitrogênio amoniacal e elevada alcalinidade. A utilização da técnica de filtração direta ascendente como tratamento físico-químico do lixiviado de aterro sanitário apresentou bons resultados, destacando-se remoção da cor, DQO e DBO5, metais pesados e amônia.

Com relação à amônia, apesar de os resultados obtidos não se enquadrarem no estabelecido na resolução CONAMA 357/2005 (CONAMA, 2005), ocorreu eficiência de redução de 33,25% nos valores de concentração no tratamento por filtração e de 85,37% na coluna de carvão ativado. Em relação às variáveis DQO e DBO5, que representaram a matéria orgânica presente, ocorreu também uma remoção significativa, atingindo valores de 65,1 e 45,3%, respectivamente. A utilização de colunas de carvão ativado resultou em um ótimo desempenho na redução dos metais pesados e amônia no lixiviado. Apesar do custo elevado, a utilização desse material não pode ser descartada, sendo uma alternativa viável de polimento no tratamento de lixiviados de aterro sanitário. O tratamento de lixiviado de aterro sanitário por filtração direta ascendente, seguida de filtração em coluna de carvão ativado, favorece significativamente o posterior tratamento biológico, aspecto evidenciado pelo aumento da relação DBO5/DQO e pela remoção da amônia.

Diante do exposto, recomenda-se para continuidade dos trabalhos nesta temática:

a) uso de coagulantes que não alterem o pH, como o tanino, ou que sofram hidrólise menos ácida, como o hidroxicloreto de alumínio. Avaliação do uso ou não de polímero;
b) estudos de granulometria mais adequada para a filtração do lixiviado, a fim de aumentar a duração das carreiras de filtração;
c) utilização da técnica air stripping antes do processo de coagulação para a eliminação da amônia;
d) estudo da dupla filtração para tratamento do lixiviado;
e) caracterização do lodo gerado na lavagem do filtro e sua adequada disposição;
f) avaliação da vida útil do carvão ativado granular..

Referências

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