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Lençóis Maranhenses

“Água Fonte da vida Ouve esta prece Tão comovida…”

Por Walter Garcia

E haja prece. Não porque existe o risco de a água acabar, mas para que as pessoas comecem a tomar consciência de como esse líquido, que chega em abundância pelas torneiras e chuveiros, é importante para nossa existência e parem de desperdiçá-lo e de contaminá-lo e, o mais importante, passem a cobrar das autoridades responsáveis, mesmo que através de e-mails, a preservação dos mananciais existentes.

Em São Luís (MA), por exemplo, uma capital cercada de água por todos os lados, todo o esgoto produzido é jogado nos Rios Anil e Bacanga e no mar, sem qualquer tipo de tratamento. Nem mesmo o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, apontado como um dos pontos mais lindos do mundo — capaz de atrair com sua beleza turistas como Athina Onassis Roussed (a jovem mais rica do planeta) e a estilista Stella McCartney (filha do ex-beatle Paul McCartney) —, e as áreas circunvizinhas têm recebido uma atenção especial.

Em Barreirinhas, distrito onde se localiza o aeroporto e que é considerado uma espécie de porta para os Lençóis, 100% do esgoto é jogado in natura no Rio Preguiça. Essa realidade atinge também as três cidades que integram o Parque.

O descaso em relação a esse frágil ecossistema é tão grande que, apesar de o parque existir há 22 anos, só há pouco tempo foi feito um Plano de Manejo visando à sua preservação. Mesmo assim, como ainda não foi assinado pelo presidente do Ibama, ele não tem qualquer serventia.

O plano traz até mesmo sugestões de como os fiscais do Ibama deveriam agir para que o parque — com suas dunas, lagoas, igarapés e rios — pudesse ser preservado.

Atualmente, para fiscalizar os 150 mil hectares de área (mais ou menos o tamanho da cidade de São Paulo), o Ibama mantém na região sete funcionários e uma estrutura mínima. O posto de Atins, por exemplo, não possui telefone, rádio, carro para percorrer a área ou computador. O único veículo disponível é um pequeno barco de alumínio, sem motor. Dessa forma, enquanto os turistas transitam impunemente com suas pick-ups e jipes realizando verdadeiros ralis sobre as dunas, a “fiscalização” nada pode fazer.

“O ecossistema no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é muito frágil e, a menos que o Plano de Manejo seja adotado em caráter de urgência, no máximo em 50 anos — isso sendo bem otimista — o equilíbrio na região ficará seriamente comprometido”, diz o professor Antonio Carlos Leal de Castro, 48, coordenador do Plano de Manejo do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.

Um “deserto” com muita água

Olhando por cima, como a Cris faz nesta foto, a impressão que se tem é de estar no meio de um deserto. Não é para menos: dos 150 mil hectares de parque, 60% são areia. São dunas a perder de vista para todos os lados que se olhe.

Mas há uma grande diferença entre o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e os desertos. Aqui, chove 320 vezes mais do que no Deserto do Saara, por exemplo. Os oásis, tão raros lá, em Lençóis são uma constante. Nas lagoas e igarapés, existentes na época de chuvas, lavam-se roupas e panelas, pesca-se, as crianças brincam e o grande deserto ganha vida.

O lençol freático na região está tão próximo à superfície que basta espetar um cano de 1,5 metro no chão para que a água jorre. As lagoas que surgem na época de chuvas nada mais são do que a água que transborda nas pequenas depressões existentes entre as dunas. Mas, mesmo durante o período da seca, quando a maior parte das lagoas desaparece, emprestando ao local uma nítida impressão de deserto, basta cavar um pouco e ali está o líquido à disposição de quem o queira.

É exatamente essa facilidade para se conseguir água durante todo o ano que permite que as famílias se mantenham em suas propriedades, vivendo de culturas de subsistência, mesmo quando a imagem sobre a terra é de grande secura.

A água que brota com facilidade do solo, além de matar a sede da população e dos animais da região, é usada para lavar frutas e verduras, cozinhar, lavar a louça, tomar banho, etc.

O problema é que o mesmo lençol freático que doa com tanta facilidade a água recebe também o esgoto da população local e de muitos turistas que passam pela região.

“Esse foi um dos principais problemas que detectamos quando realizamos o Plano de Manejo. Não há fossas apropriadas no local, e o lençol freático acaba sendo contaminado”, diz o professor Antonio Carlos Leal de Castro.

Atualmente, vivem dentro do Parque Nacional 600 famílias, com uma média de seis pessoas em cada uma. Segundo o professor, o que hoje é um problema para a preservação da qualidade da água e do ecossistema, com um investimento muito pequeno em forma de educação, pode ser transformado em solução. “O morador local é sempre o maior interessado na preservação do ambiente onde vive. Quando o agride, é apenas por ignorância. Esse morador pode muito bem, em um futuro próximo, ser usado como guia para turistas ou fiscal do ambiente”, destaca o professor. Para ele, o maior risco não está na manutenção dessas famílias na região, mas no estabelecimento de novas residências, de empresários e políticos, e hotéis nas cidades que fazem parte do Parque Nacional. “Se você olhar no Cantinho, próximo de onde será a sede do Ibama, vai notar que estão sendo construídas diversas mansões. Com esse pessoal ninguém mexe podem até mudar a lei de preservação para que não os incomodem, mas, tirá-los dali: duvido. E isso é bastante preocupante”, diz o professor.

Sazonalidade, migração e alguns milagres da natureza
Como foi destacado no boxe anterior, a água que serve para beber, lavar, cozinhar e até irrigar pequenas plantações (cultura de subsistência) está sempre à disposição dos moradores, a pouco mais de um metro de profundidade. Já com as lagoas, a situação é bem diferente. E aí fica uma dúvida: se as lagoas secam, como ficam repletas de peixes quando voltam a aflorar?

A resposta é simples — ou melhor, as respostas. O folclore, as crendices locais e as histórias dos pescadores dizem que, quando a água volta a cair do céu em forma de chuva — e olha que chove muito na região —, os peixes aproveitam os arco-íris que se formam para migrar dos lagos permanentes e do mar para as lagoas sazonais.

Embora menos romântica, a explicação científica é mais fácil de aceitar. “Como o lençol freático está muito próximo da superfície, quando os lagos secam, a areia continua úmida e é capaz de manter milhares de larvas de peixes em uma espécie de hibernação até que a cheia do lençol faça com que as lagoas surjam novamente. Quando isso acontece, as larvas eclodem e a vida volta ao lago”, diz Antonio Carlos Leal.

Nessa entressafra de peixes provocada pela seca, os pescadores se vêem obrigados a trocar as lagoas, que às vezes ficam a poucos passos de suas casas, pela pesca na região marítima do parque. Por isso, ao caminhar pelas praias da região, não é raro encontrar acampamentos contendo entre seis e dez barracas de palha como a desta foto.

“As pessoas vêm para cá, pescam por cinco ou seis dias e depois vendem o peixe e vão para casa para levar o ‘mercado’ para a família”, diz Arnaldo, nosso pequeno guia.

“A vida aqui é boa. O que se pesca em Atins, vende-se em Barreirinha. Depois, é só subir o rio de novo e ir para casa ficar um pouco com a família”, diz Antonio Nascimento, 37 anos e pescador há 22. Além do mar, os pescadores podem contar ainda com os Rios Grande e Negro, que cortam o Parque dos Lençóis, e com o Rio Preguiça, localizado na área de amortecimento.

Para minimizar o problema, alguns pescadores da região começam a construir pequenos criadouros e, assim, tentam evitar a migração na época da seca.

Ecoturismo
Uma areia mais fina que talco, quando o vento bate um pouco mais forte, invade as roupas e os lagos — que variam entre o azul e o verde-esmeralda. E, ao fundo, um céu por vezes azul, quase límpido, por vezes carregado de nuvens, chega a contrastar com a paisagem local.

Mais do que uma aventura em que as estradas viram pedaços de rios ou lagoas, e às vezes paira a certeza de que a pequena Toyota não vai vencer o caminho, mais do que o contato com um ecossistema ainda selvagem e delicado, passear pelos Lençóis Maranhenses é permitir que as nuances entre o azul e o branco invadam nossas íris e tirem pequenos suspiros de admiração a cada lugar que se olhe. É também se deixar invadir pela adrenalina da viagem.

“Existe época em que, para fazer esse caminho, só de trator”, diz o motorista, logo após uma curva em que tanto eu quanto Cris pensamos que o carro iria capotar. Pelo grito de susto que saiu da garganta de alguns passageiros, acredito que esse pensamento tenha ocorrido a outros companheiros de viagem.

Para conhecer com um pouco mais de profundidade o Parque Nacional, não basta ter um pouco de espírito aventureiro. Aqui, o turista precisa de alguns dias, muita disposição e um bom par de pernas.

Para ir apenas de Atins até o Poço das Pedras, tivemos de andar cerca de duas horas e meia, subindo e descendo dunas, atravessando igarapés e, por vezes, refrescando-nos em córregos existentes no caminho. Um esforço que vale a pena. Do Poço das Pedras à praia, foram mais três horas de caminhada pela areia, acessando as várias lagoas que se formam pelo caminho, tomando banhos e despertando a curiosidade em relação às diferentes tonalidades de azul e verde das águas. Para voltar a Atins, foram mais duas horas e meia.

Felizmente, nosso guia era um grande conhecedor das frutas da região e, por isso, não precisamos levar alimentos. Durante a caminhada, fartamo-nos, e muito bem, de dezenas de puçás e outras frutinhas silvestres.

Ao final do dia, após oito horas de caminhadas e banhos, estávamos “quebrados” e extremamente satisfeitos. Só assim foi possível apreciar um pouco mais as belezas da região, conversar com as meninas lavadeiras, com os pescadores, acompanhar as panelas sendo areadas (realmente com areia) às margens dos lagos e entender um pouco como o ciclo da água é importante no dia-a-dia, no trabalho e no lazer daquelas pessoas que vivem tão próximas de um habitat mais selvagem.

Nos Lençóis Maranhenses, a água está sob a terra não há torneira de onde ela possa jorrar em abundância, mas, assim como nós da cidade, seus moradores estão sendo obrigados a se preocupar também com a contaminação, para que, no futuro, esse líquido tão precioso não precise de toneladas de produtos químicos para que possa ser ingerido, como acontece atualmente em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e tantas outras.

Aventura light

Para o turista que gosta de belas paisagens, mas não é amante de longas caminhadas, Lençóis reserva também grandes atrativos. Após contatar algumas das empresas de ecoturismo de Barreirinhas, dependendo da quantidade que esteja disposto a gastar, ele pode fazer passeios em Toyotas pela região dos Pequenos Lençóis, visitar a Lagoa Bonita ou Lagoa Azul ou descer o Rio Preguiça em rápidas voadeiras em direção ao Caburé e às praias — aventuras mais tranqüilas, mas também de belezas estonteantes.

Fonte: http://www.educacional.com.br

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