BIBLIOTECA

Operação de filtros biológicos percoladores pós-reatores UASB sem a etapa de decantação secundária

Eng. Sanit. Ambient. vol.16 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2011

http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522011000300010

 peração de filtros biológicos percoladores pós-reatores UASB sem a etapa de decantação secundária

Operation of trickling filters post-UASB reactors without the secondary sedimentation stage

Paulo Gustavo Sertório de AlmeidaI; Sílvia Corrêa OliveiraII; Carlos Augusto de Lemos ChernicharoIII

IDoutorando do Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (EE-UFMG)
IIProfessora Adjunta do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da EE-UFMG
IIIProfessor associado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da EE-UFMG

Endereço para correspondência

RESUMO

 

A pesquisa teve por objetivo avaliar filtros biológicos percoladores (FBP) pós-reatores UASB operando sem a etapa de decantação secundária, em termos da remoção da demanda bioquímica e química de oxigênio (DBO e DQO) e sólidos suspensos totais (SST). O aparato experimental consistia em um reator UASB que alimentava quatro FBP em paralelo, preenchidos com diferentes materiais suporte. O reator UASB operou em regime hidráulico permanente, e três condições operacionais foram impostas aos FBP durante o período experimental. Em geral, os sistemas UASB/FBP foram capazes de promover o atendimento aos padrões de lançamento. Em condições de baixas cargas orgânicas volumétricas (COV), o uso de materiais de enchimento de maior área superficial específica não proporcionou ganhos expressivos em termos de desempenho. Contudo, o uso de meio suporte baseado em espumas de poliuretano propiciou melhoria significativa na qualidade do efluente final. O uso de sistemas UASB/FBP sem decantadores secundários parece ser uma promissora alternativa para a simplificação operacional da tecnologia, e uma importante estratégia para o tratamento de efluentes domésticos em países em desenvolvimento. No entanto, o sucesso do emprego desta tecnologia fica condicionado ao correto gerenciamento do lodo anaeróbio do reator UASB, a fim de que sejam evitadas sobrecargas nos FBP.

Palavras-chave: esgoto doméstico; filtro biológico percolador; operação sem decantadores secundários; pós-tratamento; reator UASB.

ABSTRACT

The research aimed at evaluating the operation of trickling filters (TF) post-UASB reactors without the secondary sedimentation stage, in terms of biochemical and chemical oxygen demand (BOD and COD) and total suspended solids (TSS) removal. The experimental apparatus consisted of one UASB reactor followed by four TF in parallel, each one filled with a different packing media. The UASB reactor was operated at a permanent hydraulic regime, while three operational conditions were imposed to the TF during the experimental period. In general, the UASB/TF systems were able to comply with the discharge standards. At low organic loading rates (OLR), no improvements in terms of organic matter removal, with the use of higher surface area packing media were observed. However, the use of a sponge-based packing media provided significant improvements on final effluent quality. The use of UASB/TF systems without secondary sedimentation can constitute an attractive alternative in terms of operational simplification of this technology, and an important strategy for domestic wastewater treatment in developing countries. However, the success of this technology is strictly connected to the correct anaerobic sludge management of the UASB reactor, in order to avoid overloads on the TF.

Keywords: domestic wastewater; trickling filter; operation without secondary settlers; post-treatment; UASB reactor.

Introdução

Diante das possibilidades de combinação sequencial dos sistemas anaeróbios e aeróbios, a associação de reatores UASB e filtros biológicos percoladores (FBP) torna-se uma alternativa atraente, uma vez que os FBP possuem vantagens relevantes em relação a outros sistemas aeróbios. Podem ser destacadas a baixa demanda energética e a menor complexidade em termos de equipamentos, resultando em maior simplicidade operacional. Ademais, tal concepção tecnológica apresenta notável robustez a choques de carga e toxicidade por parte da biomassa, sendo essa uma típica característica dos sistemas com biofilmes. Além destas vantagens, vale destacar que a qualidade do efluente final produzido por sistemas UASB/FBP pode ser extremamente compatível com o atendimento a padrões de lançamento de efluentes em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, onde tal combinação tem sido amplamente aplicada em algumas regiões.

Nos FBP, assim como em qualquer sistema com biofilme, os micro-organismos se desenvolvem em meio a uma matriz biológica aderida a uma superfície. Como resultado, a depender das condições operacionais impostas, é possível obter baixas concentrações de sólidos suspensos no efluente final, mesmo sem uma unidade de decantação secundária (SILVA; GONÇALVES, 2004).

A principal desvantagem associada ao sistema refere-se aos custos de implantação que, por sua vez, podem superar ligeiramente os custos de implantação dos sistemas UASB/lodos ativados (CHERNICHARO et al.,2005). Contudo, Chernicharo et al. (2005) mostram que, quando considerados os custos de operação associados às tecnologias de tratamento investigadas (valor presente – dez anos), o custo total das unidades reacionais que constituem o sistema UASB/FBP passa a ser substancialmente menor, principalmente em função da menor demanda energética atribuída ao sistema UASB/FBP.

Considerando as principais vantagens associadas aos sistemas UASB/FBP (menor demanda energética e maior simplicidade operacional), tal tecnologia tem sido frequentemente incluída em estudos de concepção de estações de tratamento de esgoto doméstico (ETE) no contexto do Brasil, sendo tal combinação possivelmente aplicável em outros países em desenvolvimento (KASSAB et al., 2010; LETTINGA, 2010). No entanto, no contexto de pequenas comunidades, ou em locais em que a operação de reatores é realizada por pessoal menos qualificado, algumas simplificações operacionais podem ainda ser necessárias. A possibilidade de otimização do fluxograma típico dos sistemas UASB/FBP, com a eliminação da etapa de decantação secundária, insere-se como uma potencial opção.

Recentes pesquisas com sistemas UASB/FBP de menor porte (população equivalente: 300 a 500 habitantes) vêm apontando tendências positivas quanto ao emprego da tecnologia, sem que haja necessidade da inclusão de uma etapa de decantação secundária no fluxograma típico da ETE (PONTES; CHERNICHARO, 2006; CHERNICHARO; ALMEIDA, 2010). Tandukar et al. (2006), em uma pesquisa de longo termo, apresentaram resultados promissores de um sistema UASB seguido por FBP preenchido com meio suporte baseado em espumas de poliuretano, denominado Downflow Hanging Sponge, em que as eficiências de remoção de demanda bioquímica de oxigênio (DBO) e sólidos suspensos totais (SST) estiveram em torno de 95 e 70%, respectivamente. Outro importante aspecto observado em tais pesquisas é que as condições necessárias para a operação de sistemas UASB/FBP, sem decantadores secundários, parecem se assemelhar às condições operacionais requeridas para que a nitrificação ocorra de forma mais destacada no sistema (ALMEIDA et al.,2009).

Definitivamente, a possibilidade de atendimento aos padrões de lançamento, sem o uso de decantadores secundários, pode tornar o sistema ainda mais atraente, sob o ponto de vista de simplicidade operacional. A eliminação da etapa de decantação secundária resulta, por consequência, na desnecessidade do uso de elevatórias de recirculação para o encaminhamento do lodo secundário ao reator UASB, para adensamento e digestão, e ainda propicia menor consumo de condicionantes químicos na etapa de desaguamento do lodo anaeróbio, nos casos de ETE que utilizam unidades de desidratação mecanizada. Ressalta-se que os custos de implantação de decantadores secundários são via de regra expressivos e podem alcançar aproximadamente 70% dos custos de implantação de FBP pós-reatores UASB (CHERNICHARO; ALMEIDA, 2010).

Considerando as promissoras possibilidades e as potencialidades observadas para a combinação UASB/FBP, o objetivo do presente trabalho é apresentar o desempenho de quatro FBP de pequena altura, pós-reatores UASB, preenchidos com diferentes tipos de materiais suportes, operando sem a etapa de decantação secundária. Adicionalmente, uma breve discussão sobre o papel das etapas anaeróbias e aeróbias na qualidade do efluente final e a importância do controle operacional de reatores UASB no desempenho de sistemas UASB/FBP sem a etapa de decantação secundária são apresentados.

Metodologia

Descrição do aparato experimental

A pesquisa foi desenvolvida em um sistema UASB/FBP em escala de demonstração, com capacidade para atender a uma população equivalente a 500 habitantes. O aparato experimental foi instalado no Centro de Pesquisa e Treinamento em Saneamento (CePTS), junto a uma ETE em escala plena. Dessa forma, durante os experimentos, o sistema foi alimentado com o esgoto municipal, após passar por etapas de gradeamento e desarenação.

O aparato experimental compreendia um reator UASB (volume: 22,1 m3), um FBP (com quatro compartimentos reacionais independentes) e quatro decantadores secundários (um para cada compartimento do FBP), conforme mostrado na Figura 1. Para atender aos objetivos desta pesquisa, os efluentes finais dos sistemas investigados eram amostrados antes da etapa de decantação secundária. Os FBP foram submetidos às mesmas condições operacionais e ambientais, em termos de qualidade afluente do esgoto bruto e temperatura.

O monitoramento do sistema procedeu-se a partir de amostragens compostas efetuadas no decorrer de 24 horas, com o uso de bombas peristálticas de pequena vazão, com frequência semanal ou de duas vezes por semana. As análises físico-químicas foram realizadas de acordo com os procedimentos prescritos no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (AWWA/APHA/WEF, 2005).

Reator UASB

O sistema em escala de demonstração possuía diâmetro de 2,5 m, altura útil de 4,5 m e volume útil de 22,1 m3. As condições operacionais médias do reator UASB durante a pesquisa foram: vazão afluente de 2,88 m3.h-1; tempo de detenção hidráulica (TDH) igual a 7,0 h; velocidade ascensional de 0,65 m.h-1.

FBP utilizado como pós-tratamento dos efluentes do reator UASB

O FBP consistia em um tanque cilíndrico em aço-carbono, com 2,10 m de diâmetro e 2,5 m de altura útil, dividido em quatro compartimentos individualizados e preenchidos por materiais suporte com características distintas. Portanto, em uma mesma unidade cilíndrica, foram testados simultaneamente quatro FBP preenchidos com diferentes materiais: escória de alto-forno; apara de conduíte corrugado – diâmetro 1”; meio suporte sintético (anéis plásticos) e sistema Downflow Hanging Sponge (DHS). A Tabela 1 apresenta as principais características dos meios suportes utilizados na pesquisa.

Características operacionais impostas ao sistema UASB/FBP

As condições operacionais do reator UASB em termos de vazão e TDH foram mantidas praticamente constantes ao longo do experimento. Dessa forma, apenas os FBP foram submetidos a diferentes condições operacionais, a partir da variação da vazão e, consequentemente, das taxas de aplicação superficiais (TAS) e cargas orgânicas em cada fase do experimento. O efluente do reator UASB era bombeado para o topo dos FBP e distribuído equanimemente em cada unidade, por meio de um braço rotatório com velocidade aproximada de 1 rpm. A Tabela 2 apresenta as condições operacionais impostas aos FBP no âmbito da pesquisa.

Padrões de lançamento

Os padrões de lançamento utilizados para avaliar o desempenho dos sistemas UASB/FBP foram: 60 mgDBO.L-1; 180 mgDQO.L-1; e 100 mgSST.L-1). Tais parâmetros são similares aos padrões de lançamento utilizados em outros países em desenvolvimento (ESPINO et al.,1994; WANNER et al., 1996; OAKLEY et al., 2000; RAGAS et al., 2005).

Produção de sólidos

A produção de sólidos nos sistemas UASB/FBP foi determinada considerando-se a abordagem apresentada por Gonçalves et al. (2001). Dessa forma, os coeficientes de produção de lodo foram obtidos considerando-se a massa de DQOtotal removida nos FBP e a massa de SST, observada no efluente final.

Resultados e discussão

Cargas orgânicas volumétricas aplicadas aos FBP durante o período operacional

As cargas orgânicas volumétricas (COV) aplicadas durante o período operacional variaram de 0,20 a 0,65 kgDBO.m-3.d-1, em 457 dias operacionais (Figura 2a), com 50% das COV abaixo de 0,30 kgDBO.m-3.d-1 e 80% das COV abaixo de 0,40 kgDBO.m-3.d-1. A maior variabilidade em termos de COV pode ser observada na fase 1 (0,26-0,65 kgDBO.m-3.d-1). Durante a fase 3, foram observadas as menores COV aplicadas, resultando em uma COV média de 0,26 kgDBO.m-3.d-1 (Figura 2b).

Desempenho dos sistemas UASB/FBP e atendimento aos padrões de lançamento de efluentes

Considerando o período operacional, os sistemas UASB/FBP foram capazes de manter as concentrações efluentes consistentemente abaixo dos padrões de lançamento estabelecidos por este estudo, independentemente das condições operacionais impostas (Figuras 3a3b3c) e do material de enchimento utilizado nos FBP. Praticamente 80 a 100% dos resultados estiveram abaixo dos padrões de lançamento, como mostram as Figuras 3def. As concentrações da DBO estiveram consistentemente abaixo de 50 mgDBO.L-1 em praticamente todos os casos, exceto para o sistema UASB/FBP-(anéis plásticos). A combinação de fatores como o potencial de molhamento do meio suporte, dada as condições operacionais impostas (baixa TAS), a configuração do meio suporte e um possível maior índice de vazios podem ter simultaneamente contribuído para tal comportamento no sistema UASB/FBP-(anéis plásticos). Nesse caso, o uso de material suporte com maior área superficial específica não promoveu melhorias de desempenho ao sistema UASB/FBP, com relação ao parâmetro DBO. Tal aspecto tem sido semelhantemente reportado ao longo dos anos, em pesquisas realizadas com FBP pós-decantadores primários recebendo cargas orgânicas volumétricas (COV) abaixo de 1,0 kgDBO. m-3.d-1 (TCHOBANOGLOUS et al., 2003).

Para os parâmetros DQO e SST, observou-se que as concentrações efluentes estiveram abaixo de 150 mgDQO.L-1e 80 mgSST.L-1 em praticamente 100% dos casos, e as concentrações medianas estiveram abaixo de 100 mgDQO.L-1 e 60 mgSST.L-1, respectivamente. Destaque para o sistema UASB/FBP-(DHS), que obteve as menores concentrações medianas de DQO e SST. Caso a COV aplicada ao FBP preenchido com o sistema DHS tivesse sido calculada com base no volume de espuma (volume reacional efetivo), a COV aplicada ao sistema DHS seria o dobro daquela aplicada nos outros FBP. O melhor desempenho do sistema UASB/FBP-(DHS) pode estar associado ao maior potencial de retenção de sólidos e a maior idade do lodo no FBP-(DHS), em comparação com os demais sistemas. Tandukar et al. (2006) relatam uma idade do lodo entre 90 e 100 dias, e tempo de detenção do líquido de aproximadamente duas horas em um sistema DHS pós-reator UASB. Tais resultados mostram que as estratégias para a retenção da biomassa no sistema DHS, bem como os mecanismos físicos que regem o fluxo de substratos no interior do reator, podem ser significativamente diferentes em comparação aos demais sistemas de pós-tratamento investigados.

Como mostra a Figura 4, as eficiências de remoção de DBO, em geral, estiveram praticamente acima de 80% para os sistemas, exceto para o UASB/FBP-(DHS), para o qual as eficiências observadas estiveram próximas a 90% ou superaram esse valor. Em termos de remoção de DQO e SST, os sistemas atingiram desempenhos em torno de 70 e 80%. O sistema UASB/FBP-(Anéis plásticos) parece ter apresentado maior variabilidade de concentrações efluentes de SST, em comparação com os demais sistemas testados. Tal fato reforça o possível menor potencial de retenção de sólidos no sistema FBP-(anéis plásticos), como mencionado.

Em geral, dadas as condições operacionais impostas no período operacional (aplicação de baixas COV nos FBP), pode ser observado que nenhum ganho expressivo foi obtido com o uso das aparas de conduíte e anéis plásticos para a remoção de matéria orgânica (Figura 4). Comportamento semelhante pode ser observado em FBP de baixa carga pós-decantadores primários, nos quais o uso de materiais com maior área superficial específica pode não proporcionar melhoria global de desempenho do sistema UASB/FBP.

Diferenças estatísticas de desempenho entre os sistemas UASB/FBP

Com o objetivo de detectar diferenças significativas no desempenho dos sistemas UASB/FBP, utilizou-se o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis, seguido pelo teste de comparações múltiplas, ao nível de significância (α) de 5%. De acordo com os resultados obtidos, o sistema UASB/FBP-(DHS) apresentou o melhor desempenho para a remoção de DBO e DQO, sendo que as eficiências globais de remoção (UASB+FBP) foram significativamente diferentes em comparação com os demais sistemas, os quais não apresentaram diferenças significativas de desempenho entre si. Tal fato reforça a potencialidade do uso de espumas de poliuretano como material de enchimento em FBP pós-reatores UASB para a melhoria da qualidade do efluente final, uma vez que o aumento da área superficial específica parece não promover melhorias significativas de desempenho em FBP recebendo efluentes com baixas concentrações de matéria orgânica, como discutido anteriormente.

Em termos de concentrações efluentes de SST, os resultados do teste indicaram não haver diferenças significativas entre os desempenhos dos sistemas UASB/FBP-(DHS) e UASB/FBP-(conduíte). Os demais sistemas não apresentaram, entre si, diferenças significativas para remoção de SST. A configuração das aparas de conduíte (material corrugado) pode ter influenciado na retenção e remoção de sólidos (fração orgânica) em tal sistema.

Considerando a associação entre o elevado custo dos anéis plásticos e aparas de conduíte, bem como a baixa expressividade em termos de melhoria da qualidade do efluente final para a remoção de matéria orgânica, tais materiais de enchimento possivelmente só atenderão aos critérios para seleção de materiais de enchimento no caso de FBP de menor escala. Vale ressaltar novamente que tal aspecto foi verificado neste trabalho para FBP pós-reatores UASB, operados em condições de baixas COV aplicadas.

Resultados observados em fases operacionais com diferentes TAS e COV aplicadas

Uma análise dos resultados foi realizada separadamente com os dados das fases 1 (TAS: 20 m3.m-2.d; COV: 0.44 kgDBO.m-3.d-1) e 3 (TAS: 10 m3.m-2.d; COV: 0.26 kgDBO.m-3.d-1), respectivamente. O objetivo foi avaliar o comportamento do sistema, em condições de menores e maiores TAS e COV. A Figura 5 apresenta os resultados obtidos nas fases operacionais 1 e 3.

Durante a fase 1, momento em que foram aplicadas as maiores COV, os sistemas UASB/FBP foram igualmente capazes de atender consistentemente aos padrões de lançamento. Para os FBP preenchidos por escória, anéis plásticos e aparas de conduíte, as concentrações efluentes estiveram entre 25 e 50 mgDBO.L-1, 73 e 150 mgDQO.L-1 e 27 e 102 mgSST.L-1, considerando os percentis 20 e 80%, respectivamente. O sistema UASB/TF-(DHS) obteve eficiência de remoção acima da eficiência obtida pelos demais sistemas, e as concentrações efluentes médias estiveram em torno de 23 mgDBO.L-1, 69 mgDQO. L-1 e 38 mgSST. L-1.

Contudo, na fase operacional 1, principalmente para o parâmetro SST, foram observados dois comportamentos nos sistemas (Figura 5c): maior variabilidade em termos de concentrações efluentes para as concentrações de SST; e maior similaridade entre as concentrações efluentes de SST do reator UASB e FBP. Nesse caso, a maior COV aplicada em termos de DBO e SST, bem como a possível maior tensão de cisalhamento proporcionada pela maior TAS utilizada na fase 1, podem ter sido os principais fatores que resultaram nos aspectos relatados. Adicionalmente, maior produção de lodo foi observada durante a fase 1, como evidencia o item a seguir.

Os melhores resultados foram obtidos durante a fase 3 (TAS: 10 m3.m-2.d-1; COV: 0,26 kgDBO.m-3.d-1), tendo em vista o uso de menores TAS e COV nos FBP. Em geral, foi observado um aumento das eficiências de remoção de DQO e SST, principalmente para os sistemas de biomassa superficialmente aderida (UASB/FBP – escória, anéis plásticos e aparas de conduíte). As concentrações médias efluentes de DBO, DQO e SST estiveram abaixo de 35 mgDBO.L-1, 85 mgDQO.L-1 e 38 mgSST.L-1, respectivamente.

Com relação ao sistema UASB/FBP-(DHS), observou-se menor efeito da redução das TAS e COV na melhoria da qualidade do efluente final em relação a todos os parâmetros (Figura 5). Dessa forma, considerando a faixa de operação testada, a redução das COV aplicadas no sistema UASB/TF-(DHS) parece não ter sido uma estratégia relevante para o aumento dos percentuais de atendimento dos padrões de lançamento considerados, principalmente para o parâmetro DBO. Tal aspecto pode ser um fator de grande importância sob o ponto de vista econômico, para o uso do referido sistema.

Contudo, mesmo nos casos em que a influência de COV é menos expressiva [por exemplo: remoção de DBO e sistema UASB/FBP-(DHS)], os aspectos de estabilidade e confiabilidade para o uso de maiores COV aplicadas devem ser avaliados.

Produção de sólidos

Durante a fase 1 (TAS: 20 m3.m-2.d-1; COV: 0,44 kgDBO.m-3.d-1), foi observada maior produção de sólidos em todos os sistemas UASB/FBP, sendo que, nos sistemas UASB/FBP em que a biomassa cresce superficialmente aderida ao meio suporte dos FBP [UASB/FBP-(escória de alto forno), UASB/FBP-(anéis plásticos), UASB/FBP-(conduíte)] foram observados valores em torno de 0,8 e 1,0 kgSST/kgDQOremovida. O sistema UASB/FBP-(DHS) apresentou notável diferença em relação aos demais sistemas testados, com produção média de lodo de 0,47 kgSST/kgDQOremovida. A Tabela 3 apresenta os resultados da produção média de lodo nas fases operacionais testadas.

Durante a fase 3 (TAS: 10 m3.m-2.d-1; COV: 0,26 kgDBO.m-3.d-1), foram observados os menores coeficientes de produção de lodo. Para o sistema UASB/FBP-(DHS), a produção média foi de 0,32 kgSST/kgDQOremovida. Para os demais sistemas, tal coeficiente esteve em torno de 0,40 a 0,50 kgSST/kgDQOremovida. De acordo com os resultados apresentados, a redução da TAS e COV parece ter exercido maior influência na produção de lodo dos sistemas em que a biomassa cresce na superfície do meio suporte dos FBP. Tal afirmação reside no fato de que a produção de lodo foi reduzida praticamente à metade, quando as condições operacionais impostas foram também reduzidas próximas à metade (redução da TAS de 20 para 10 m3.m-2.d-1; redução da COV de 0,44 para 0,26 kgDBO.m-3.d-1).

A menor produção de lodo observada durante a fase 3 pode estar associada a uma maior estabilidade do biofilme, tendo em vista a menor disponibilidade de substrato para o crescimento da biomassa e as possíveis menores tensões superficiais de cisalhamento sobre a matriz microbiana, promovida pela redução da taxa de aplicação superficial. No FBP-(DHS), a influência da TAS tende a atuar ainda em menor intensidade, uma vez que, neste sistema, o efluente percola pelo interior da espuma, e a biomassa se desenvolve notavelmente também nos interstícios do material. A menor produção de sólidos pelo sistema UASB/FBP-(DHS) foi observada em todas as fases operacionais. Tandukar et al. (2006) sugerem que a baixa produção de lodo no sistema DHS é também o resultado da utilização da fração biodegradável dos sólidos como fonte de carbono para o processo de desnitrificação no interior das espumas.

Como mostram os resultados desta pesquisa, o uso de espumas de poliuretano em FBP pode atribuir maior robustez ao sistema em casos de sobrecargas hidráulica e/ou orgânica. Portanto, nos locais onde as cargas afluentes tendem a variar consideravelmente em determinadas épocas do ano, como em regiões turísticas, tal sistema pode ser, a princípio, de grande aplicabilidade, dada a sua aparente robustez em absorver choques de carga.

Controle operacional de reatores UASB e o uso de sistemas UASB/FBP sem etapa de decantação secundária para o tratamento do esgoto doméstico

Nos sistemas UASB/FBP operando sem clarificadores, as concentrações de SST no efluente do reator UASB e no efluente final parecem assumir semelhante tendência, conforme mostram as Figuras 3c e f. Portanto, em termos de remoção de SST, o desempenho do sistema UASB/FBP pode ser extremamente influenciado pelo gerenciamento do lodo na etapa anaeróbia.

Figura 6 apresenta os resultados operacionais de uma ETE em escala plena (UASB/FBP: 60.000 habitantes) e do sistema UASB/FBP-(DHS) testado na presente pesquisa. Em ambos os sistemas, as amostras do efluente final analisadas foram tomadas antes da etapa de decantação secundária. Pode ser observado que as concentrações de SST no efluente final tendem a ser influenciadas pelo aporte de sólidos, advindo do reator UASB, independentemente do meio suporte utilizado (aderência superficial, no caso de pedra britada, ou com a possibilidade de aderência intersticial, no caso do sistema DHS). Tal aspecto passa ser mais evidente quando as concentrações de SST no efluente do reator UASB tendem a aumentar.

Portanto, considerando como exemplo o padrão de lançamento de 100 mgSST.L-1, a operação dos reatores UASB deve ser realizada de forma a manter as concentrações efluentes de SST consistentemente abaixo de tal valor. Nos casos em que o sistema opera sem o uso de decantadores secundários, a avaliação do aumento do tempo de detenção do líquido, no reator UASB, deve ser um aspecto a ser considerado, de forma que seja possível garantir maior estabilidade dos reatores UASB, no que se refere à concentração efluente de sólidos. Contudo, o adequado gerenciamento do lodo anaeróbio nesses sistemas passa a ser uma condição de especial prioridade, e, de fato, o aspecto mais fundamental.

Breve discussão sobre o papel das etapas anaeróbia e aeróbia em sistemas UASB/FBP

Como mostram os resultados apresentados nas Figuras 3 e 5, as maiores parcelas de DBO, DQO e SST foram removidas no reator UASB, com eficiências de remoção em torno de 60 a 70%. Tal desempenho propiciado pela etapa anaeróbia representa, portanto, cerca de 70 a 90% da remoção de DBO e DQO em relação à eficiência global observada para os sistemas UASB/FBP investigados.

A elevada remoção de matéria orgânica presente no esgoto bruto em etapa anaeróbia de sistemas sequenciais, compostos por reatores anaeróbios seguidos de pós-tratamento, tem sido reconhecida e amplamente reportada em vários trabalhos, conforme apresentado por Kassab et al. (2010). Em sistemas UASB/FBP operando sem a unidade de decantação secundária, os resultados de Almeida et al. (2008) e Chernicharo e Almeida (2010) mostram que os FBP tendem a assumir a função de “etapa de polimento em termos de remoção de matéria orgânica”, uma vez que o reator UASB é responsável pela remoção da maior parcela de DBO, DQO e SST.

Dada a notável potencialidade dos reatores UASB em reduzir os teores de matéria orgânica, presentes no esgoto doméstico bruto, os FBP pós-reatores UASB podem ser destinados de forma mais evidente à remoção de outros constituintes presentes nos esgotos, como o N-amoniacal e os surfactantes aniônicos, a depender da aplicação de menores COV em tais unidades de pós-tratamento.

Conclusões

Os resultados obtidos a partir da operação de quatro sistemas UASB/FBP reforçam a promissora potencialidade de operação de tal tecnologia, sem o uso de uma etapa de decantação secundária, para o tratamento de efluentes domésticos. A qualidade dos efluentes finais produzidos pelos sistemas investigados via de regra foram capazes de atender consistentemente aos padrões de lançamento para DBO, DQO e SST, nos quais este estudo se baseou. Contudo, para que fosse possível operar o sistema sem o uso de clarificadores, as COV nos FBP foram mantidas entre 0,30 e 0,40 kgDBO.m-3.d-1, em 50 a 80% dos casos.

Com relação aos materiais de enchimento utilizados, observou-se que, em condições de baixas COV aplicadas nos FBP, nenhum ganho expressivo em termos de desempenho foi obtido com o uso de materiais de enchimento de maior área superficial específica (por exemplo, anéis plásticos e aparas de conduíte). Tais resultados confirmam a tendência já observada para FBP pós-decantadores primários de que o uso de meios suportes, com maiores áreas superficiais específicas em FBP de baixa carga, não parece ser uma alternativa eficaz para a melhoria da qualidade do efluente final. Nesse caso, considerando os meios suportes randômicos, o uso de escória de alto-forno parece ainda ser uma boa opção para sistemas UASB, seguidos por FBP de pequena altura (2,50 m).

A melhoria da qualidade do efluente final foi alcançada quando um meio suporte, baseado em espumas de poliuretano (sistema DHS), foi utilizado no FBP pós-reator UASB. Neste caso, o desempenho do sistema UASB/FBP-(DHS) apresentou-se significativamente melhor em relação aos demais sistemas, e ainda com menor efeito da variação das TAS e COV na qualidade do efluente final. Adicionalmente, foi observada menor produção de lodo nas fases operacionais (0,32-0,47 kgSST/kgDOQremovida) para tal sistema. Isto reforça a potencialidade de uso de espumas de poliuretano como material de enchimento, sendo essa uma promissora alternativa para a melhoria da qualidade do efluente final produzido por sistemas UASB/FBP, principalmente nos casos em que a operação sem decantadores secundários é desejada.

Adicionalmente, os resultados obtidos por esta pesquisa confirmam as expectativas de que a etapa anaeróbia exerce papel fundamental no processo de remoção da matéria orgânica em sistemas sequenciais, compostos por reatores anaeróbios seguidos de pós-tratamento. Neste estudo, o desempenho observado para remoção de matéria orgânica na etapa anaeróbia representou cerca de 70 a 90% da remoção de DBO e DQO, em relação à eficiência global dos sistemas UASB/FBP investigados.

Considerando a notável importância da etapa anaeróbia para o desempenho global do sistema, vale destacar que, mesmo que a operação de sistemas UASB/FBP sem decantadores secundários seja uma excelente alternativa para a simplificação da tecnologia, o adequado gerenciamento do lodo anaeróbio nesses sistemas certamente passa a ser uma condição de especial prioridade, uma vez que as concentrações de SST no efluente final do FBP tendem a ser bastante influenciadas pelo aporte de sólidos advindos do reator UASB. Neste sentido, as concentrações de SST no efluente do reator UASB devem estar confiavelmente abaixo de 100 mg.L-1.

Futuras investigações e recomendações

Embora os resultados obtidos no transcurso desta pesquisa indiquem a possibilidade da operação de sistemas UASB/FBP, sem o uso de uma etapa de decantação secundária, é de extrema importância que a confiabilidade e a estabilidade do sistema sejam investigadas, inclusive considerando em maior profundidade a influência de condições operacionais no comportamento dos sistemas investigados. Para o alcance de tais objetivos, pretende-se dar continuidade a este trabalho sob a perspectiva do uso de ferramentas estatísticas mais avançadas, como análise de confiabilidade dos sistemas de tratamento de esgotos e controle estatístico dos processos.

Referências

ALMEIDA, P.G.S.; CHERNICHARO, C.A.L.; SOUZA, C.L. Development of compact UASB/trickling filter systems for the treatment of domestic wastewater in small communities in Brazil. Water Science and Technology, v.59, n.7, p.1431-1439, 2009.         

APHA; AWWA; WEF. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 20th Baltimore, Maryland: United Book Press, Inc, 2005.         

CHERNICHARO, C.A.L.; VON SPERLING, M.; MONTEIRO, T.A.S. Evaluation of post-treatment alternatives for effluents from the UASB reactors of Onça Sewage Treatment Plant (Belo Horizonte – Brazil). In: The XXth Taller y Simposio Latinoamericano de Digestión AnaeróbiaProceedings… Uruguai, 2005.         

CHERNICHARO, C.A.L.; ALMEIDA, P.G.S. Feasibility of UASB/trickling filter systems without final clarifiers for the treatment of domestic wastewater in small communities in Brazil. In: Conference on: Sustainable Solutions for Small Water and Wastewater Treatment Systems. Proceedings… Spain, 2010.         

ESPINO, E.O.; LIMÓN, G.M.; ESCALANTE, I.C. A simplified procedure for setting effluent quality standards. Water Science and Technology, v30, n.10, p.65-72, 1994.        

GONÇALVES, R. F.; CHERNICHARO, C.A.L.; NETO, C.O.A., SOBRINHO, P.A.; KATO, M.T.; COSTA, R.H.R.; AISSE, M. M.; ZAIAT, M. Pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios por reatores com biofilme. In: CHERNICHARO, C.A.L. (coordenador). Pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios. PROSAB/FINEP, 1ª ed. Rio de Janeiro: Segrac, 2001. 544p.         

KASSAB, G. ; HALALSHEH, M.; KLAPWIJK, A.; FAYYAD, M.; VAN LIER, J.B. Sequential anaerobic-aerobic treatment for domestic wastewater – A review. Bioresource Technology, v.101, n.10, p.3299-3310, 2010.        

LETTINGA, G. UASB geen succesverhaal over rioolwater(voor) behandeling in ontwikkelingslanden voor adviesbureaus. In: H2O: Informatiebron voor professionals in de waterbranche. n.23, 2010. (in Dutch)

MACHDAR, I.; HARADA, H; OHASHI, A.; SEKIGUCHI, Y.; OKUI, H.; UEKI, K.. Combination of UASB reactor and curtain type DHS (downflow hanging sponge) reactor as a cost effective sewage treatment system for developing countries. Water Science and Technology, v.42, n.3-4, p.83-88, 2000.         

TCHOBANOGLOUS, G.; BURTON, F.L.; STENSEL, H.D. Wastewater engineering: treatment, and reuse. 4th Ed. New York: Metcalf & Eddy, Inc., p.1819, 2003.         

OAKLEY, S.M.; POCASANGRE, A.; FLORES, C.; MONGE, J.; ESTRADA, M. Waste stabilization pond use in Central America: the experiences of El Salvador, Guatemala, Honduras and Nicaragua. Water Science and Technology, v.10, n.42, p.51-58, 2000.        

PONTES, P.P.; CHERNICHARO, C.A.L. Avaliação de desempenho de um sistema reator UASB – filtro biológico percolador operando com e sem decantador secundário (Performance evaluation of a UASB-trickling filter system operating with and without secondary settler). In: Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental – AIDIS. Proceedings… Punta del Leste, Uruguai, 2006. (in Portuguese)

RAGAS, A.M.J.; SCHEREN, P.A.G.M.; KONTERMAN, H.I.; LEUVEN, R.S.E.W.; VUGTEVEEN, P.; LUBBERDING, H.J.; NIEBEEK, G.; STORTELDER, P.B.M. et al. Effluent standards for developing countries: combining the technology and water quality-based approach. Water Science and Technology, v.52, n.9, p.133-144, 2005.         

SILVA, G.M.; GONÇALVES, R. F. Desempenho de um sistema UASB + filtro biológico percolador sem etapa de decantação tratando esgoto sanitário (Performance of a UASB + trickling filter system without secondary settler treating domestic wastewater). In: 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental- ABES. Anais…Campo Grande, Brasil, 2004. (in Portuguese)

TANDUKAR, M.; MACHDAR, I.; UEMURA, S.; OHASHI, A.; HARADA, H. Potential of a Combination of UASB and DHS Reactoras a Novel Sewage Treatment System for Developing Countries: Long-Term Evaluation. Journal of Environmental Engineering, v.132, n.2, p.166-172, 2006.         

WANNER, J.; CECH, J.S.; KOS, M.; BARCHA NEK, M. Municipal effluent standards in the Czech Republic. Water Science and Technology, v.33, n.12, p.1-10, 1996.         

 

 

ÚLTIMOS ARTIGOS: