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Padronização de método de concentração e extração de ácidos nucleicos em amostras de esgoto sanitário: uma ferramenta de baixo custo para ser utilizada na vigilância epidemiológica de SARS-CoV-2

Resumo

A vigilância da qualidade dos esgotos sanitários pode representar uma ferramenta complementar para monitoramento de doenças infecciosas e prevenção de surtos epidêmicos, especialmente quando a capacidade para testes clínicos é limitada. Dessa maneira, o presente estudo descreve o detalhamento técnico de um método de baixo custo para a concentração e extração de ácidos nucleicos de amostras de esgoto sanitário como etapa prévia para a detecção de vírus e outros agentes patogênicos. Para validar a metodologia proposta, após as etapas de concentração e extração, analisaram-se a presença do ácido ribonucleico do SARS-CoV-2 (COVID-19) nas amostras, por meio de reação em cadeia da polimerase em tempo real. O ácido ribonucleico do vírus foi detectado em 80% das amostras de esgoto sanitário analisadas, comprovando o êxito do procedimento metodológico adotado. A detecção precoce de um patógeno associado ao trabalho de equipes multidisciplinares possibilita a prática da vigilância epidemiológica, que auxilia na tomada de decisões na Saúde Única — união indissociável entre a saúde animal, humana e ambiental.

Introdução

A pandemia da COVID-19 tem como agente etiológico o coronavírus SARSCoV-2 de origem zoonótica, que tem alta similaridade genética com espécies de coronavírus de morcegos, de forma similar aos coronavírus causadores da Síndrome Respiratória Aguda do Oriente Médio (MERS) e do SARS-CoV-1.

A COVID-19, que já resultou em milhares de óbitos em todo o mundo desde sua identificação na China em dezembro de 2019, constitui-se em um exemplo de emergência de uma zoonose decorrente de ação antrópica, de difícil contenção por sua forma de transmissão (humano a humano por via aérea) e características biológicas. Além da variabilidade nos sintomas, como tosse, febre, dificuldade para respirar, dor de garganta, diarreia e pneumonia, há grande quantidade de indivíduos assintomáticos transmissores do vírus, de modo que a detecção da circulação do vírus e a quarentena são fundamentais para o controle de sua disseminação. A presença de ácidos nucleicos do SARS-CoV-2 foi relatada em fezes e urina de indivíduos infectados e por esse motivo vem sendo avaliada também em esgotos sanitários.

No entanto, a via fecal-oral não foi confirmada como rota de transmissão do vírus (CHERNICHARO et al., 2020a; FIOCRUZ, 2020; MEDEMA et al., 2020; NEMUDRY et al., 2020; OPAS, 2020; SUN et al., 2020; WU et al, 2020b; XU et al., 2020; ZHANG et al., 2020).

Nesse contexto, a epidemiologia baseada em águas residuárias (wastewater-based epidemiology — WBE) é uma abordagem inovadora que permite a obtenção de informações sobre a presença de patógenos em grupos populacionais por meio da análise dos dejetos, sendo uma ferramenta proposta em 2001 e aplicada a partir de 2005 de modo a complementar as técnicas existentes para estimar o uso de drogas em uma dada população (KASPRZYK HORDERN et al., 2014; LU et al., 2020). Atualmente essa ferramenta está sendo utilizada para a vigilância epidemiológica, servindo como um instrumento para planejamento, organização e operacionalização dos serviços de saúde, bem como para a normatização de atividades técnicas relacionadas, o que permite o monitoramento e a avaliação da situação de saúde no território, além de apoiar as decisões da gestão (BRASIL, 2006; BRASIL, 2009; LU et al., 2020).

Geralmente, a etapa limitante nas análises moleculares para a detecção de vírus e outros agentes patogênicos no esgoto sanitário é a de concentração primária. Esgoto sanitário pode ser considerado como aquele que provém principalmente de residências, estabelecimentos comerciais, instituições ou quaisquer edificações que disponham de instalações de banheiros, lavanderias e cozinhas, sejam elas urbanas ou rurais. Compõe-se essencialmente de água de banho, excretas, sabão, detergentes e águas de lavagens. As urinas e fezes, além de outros compostos que podem ocorrer nos esgotos sanitários, constituem 0,1% das impurezas, sendo o restante (99,9%) essencialmente água. O material genético dos vírus e outros microrganismos encontra-se, portanto, muito diluído nessa matriz (TCHOBANOGLOUS et al., 2013).

A efetividade da WBE depende da qualidade dos dados de quantificação dos microrganismos patogênicos, que por sua vez depende da qualidade do produto da concentração primária da amostra (LU et al., 2020). No caso de um vírus com genoma constituído de ácido ribonucleico (RNA), como o SARS-CoV-2, uma nanopartícula de fácil degradação nas condições do esgoto sanitário, a recuperação por concentração torna-se ainda mais difícil. Os principais métodos utilizados para a concentração primária de amostras podem ser divididos em três grandes grupos: adsorção (VIruses ADsorption-ELution — VIRADEL), ultrafiltração e precipitação/separação de fases.

Os métodos de VIRADEL, baseados na filtração em membranas eletrostaticamente carregadas (eletronegativas e eletropositivas), embora sejam muito utilizados para a concentração primária de amostras, têm apresentado algumas desvantagens quando aplicados às amostras de esgoto sanitário. Os compostos orgânicos dissolvidos nas amostras também sofrem adsorção, promovendo a colmatação prematura das membranas e reduzindo a eficiência de recuperação dos vírus (LU et al., 2020). Ahmed et al. (2020) não verificaram a influência negativa da matéria orgânica no pré-tratamento da amostra, mas recomendaram estudos complementares e a adaptação de outros métodos para aumentar a eficiência de recuperação dos vírus.

Os métodos de ultrafiltração já demonstraram adequada eficiência de concentração, especialmente nos equipamentos de fluxo tangencial. No entanto, esses equipamentos são normalmente grandes, imóveis e não se encontram prontamente disponíveis na maioria dos laboratórios de saneamento.

Além disso, uma quantidade limitada de estudos demonstrou a aplicabilidade e a viabilidade de tais métodos para a concentração do SARS-CoV-2 (LU et al., 2020). Os métodos de precipitação, baseados na utilização de polietilenoglicol (PEG), têm demonstrado excelente desempenho na concentração do vírus para amostras de esgoto sanitário, possibilitando excelente recuperação (LU et al., 2020; WU et al., 2020a).

Esses métodos ainda oferecem excelente custo- -benefício, uma vez que a maioria dos equipamentos e insumos utilizados é normalmente encontrada em laboratórios de saneamento. LU et al. (2020), após analisarem 18 relevantes trabalhos sobre detecção de SARs-CoV-2 no esgoto sanitário, recomendaram o método de precipitação com PEG, especialmente para maiores volumes de amostras e maiores níveis de matéria orgânica e turbidez.

Dessa maneira, o presente manuscrito tem por objetivo compartilhar um método de concentração e extração de ácidos nucleicos para amostras de esgoto sanitário, baseado no método de precipitação com PEG, de baixo custo e que permite a detecção e a quantificação de RNA de SARS-CoV-2 por transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR) em tempo real.

O método proposto pode fornecer uma ferramenta complementar à vigilância epidemiológica para o monitoramento de patógenos circulantes e de doenças emergentes/reemergentes.

Autores: Aline Diniz Cabral, Ieda Carolina Mantovani Claro, Matheus Ribeiro Augusto, Veronica Nikoluk Friolani, Cintia de Espindola Bezerra, Melissa Cristina Pereira Graciosa, Fernando Luiz Affonso Fonseca, Marcia Aparecida Speranca, Rodrigo de Freitas Bueno.

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