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O Decrescimento sustentável

Bruno Clémentin e Vincent Cheynet

Bruno Clémentin e Co-fundador do Institut d’Études Économiques et Sociales pour la Décroissance Soutenable (IEESDS) e Membro do coletivo “Casseurs de pub” e Vincent Cheynet é Diretor de La Décroissance

A contestação do crescimento econômico é um fundamento da ecologia política. Não é possível um crescimento infinito num planeta finito. Muito incômoda, pois entra em ruptura radical com o nosso desenvolvimento atual, esta crítica foi rapidamente abandonada por conceitos mais suaves, como o “desenvolvimento sustentável”. No entanto, racionalmente, não existem outras vias para os países ricos (20% da população planetária e 80% do consumo dos recursos naturais) a não ser reduzir a sua produção e o seu consumo de forma a “decrescer”.

Não é preciso ser economista para perceber que um indivíduo, ou uma coletividade, que retira a maior parte dos seus recursos do seu capital, e não dos seus rendimentos, destina-se à falência. Tal é, no entanto, o caso das sociedades ocidentais, porque elas esgotam os recursos naturais do Planeta, um patrimônio comum, sem levar em conta o tempo necessário para a sua renovação. Não satisfeito com a pilhagem do capital, o nosso modelo econômico, baseado no crescimento, induz a um aumento constante da exploração dos recursos. Os economistas ultraliberais como os neo-marxistas eliminaram dos seus raciocínios o parâmetro “natureza”, pois era demasiado incômodo. Privado do seu dado fundamental, o nosso modelo econômico e social encontra-se assim desligado de sua realidade física e funciona no virtual. Os economistas vivem num mundo religioso do Século 19 onde a natureza era considerada como inesgotável. Negar a realidade pelo lucro de uma construção intelectual é próprio de uma ideologia. Nós podemos, então, considerar que a economia atual tem em primeiro lugar uma natureza ideológica. A realidade é mais complexa, pois o sistema econômico está, sobretudo, abandonado a si próprio, sem controle político.

O objetivo de uma economia sã

Nós chamamos economia sã a um modelo econômico que, no mínimo, não toca no capital natural. O ideal seria reconstituir o capital natural já destruído. Mas, o primeiro objetivo, de uma humanidade que vive dos seus rendimentos naturais, constitui já um desafio extraordinário. Nós podemos mesmo nos questionar se esse objetivo é ainda realizável e se o ponto de não retorno não foi já atingido. De qualquer forma, este objetivo é o único imaginável para a humanidade, tanto de um ponto de vista moral como científico.

Moral, pois é nosso dever, da responsabilidade de cada um e da humanidade, preservar o ambiente e de restituí-lo aos nossos descendentes, no mínimo, no estado em que nos foi recebido.

Científico, pois imaginar que a humanidade possui meios de colonizar outros planetas é puro delírio. As distâncias no espaço estão fora do alcance das nossas tecnologias. Para alcançar pequenos saltos no espaço, nós gastamos inutilmente quantidades gigantescas de recursos preciosos.

Além do mais, de forma puramente teórica, se conseguíssemos trazer sobre a Terra e de forma rentável um recurso energético extraterrestre, isto apenas teria como consequência uma nova degradação ecológica. Os cientistas estimam que o perigo é maior do lado do “excesso” de recursos que do lado do risco de esgotá-los. O perigo principal está na incapacidade do ecossistema global de absorver todos os poluentes que geramos. A chegada de um novo recurso energético não fará mais que amplificar as mudanças climáticas.

Não mexer no nosso capital natural parece difícil, ainda que para produzir objetos de primeira necessidade como uma panela ou uma agulha. Nós já exploramos e transformamos uma quantidade considerável de minerais. A massa dos objetos produzidos constitui um potencial enorme de matéria a reciclar.

O objetivo de uma economia sã pode nos parecer um horizonte utópico. De fato, temos no máximo 50 anos para decidir se queremos salvaguardar o ecossistema. A biosfera não negocia atrasos suplementares. Ao ritmo de consumo atual nos restam, aproximadamente, 40 anos de reservas de petróleo, 70 anos de gás, 55 anos de urânio. Mesmo que estes números possam ser contestados, nós caminhamos para o fim de grande parte dos recursos planetários rapidamente, se não mudarmos radicalmente de rumo. Contrariamente ao Século 20, consumimos mais recursos do que descobrimos novos. Além do mais, prevê-se que daqui a 20 anos, haja a duplicação do parque automotivo atual tal como o consumo energético mundial. Por fim, mais nos aproximamos do fim dos recursos, mais estes são difíceis de extrair. Resta dizer que o maior perigo parece ser, hoje em dia, principalmente os danos causados ao clima que o esgotamento dos recursos naturais.

O teórico do decrescimento

O economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen é o pai do decrescimento. Nicholas Georgescu-Roegen fez a distinção entre a “alta entropia”, energia não disponível à humanidade, da “baixa entropia”, energia disponível. Ele demonstra simplesmente que cada vez que nós retiramos recursos ao capital natural, como as energias de stock, nós hipotecamos as chances de sobrevivência dos nossos descendentes. “Cada vez que produzimos um automóvel, fazemo-lo à custa de uma redução do número de vidas no futuro”. Ele põe em evidência os impasses do “crescimento zero” ou do “estado estacionário” que prometem os ecologistas. De fato, mesmo que estabilizemos a economia, continuaremos a esgotar o nosso capital.

O decrescimento sustentável

Todo o problema consiste em passar de um modelo econômico e social fundado na expansão permanente a uma civilização “sóbria” em que o modelo econômico integra os limites físicos do Planeta. Para passar da nossa civilização a uma economia sã, os países ricos devem empenhar-se na redução drástica da sua produção e do seu consumo. Em termos econômicos isto significa entrar no decrescimento. O problema é que as civilizações modernas, para não gerar conflitos sociais, têm necessidade do crescimento perpétuo. Edwards Goldsmith, fundador da revista The Ecologist, um ecologista milionário e conservador, adverte que ao reduzirmos a produção e o consumo em 4% por ano durante 30 anos, teremos uma chance de escapar à crise climática “com um pouco de vontade política”. Fácil de dizer em papel, seja ele reciclado ou branqueado sem cloro! A realidade sociológica é outra. Mesmo os ricos dos países ricos aspiram a consumir cada vez mais. E não será “um mínimo de vontade política” que é necessária se um grupo desejasse conduzir tal política a partir de cima, mas sim um poder totalitário. Este terá todos os meios para ir contra a sede de consumo sem fim, produzida durante anos a fio de publicidade. A menos que entremos numa economia de guerra, a chamada à responsabilidade dos indivíduos é a prioridade. Os mecanismos econômicos conduzidos pela política terão um papel fundamental, mas serão, contudo secundários. A mudança deverá, portanto operar-se “por baixo”, para nos mantermos na esfera da democracia.

Edward Goldsmith afirma também que se nada for feito, apenas uma crise econômica mundial poderá retardar a crise ecológica global. A história demonstra que as crises raramente tiveram virtudes pedagógicas e que elas geram frequentemente conflitos armados. O humano em situações de perigo privilegia os seus instintos de sobrevivência, em detrimento da sociedade. A crise de 1929 levou, na Europa, ao poder a Hitler, os nazis, os fascistas, os franquistas, e, no Japão, os ultranacionalistas. As crises chamam os poderes fortes e todos os inconvenientes que eles geram. O objetivo consiste, pelo contrário, em evitar a regulação do caos. É por isso que este decrescimento deverá ser sustentável. Quer dizer que não deverá gerar crises sociais que ponham em risco a democracia e o humanismo. De nada serve preservar o ecossistema global se o preço for para a humanidade afundar do humano. Mas quanto mais tempo esperarmos para nos empenharmos no “decrescimento sustentável”, mais duro será o choque da prevenção do fim dos recursos, e maior será o risco de um regime eco-totalitário ou de entrarmos na barbárie.

Um exemplo de decrescimento caótico é a Rússia. Este país reduziu em 35% as emissões dos gases de Efeito Estufa desde a queda do Muro de Berlim. A Rússia se desindustrializa, ela passou de uma economia de superpotência a uma, em grande parte, de sobrevivência. Em termos puramente ecológicos, é uma proeza. Em termos sociais está bastante longe de ser o caso. Uma coisa parece certa: para atingir a “economia sã”, o decrescimento dos países ricos terá de ser durável.

Um exemplo: a energia

Mais de três quartos dos recursos energéticos que utilizamos hoje em dia são de origem fóssil, como o gás, o petróleo, o urânio, o carvão. São recursos não-renováveis, ou mais exatamente com uma taxa de renovação extremamente baixa. De qualquer forma, sem qualquer relação com uso atual. A economia sã nos impõe que paremos esta pilhagem. Devemos reservar estes preciosos recursos para usos vitais. Ainda por cima, a combustão destes recursos fósseis desagrega a atmosfera (Efeito Estufa e outras poluições). Quanto ao nuclear, além dos perigos nas instalações, produz detritos com vida infinita à escala humana (Plutônio 239, média de vida: 24 400 anos; Iodo 129, média de vida: 16 milhões de anos). O princípio da responsabilidade, que define a idade adulta, nos diz que não devemos desenvolver uma técnica que não controlamos. Não devemos deixar aos nossos descendentes um Planeta envenenado até ao final dos tempos.

Por outro lado, temos direito às energias “de rendimento”, ou seja, a solar, a eólica, e, em parte, a biomassa e um pouco da hidráulica. As duas últimas devem se repartir com outros usos que não apenas a produção de energia. Esse objetivo só é atingível graças a uma redução drástica do nosso consumo energético. Numa economia sã, a energia fóssil desaparece. Será reservada a usos de sobrevivência como os medicinais. Os transportes aéreos, os veículos a motor de propulsão estarão condenados a desaparecer. Eles devem ser substituídos pelos barcos à vela, a bicicleta, o comboio, a tração animal (apenas quando a alimentação dos animais for sustentável). Bem entendido, toda a nossa civilização será transformada por essa mudança na relação com a energia. Isto significa o fim das grandes superfícies de comércio com a valorização dos comércios locais e dos mercados; o fim dos produtos importados dando lugar aos objetos fabricados localmente; o fim das embalagens que se jogam fora para passarmos a usar recipientes reutilizáveis; o fim da agricultura intensiva motorizada valorizando assim a agricultura camponesa extensiva. O frigorífico será substituído por um quarto frio, a viagem às Antilhas por voltas de bicicleta na beira-mar; o aspirador pela vassoura; a alimentação carnívora por uma quase vegetariana, etc. Pelo menos durante o período de reorganização da nossa sociedade, a perda da energia fóssil levará a um aumento significativo do trabalho nos países ocidentais, e mesmo considerando uma redução grande do consumo. Não só deixaremos de ter a energia fóssil, mas a mão de obra barata dos países de Terceiro Mundo tampouco estará disponível. Nós teremos de recorrer à nossa energia muscular.

Um modelo econômico alternativo

Na escala do Estado, uma economia sã gerada democraticamente não poderá ser outra que o fruto de uma procura de equilíbrio constante entre as escolhas coletivas e as individuais. Ela necessita de um controle democrático da economia pela política e pelas escolhas de consumo dos indivíduos. Uma economia de mercado controlada pela política e pelo consumidor. Não podendo esquecer um do outro. Sucintamente, podemos imaginar um modelo econômico que se articula em 3 níveis:

• O primeiro seria uma economia de mercado controlada que evite todos os fenômenos de concentração. Seria, por exemplo, o fim do sistema de franchising. Todos os artesãos ou comerciantes seriam proprietários das suas ferramentas de trabalho e não poderiam possuir mais de que isso. Estes seriam os únicos a decidir os atos da sua atividade, em relação direta com a sua clientela. Esta economia de pequenas entidades, para além do seu caráter humanista, tem o mérito de não criar publicidade, o que é uma condição sine qua non para a realização do decrescimento sustentável.

• O segundo nível: a produção de equipamentos que necessitem investimento, existiria um capital misto público e privado, controlado pelos políticos.

• Por fim, o terceiro nível. Seriam os serviços públicos de base, não privatizáveis (acesso à água, à energia disponível, à educação e à cultura, aos transportes públicos, à saúde, à segurança).

Nós teremos de recorrer à nossa energia muscular.

A inserção de tal modelo levará a um comércio justo para todos. Esta regra simples levará ao fim da escravidão do neocolonialismo.

Um desafio aos “ricos”

Ao anunciar as medidas a tomar para entrarmos em decrescimento sustentável, a maioria dos cidadãos ficará incrédula. A realidade é demasiado cruel para ser admitida, pelo menos para a maior parte da opinião pública. Ela suscita uma reação de animosidade. É difícil se autoquestionar quanto à alienação imposta desde a infância pela criação do midiático publicitário da sociedade de consumo. Um coquetel estranhamente parecido com o Soma, droga euforizante descrita por Aldous Huxley no “Admirável Mundo Novo” (Brave New World, 1932, que anunciava um poder psicobiológico!). O mundo intelectual, demasiado ocupado para resolver algumas querelas bizantinas ou embebido pela ciência, terá também dificuldade em admitir que passou ao lado de um desafio da civilização tão importante. É difícil para os ocidentais imaginar outro modo de vida. Pior, não podemos esquecer que o problema não se coloca da mesma forma para a imensa maioria dos habitantes do globo. 80% dos humanos vivem sem automóvel, sem frigorífico ou ainda, sem telefone. 94% dos humanos nunca viajaram em avião. Devemos, então, sair da nossa posição de habitante dos países ricos para percepcionar o mundo em escala planetária e imaginar a humanidade como una e indivisível. Sem isso, seremos levados a pensar como Marie-Antoinette na véspera da Revolução Francesa, incapaz de imaginar deslocar-se sem a sua cadeira transportada por criados e oferecendo brioches àqueles que não tinham pão.

Fazer dieta

Cerca de um terço da população estadunidense é obesa. Os norte-americanos se lançaram na pesquisa do gene da obesidade para resolver este problema de forma científica. A boa solução é certamente adotar uma dieta mais saudável. Este comportamento é perfeitamente sintomático em nossa civilização. Antes de analisar o nosso modo de vida, procuramos uma fuga na ciência, através de soluções técnicas, para resolver os nossos problemas culturais. Além do mais esta fuga não faz mais do que acelerar o movimento destrutivo. De fato, mesmo que o decrescimento nos possa parecer impossível, a barreira está, sobretudo, nas nossas cabeças. Sair de um condicionamento ideológico fundado na crença, na ciência, no novo, no progresso, no consumo, no crescimento, condiciona esta evolução. A prioridade é se empenhar em escala individual, na simplicidade voluntária. A mudança em nós mesmos é que transformará o mundo.

Definindo um conceito do “desenvolvimento sustentável”: “o que permite atender às necessidades das gerações atuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de responder às suas necessidades”, então o termo apropriado para os países ricos é “decrescimento sustentável”.

Fonte: http://www.eco21.com.br/

Edição 162

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