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Moçambique ecológico

Claudio Savaget
Jornalista, Diretor do Globo Ecologia

Segundo a Organização Mundial de Turismo, a atividade turística movimenta mais de 3 trilhões e meio de dólares por ano em todo o Planeta e emprega 180 milhões de pessoas. E enquanto o turismo convencional registra um crescimento de 7,5% ao ano, o ecoturismo chega à marca de 20%.

As florestas, a savana e os animais africanos atraem cada vez mais visitantes estrangeiros, estimulando o ecoturismo, que não pára de crescer. Movimentando milhões de dólares, gerando divisas e criando novos postos de trabalho, o ecoturismo é uma importante atividade econômica em Moçambique. Bartolomeu Souto, coordenador de áreas transfronteiriças diz que o governo já tem planos para o futuro:

“Em 2010, vamos ter a Copa do Mundo na África do Sul, em razão disso, nós, África do Sul, Zimbábue, Botswana e os países vizinhos estamos a nos preparar estrategicamente para aproveitar a vinda de muita gente de várias partes do mundo que, naturalmente, devem querer conhecer a África. Portanto, estamos a trabalhar com eles na criação de infra-estruturas e vamos disponibilizar a África selvagem para essas pessoas, mas em condições boas, confortáveis para poderem ver a nossa fauna bravia”.

Na última década, a estabilidade política e social permitiu a recuperação da fauna em Moçambique. Os seis parques e as seis reservas nacionais que preservam um rico patrimônio vêm mostrando, também, um grande potencial turístico. Boas novas para o país. Histórias fascinantes que o “Globo Ecologia” mostrou durante o mês de Setembro, em 4 programas especiais.

Ao percorrer centenas de quilômetros do país, captamos imagens da maior reserva natural do mundo. Com 35 mil quilômetros quadrados, uma área quase do tamanho de Israel, o Parque Transfronteiriço do Grande Limpopo é formado pelo Parque Nacional do Limpopo, em Moçambique, o Parque Nacional do Kruger e a região de Makuleke, na África do Sul, e, ainda, o Parque Nacional de Gonarezhou, a área de safári de Malipati e o Santuário de Manjinji Pan, no Zimbábue.

E para isso foi preciso derrubar cercas, acabar com as divisões políticas criadas pelos homens. Abrir os caminhos para os animais selvagens. “Eu percebi que as fronteiras traçadas artificialmente não têm valor nenhum”, afirma Bartolomeu Souto, Coordenador de Áreas Transfronteiriças de Moçambique.

Em Dezembro de 2002, os Chefes de Estado dos três países assinaram um tratado criando o Parque Transfronteiriço do Grande Limpopo. “Ainda bem que estou tendo a oportunidade de participar de iniciativas como esta – de proteger e preservar algo que é vital para os africanos, para toda a Humanidade: o fabuloso patrimônio natural de nosso continente”, declarou o ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, que participou da cerimônia.

Como diretor do programa Globo Ecologia, viajei com minha equipe por este imenso território começando pela África do Sul, no Kruger, um Parque centenário que se tornou um modelo no turismo de observação da fauna africana. Nele vivem 147 espécies de mamíferos 500 de aves, 114 de répteis, e 49 espécies de peixes. Na reportagem gravada, visitamos o acampamento de Skukuza, uma das 13 verdadeiras “cidades” que existem no parque para receber um milhão e trezentos mil turistas/ano, todos atraídos pela Savana africana e sua fauna. Entre eles os famosos “big five” – as cinco estrelas da África: leão, leopardo, búfalo, rinoceronte e elefante. Além de hipopótamos, crocodilos, hienas, gazelas, impalas, zebras, babuínos e muito mais.

No lado moçambicano, colhemos imagens para mostrar os primeiros passos para transformar o Parque Nacional do Limpopo numa atração turística. Cinqüenta quilômetros da cerca eletrificada que separa o Parque do Kruger – África do Sul – do Parque Nacional do Limpopo já foram retirados elefantes, rinocerontes, antilopes e outros animais estão sendo translocados do Kuger para o Limpopo. E, atrás dos bichos, vêm os turistas. No Parque Transfronteiriço do Grande Limpopo a natureza é soberana e ignora as fronteiras criadas pelo homem. Uma gigantesca Unidade de Conservação criada por três países. Uma prova de que a força que une é maior que a que divide.

“Um dia o mundo vai agradecer muito essa bela iniciativa de três países que deram as mãos, uniram esforços, abriram as fronteiras, uniram seus parques, integraram. Sem dúvida um belo exemplo para a humanidade.” Assim define a importância do Parque o presidente da ONG sul-africana “My Acre of África”, Gareth Pyne-James.

Outra reserva que é motivo de orgulho em Moçambique é a Especial de Maputo – ou Reserva dos Elefantes – que fica a apenas 100 quilômetros da capital ou três horas de viagem. Criada em 1960 – para proteger os elefantes que estavam desaparecendo, a reserva tem 700 km2 e é um ecossistema único, que abriga a maior diversidade de ambientes da região Sul do continente africano. Rios, lagoas, banhados. Fartura de água que alimenta a vegetação das planícies, gigantescas árvores da floresta de terra firme, que cobrem de verde as mais altas dunas florestadas do mundo, onde os cactos são do tamanho das árvores.

Sergio Veiga, um guia de safáris multimídia que também é cinegrafista, fotógrafo de natureza, mergulhador, escritor e artista plástico nos acompanhou nessa aventura. Sérgio é um verdadeiro professor que nos ensina a “ler o chão” – e encontrar com facilidade os animais através dos sinais (pegadas, rastros, urina, fezes etc) deixados por eles.

E, assim, chegamos a poucos metros dos elefantes, hipopótamos, macacos, antílopes e aves. A fauna atrai visitantes e impulsiona o ecoturismo. Empreendimentos como a “Quinta Mila”, uma pequena pousada que hospedou nossa equipe. Durante a noite, fomos visitados por um hipopótamo.

“Eu nasci aqui e já me acostumei com eles. É só fazer barulho que vão embora… mas os hospedes gostam de ver os bichos”, diz dona Emília, proprietária da pousada, que recebe cada vez mais turistas, todos atraídos pelas belezas naturais da região. E ela sabe que a prosperidade mora ao lado. Por isso, respeita e confia em seus vizinhos – a reserva e os animais que vivem nela. Como duas espécies de tartarugas marinhas: a cabeçuda e a gigantesca tartaruga couro, além de aves migratórias, como os flamingos e pelicanos que se alimentam e se reproduzem na reserva.

Atrás das dunas, correm rios, riachos e lagos. A água que fertiliza o solo e faz crescer o pasto nas imensas planícies alagadas, garantindo fartura de alimento para os animais. A umidade também alimenta as florestas. Em terra firme ou na areia das dunas, plantas, animais, tudo é gigantesco na reserva dos elefantes? O experiente guia Sérgio Veiga arrisca uma resposta: “não dizem que o mundo começou na África? Que o continente africano é o berço da Humanidade?”

O Globo Ecologia também traçará um perfil geográfico, social, histórico e ambiental de Moçambique – país que o jornal The New York Times chamou de “estrela nascente da África”. São mais de 3.500 km quilômetros de litoral, além de parques nacionais e reservas que preservam a biodiversidade africana. São paisagens que atraem visitantes de todo o mundo. Por isso, o governo e a iniciativa privada já investiram quase quinhentos milhões de dólares em infra-estrutura turística.

O primeiro europeu a chegar em Moçambique foi Vasco da Gama, que em Janeiro de 1498 ancorou na foz de um rio. Ele foi recebido por um povo tão simpático que batizou o lugar de terra da boa gente – como até hoje é conhecida a Província de Inhambane.

Visitando o Museu da Revolução, na capital, Maputo – é possível conhecer, também, a história recente de Moçambique, que conquistou sua independência de Portugal em 1975. Mas, cinco anos depois, entrou numa guerra civil que só terminou em 1992, com a assinatura de um acordo de paz entre as duas forças adversárias: a RENAMO e a FRELIMO – que ficou com o poder. Em 1994 Moçambique viveu a primeira eleição multipartidária da sua história. Mais uma vez, a FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique – saiu vitoriosa o regime socialista deu lugar à democracia.

O povo, as línguas, a religião

A população de Moçambique é formada por oito grandes grupos tribais e o português é o idioma oficial. Mas outras 17 línguas nacionais também são utilizadas. Quanto à diversidade religiosa, em Maputo e na Região Sul do país, o catolicismo é predominante. A Região Central, e principalmente o norte, é de maioria islâmica mas, nas áreas mais isoladas, no interior, o animismo ainda é muito praticado. Os animistas acreditam que todos os seres da natureza são dotados de espírito. Nas cidades e no campo, a fartura, a diversidade revela a importância econômica dos recursos naturais de Moçambique. Nos mercados a quantidade e variedade dos “frutos-do-mar”. Entre eles o enorme camarão tigre – do tamanho de uma lagosta.

Nos três mil e 500 quilômetros de litoral estão os melhores pontos de mergulho do leste da áfrica. Cardumes gigantescos vivem bem pertinho da costa e não é preciso se afastar muito pra poder vê-los. A diversidade também está em terra firme. As florestas e a savana são lugares perfeitos para o ecoturismo. Os animais estão por toda parte: impalas, búfalos, leões,leopardos, elefantes e rinocerontes…

Um projeto une dois países: Moçambique e África do sul. Para tornar o turismo uma realidade em Moçambique é imprescindível para o país repovoar com fauna nativa seus parques e reservas. A estrela dos projetos de reintrodução de fauna é o rinoceronte. Largamente caçado de forma descontrolada por causa do chifre que alcança altos preços no mercado internacional, principalmente na Ásia, o rinoceronte quase foi extinto. Hoje, através de uma parceria com o Kruger National Park da África do Sul, esses fantásticos animais estão voltando ao seu habitat natural em Moçambique.

O Globo Ecologia fechará a série internacional sobre Moçambique retratando um dos mais belos lugares do mundo: o Arquipélago do Bazaruto. Nas cinco ilhas protegidas por um parque nacional encontramos paisagens impressionantes. Dunas com mais de 60 metros de altura, praias oceânicas, ondas perfeitas e lagoas de água doce que abrigam inocentes aves, perigosos crocodilos e muitas, muitas histórias. “Um dia uma turista me disse – toda alegre – que tinha mergulhado num lagoa daqui. Aí, quando eu mostrei um vídeo de um crocodilo devorando uma bóia ela desmaiou…” conta Luiz Cortesão Azevedo, relações públicas de um hotel da área. Dunas, manguezais, savanas, praias e arrecifes submersos onde vivem milhares de espécies de corais, crustáceos, moluscos e peixes completam o cenário de fazer inveja aos criadores de “Procurando Nemo”.

Imagens inéditas e exclusivas vão mostrar para o telespectador brasileiro peixes com mais de 300 kg – como as garoupas gigantes, além de arraias e tubarões – e revelar, também, como essas belezas estão sendo protegidas através de uma parceria entre hotéis, administração do parque e comunidade. São riquezas naturais como as cinco espécies de tartarugas marinhas que desovam e se alimentam em Bazaruto: a cabeçuda a verde, a de couro – ou gigante – tartaruga de pente e a lepidochelis olivácea – espécies que também ocorrem aqui no Brasil. Em Moçambique, o projeto de proteção das tartarugas é apoiado pelas ONG´s WWF – internacional e pelo Fórum Natureza em Perigo, que também patrocinam os trabalhos de pesquisa e monitoramento do dugongo – o peixe-boi do Oceano Índico.

Administrador do Parque Nacional do Bazaruto, Rafael Funzana, é um apaixonado pelo trabalho que realiza. “Nesse momento temos por volta de 100 espécimes. É a maior população da costa leste da África e a que tem a maior chance de sobreviver, pois os grupos que ainda existem nesta região estão abaixo de cem indivíduos, o que é muito triste. É por isso que temos que trabalhar mais para ver se garantimos pelo menos a sobrevivência dessa população”.

Nossa visita à sede do Parque Nacional termina com uma troca de camisas entre as equipes. Moçambicanos vestem camisetas dos projetos Tamar e Peixe-Boi e brasileiros com Tartarugas Marinhas e Dugongos. “Mas chegar perto dos dugongos, o animal mais famoso de Bazaruto não é nada fácil. Eu nasci aqui, mergulho praticamente todos os dias há cinco anos e só encontrei com eles no fundo do mar duas vezes”, revelou o mergulhador Carlos Muzeia, o Zeca.

“Meu sonho é um dia encontrar com eles debaixo d´água. Em um ano e meio só vi uma vez um dugongo: eu dentro do barco e ele boiando na superfície”, contava a mergulhadora Gretha De Wet. E o sonho de Gretha virou realidade! Guiados por ela e Zeca, encontramos um dugongo. Pela primeira vez uma equipe da TV brasileira registra – durante um mergulho de mais de 20 minutos – imagens deste mamífero marinho dócil que, por causa da sua carne e couro – a exemplo de seus “primos” que vivem no Brasil – o peixe-boi marinho e o amazônico, foi caçado impiedosamente.

As imagens são deslumbrantes e revelam o comportamento do dugongo descansando no fundo do mar, imóvel. É que apesar da forte corrente, ele enterra as nadadeiras – parecidas com patas – na areia subindo à superfície para respirar nadando com rapidez fazendo piruetas brincando com os mergulhadores e, finalmente, chegando tão perto da câmera que deu para ver que se tratava de um macho.

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A série de quatro episódios do Globo Ecologia em Moçambique consiste em:

Episódio 1:
O Grande Limpopo

Episódio 2:
A reserva dos elefantes

Episódio 3:
Moçambique – estrela nascente da África

Episódio 4:
O Arquipélago do Bazaruto

Fonte: http://www.eco21.com.br
Edição n° 106

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