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Gerenciamento das Águas de Chuva

Imprescindível para o futuro das grandes cidades do Brasil

Enchentes e torneiras secas

Os problemas em boa parte foram causados pelo crescente desprezo por parte de todos os países, desde o início da industrialização, pela capacidade de regeneração da natureza. O desafio, do qual depende a nossa sobrevivência, pode ser expressado assim: “Como a gente reaprende a tocar a parte que nos cabe na simfonia da natureza, sem dissonâncias?” Nossa pretensão de sermos a espécie mais evoluída só se justificaria na medida em que desempenhássemos bem o papel de guardião e curador da Criação, Infelizmente estamos atualmente muito longe disso.

O Brasil detém muito Água, porém não nos lugares onde a população se encontra concentrada (mais de 80% na região costeira). Em cidades grandes como São Paulo, Recife e outras, a situação se caracteriza assim: “4 meses com enchentes e 4 meses sem Água”. Soma-se a este quadro ainda a muita vezes descontrolada exploração dos lençóis subterrâneos por poços artesianos. No caso de Recife a imprensa noticia as conseqüências: terrenos cedendo e a contaminação dos lençóis freáticos pela invasão d’Água do mar.

Previsões como as feitas para São Paulo, de que haveria nos próximos 25 anos um aumento da população urbana dos atuais 17 para 21 milhões, tornam evidente que as soluções técnicas tradicionais, de se enfrentar o aumento da demanda com produção maior, não mais serão suficientes. Mesmo hoje São Paulo já recebe uma parte da Água potável que consome de cursos hídricos a uma distância de até 60 km.

A impermeabilização dos solos nas grandes cidades é hoje fato consumado, o emprego de pisos e outros materiais de cobertura que facilitassem a infiltração da chuva é ainda a exceção, mesmo em obras públicas.

Em paralelo ao adensamento da população ocorre principalmente um aumento da demanda por Água potável e das áreas impermeabilizadas. Por um lado explora-se em excesso os recursos naturais – escassos diante da enorme demanda -, o que tende a tornar a situação de abastecimento ainda mais preocupante num futuro próximo. Especialistas concordam que haverá uma crise no abastecimento de 5 a 10 anos, hoje a produção de Água na Grande São Paulo é igual ao consumo, sem margens de segurança.

Por outro lado as chuvas se traduzem com freqüência crescente em enchentes. As Águas pluviais, que poderiam na verdade em parte resolver o problema do abastecimento, transformam-se assim numa ameaça, em algo de que a gente precisa livrar-se o mais rápido possível.

Neste contexto, é sintomático que nos catálogos dos fabricantes nacionais de tubos etc. – conforme as normas ainda vigentes – a Água de chuva apareça na seçao “esgoto”, quando na verdade deveria constar na de “abastecimento d’Água”.

As questões do abastecimento d’Água e do combate às enchentes, com suas perdas humanas e materiais evoluindo rapidamente, hoje já transcendem em muito o tema “meio-ambiente”, englobando cada vez mais aspectos sociais, políticos e de segurança pública.

Os problemas aqui expostos mantém uma estreita correlação. Eles vem de causas em comum e cada um deles será – adotando-se procedimentos adequados – parte da solução do outro. O que a situação pede seria então tratar os problemas dentro das suas estruturas complexas em conjunto, adotando-se meios e métodos ao alcance de todos e socialmente sustentáveis.

Retenção, drenagem e impermeabilização

Faz-se imperioso melhorar a retenção das Águas pluviais por medidas des-impermeabilizantes e outras intervenções técnicas. Normalmente, a drenagem se dá de forma centralizada (a chamada macro-drenagem), novos ou ampliados canais e galerias pluviais e os chamados “piscinões”, áreas em concreto abertas ou subterrâneas, que liberam as Águas pluviais depois da enxurrada de forma controlada, supostamente deveriam resolver o problemas das enchentes para as próximas décadas.

Estas soluções são dispendiosas (fala-se na necessidade de um financiamento da ordem de US$ 9 bilhões somente para a cidade de São Paulo), a execução é demorada e elas ainda correm perigo de não ou somente parcialmente atingir o efeito desejado, enquanto não forem acompanhadas por uma política consistente de des-impermeabilização, da qual ainda não se tem notícia. O lixo e a lama que a chuva deixa nestes piscinões já estão se transformando num sério problema, pois tem uma carga tóxica e um volume grande. Aonde depositar esta carga imensa com segurança?

A maioria dos municípios baixou normas a respeito da parcela de um lote a ser deixada livre (taxa de ocupação, 15 a 50%), porém estas são ainda largamente descumpridas, especialmente porque em geral não há fiscalização posterior, que poderia detectar impermeabilizações executadas mais tarde.

O último racionamento de 2000 em São Paulo não foi, na opinião de cientistas e secretários do governo, causado exclusivamente pela baixa precipitação, mas também em boa parte pela ocupação ilegal de áreas de proteção hídrica (sobretudo no entorno dos reservatórios, vide a agonia do sistema Cantareira).

Diante da grandeza dos números envolvidos fica evidente que os planos de retirada dos ocupantes destas áreas e a macro-drenagem não serão medidas suficientes para combater o problema em definitivo e sobretudo com a necessária velocidade.

Faz-se imperioso de complementá-las com uma retenção decentralizada das Águas pluviais.

Consumo d’Água, uso racional e racionamento

As companhias brasileiras de Água e esgota ainda trabalham com um valor de ligação de 250 litros por pessoa e dia, estima-se o consumo real em perto de 200 litros na média. O consumo aumenta com o status social. Reduzir este volume nos próximos 10 anos – sem porém sacrificar o conforto – deve ser considerado como condição básica para se garantir o abastecimento d’Água para todos nas grandes aglomerações urbanas.

Racionalização do consumo, diminuição das perdas físicas nas redes de abastecimento, o combate às ligações clandestinas, a reciclagem das Águas servidas, campanhas de conscientização dos consumidores, todas estas medidas são passos altamente sensatos e necessários, que porém demandam um certo tempo para surtirem efeito. A partir de 2003, por exemplo, é permitida somente a fabricação de vasos sanitários com um volume de descarga de 6 litros.

O racionamento não consegue equilibrar oferta e demanda. Quando do racionamento de 2000 em São Paulo, que afetou mais de 3 milhões de pessoas, verificou-se naquela região em poucos dias um aumento de vendas de caixas d’Água da ordem de 30%. Quem tinha condições financeiras, assim conseguiu estocar Água além da cota que lhe era destinada, certamente em muitos casos com o uso de (não permitidas) bombas de sucção, que retiram a Água da tubulação central. Este fato representa um potencial de conflitos entre vizinhos que não deve ser subestimado, sobretudo porque ele pode ainda aumentar mais, se não houver logo soluções rápidas e ao alcance da maioria dos cidadões.

A Água de chuva – como ela está sendo utilizada hoje?

Aproveitar a Água de chuva não é uma invenção nova. Um exemplo positivo é a lavanderia industrial “Lavanderia da Paz” em São Paulo, que há 30 anos capta, processa e então utiliza a Água de chuva nos seus processos de lavagem.

No nordeste semi-árido, nas ilhas como Fernando de Noronha e em todos os lugares aonde ou não existe uma rede de abastecimento ou esta ainda não supre a demanda integralmente, como na região dos lagos ao norte do Rio de Janeiro, usou-se e continua-se usando a Água da chuva.

Mais de 80% dos domicílios no Brasil são servidos por sistemas hidráulicos de baixa pressão, i.e. da tubulação na rua a Água vai para uma cisterna, da onde ela está sendo bombeada para uma caixa d’Água no telhado. Aonde atualmente se capta a chuva, esta Água está sendo transferida para a cisterna única. O processo de filtragem (se houver) se dá – por falta de produtos específicos no comércio – com métodos caseiros: caixas de areia, filtragem “fina” com telas contra mosquitos ou panos. Muitas vezes se espera também a “primeira passagem” que lava o telhado, para então desviar a chuva para a cisterna.

Mesmo estas formas de aproveitamento da chuva geralmente são usados somente quando não houver possibilidade de cavar poços artesianos ou estes não atendem integralmente a demanda ou somente fornecem Água de qualidade inferior.

Na verdade, é possível e altamente desejável que o aproveitamento d’Água de chuva – e isto é ainda mais verdadeiro para as grandes cidades – seja integrado ao abastecimento d’Água potável, no sentido de substituí-la sempre que possível, tornando-se assim ainda uma contribuição decentralizada e importantíssima para a retenção das Águas pluviais.

Certamente nisso é imperioso um tratamento destas Águas que garanta uma qualidade compatível com os usos pretendidos, ou seja, precisa-se de métodos modernos de filtragem e estocagem.

Gerenciamento integrado das Águas pluviais – a saída rápida e simples

Os louváveis e insubstituíveis esforços por parte dos ONGs, mas também de agências governamentais e das companhias de Água e esgoto, no sentido de fomentar o uso mais racional da “commodity” Água (com o apoio duma legislação moderna e da Agência Nacional d’Água, ANA) precisam ser respaldados pela iniciativa privada oferecendo produtos e sistemas, para permitir que se passe em maior escala da teoria para a prática sustentável.

É seguindo este raciocínio que nós decidimos de nacionalizar a tecnologia comprovadamente eficaz da Alemanha e iniciar a produção nacional de filtros, sifões, freios d’Água e de unidades flutuantes de sucção. Para assegurar que estes kits estarão disponíveis no País inteiro a preços compatíveis, fechamos cooperações com conhecidas empresas nacionais, que acrescentam seus próprios produtos ao sistema (bombas, calhas, telhas, etc.).

Assim sinergias são criadas, e em termos estratégicos, os parceiros passarão nos seus respectivos setores ainda da condição de “meros” fabricantes para a de fornecedores de soluções para uma necessidade social básica: o acesso à Água em quantidades razoáveis.

Estamos convencidos que nesta caminhada contribuiremos para novas fontes de faturamento para empresas nacionais e para a criação de empregos.

Nenhuma medida por si só poderá garantir o resultado desejado, e é por isso que cooperamos faz tempo com fabricantes de metais economizadores d’Água, de medidores individuais para apartamentos, etc., para que todos juntos podermos oferecer aos nossos clientes soluções integradas de economia d’Água. Estas cooperações incluem também palestras conjuntas, uma entidade para fomentar com mais ênfase ainda a economia d’Água esta em fase de preparação.

A Água de chuva é – como a energia solar – na maioria das regiões disponível, sua retenção e seu aproveitamento concorrem para reduzir outros problemas, como as enchentes nas cidades e a ameaça de conflitos sociais pela Água.

Além disso seria gradativamente facilitada a tarefa das companhias de Água de garantirem Água potável para todos apesar da demanda crescente, e por estas razões o aproveitamento d’Água de chuva também merece – como a energia solar – um tratamento fiscal diferenciado, para incentivar a sua ampla utilização. Obviamente, estas vantagens fiscais deverão ser estendidos a todos os produtos economizadores d’Água.

A pergunta a ser respondida hoje não é mais se deve haver o aproveitamento d’Água de chuva ou não, mas como disponibilizá-lo o quanto antes. Para responder este desafio, a indústria e o comércio podem e devem lançar mão da sua capacidade de reagir com flexibilidade a uma demanda detectada. É isto que poremos em prática numa ampla aliança de empresas responsáveis.

A tão falada “economia nova” no nosso entender acontecerá assim: oferecendo produtos e sistemas acessíveis para todos, e que contribuem para a reintegração das atividades humanas ao funcionamento sadio da natureza.

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Jack M. Sickermann
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