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Desenvolvimento e avaliação de protótipo de filtro lento para tratamento de água em domicílios rurais

Resumo

A garantia do acesso equitativo à água potável é um dos principais desafios da atualidade. Para ampliar o atendimento, as alternativas de tratamento precisam se adequar às diferentes realidades encontradas, como a do meio rural, onde os domicílios são distantes e não são atendidos pela rede de abastecimento. Dentre as opções de tratamento que se adequam ao meio rural, a filtração lenta é uma alternativa por apresentar baixa necessidade de manutenção, fácil operação e eficiência na remoção de patógenos. Este trabalho visou o desenvolvimento de um protótipo de filtro lento domiciliar para tratamento de água em áreas rurais. Para concepção do protótipo, foram realizados experimentos em escala piloto a fim de avaliar o comportamento de duas colunas de filtração lenta operadas com duas taxas de filtração (2,4 m/d ou 4,8 m/d) na Etapa I e duas espessuras da camada filtrante (40 cm ou 35 cm) na Etapa II. Na Etapa I, os filtros apresentaram valores de remoção semelhantes, sendo a porcentagem de remoção máxima atingida igual a 96% para coliformes totais, 90% para E. coli, e 47% para turbidez. As remoções obtidas foram abaixo do encontrado na literatura, visto que o tempo de operação dos filtros foi reduzido. O FLA 1 se sobressaiu nos resultados, portanto foi adotada a taxa de 2,4 m/d para prosseguir na Etapa II. Na Etapa II, alcançou-se 97% de remoção para turbidez e 99,9% para coliformes totais para ambos os filtros. Foi feita contagem de partículas na água a fim de avaliar a remoção de partículas de tamanho semelhante a (oo)cistos de protozoários (Cryptosporidium e Giárdia), a qual mostrou resultados crescentes de remoção ao longo do tempo de operação. A espessura de 40 cm mostrou-se a opção mais segura a ser adotada no protótipo. A partir da avaliação experimental e da análise de modelos de filtros domiciliares existentes, foi obtido o protótipo denominado Momui, que possui capacidade de tratar 55 litros de água por dia. Após a montagem e os testes hidráulicos do filtro Momui, concluiu-se que ele pode ser implementado mediante políticas públicas para o tratamento de água para áreas rurais isoladas.

Introdução

Grande parcela da população brasileira ainda não possui acesso à água potável, um direito humano fundamental que deveria ser garantido pelo Estado. A ampliação do acesso à água tratada no Brasil deve ser tratada como política de saúde pública preventiva e como instrumento de melhoria da qualidade de vida da população. Os investimentos na busca da universalização do acesso à água de qualidade devem assegurar que as opções de abastecimento e tratamento se adequem às diferentes realidades brasileiras, alcançando as parcelas da população normalmente excluídas.

Por ser um país de escala continental, o Brasil apresenta muitas comunidades pequenas e residências isoladas que são distantes de centros urbanos e que, geralmente, possuem poucos recursos financeiros. A ligação a uma rede de abastecimento se torna impraticável no caso dos domicílios rurais isolados. Devido a contaminação da água por fezes, derivada da presença de animais e despejo inadequado de efluentes domésticos, nas áreas rurais o risco de surtos de doenças de veiculação hídrica é elevado (Stukel et al.,1990). Para evitar a ingestão e o contato dérmico com patógenos de veiculação hídrica faz-se necessário a correta disposição dos esgotos e resíduos, a proteção dos mananciais e o tratamento da água. Dentre as opções de tratamento que se adequam ao meio rural, a filtração lenta é uma alternativa viável por apresentar baixa necessidade de manutenção, fácil operação e elevada eficiência na remoção de patógenos.

A filtração lenta é um tratamento simplificado no qual a água passa por um meio filtrante de granulometria fina, em baixa velocidade de escoamento, onde a purificação é resultado principalmente de mecanismos biológicos, mas também físicos e químicos. A estrutura dos filtros lentos é basicamente constituída por uma alimentação de água bruta, um meio filtrante geralmente de areia, uma camada sobrenadante que garante que a camada biológica permaneça afogada, uma camada drenante, um sistema de drenagem com saída localizada acima do nível da areia, garantindo a lâmina de água sobrenadante. A camada biológica que se forma na superfície do meio filtrante é denominada schmutzdecke e é a principal responsável pela remoção de partículas e microrganismos contidos na água bruta (Haarhoff e Cleasby, 1991).

A eficiência da filtração lenta na remoção de patógenos já foi comprovada por diversos autores. Se projetado e operado sob condições adequadas, a eficiência de remoção de filtros lentos pode alcançar mais que 99% para Coliformes Totais e para Coliformes Termotolerantes/E. Coli, mais que 99% para cisto de Giárdia, e mais que 99,9% para oocistos de Cryptosporidium (Bellamy et al., 1985; Palmateer et al., 1999, Heller et al., 2004; Devi et al., 2008; entre vários outros)

Devido a sua eficiência e simplicidade operacional, os filtros lentos são utilizados como opção de tratamento de água em diversas escala, desde tratamento para cidades até domiciliares. O tratamento domiciliar possibilita que a população que não está conectada à rede de abastecimento tenha acesso a água segura. Visando a ampliação do acesso ao tratamento de água, alguns filtros domiciliares foram desenvolvidos por organizações internacionais. Um dos modelos mais conhecidos foi proposto pelo Canadense David Manz e hoje é distribuído mundialmente em países em desenvolvimento pela organização Canadense CAWST (Baker et al., 2006). O filtro popularizado pela CAWST é composto por estruturas frequentemente encontradas em diversos filtros lentos a nível domiciliar. Outros filtros semelhantes foram propostos pela organização peruana DESEA (2014), por Smet et al. (1998), e pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS, 2005).

Apesar dos modelos existentes representarem boas soluções, algumas características são passíveis de aperfeiçoamento. Uma possível melhoria é a redução da espessura da camada filtrante, que diminui os custos com areia, o volume e o peso da estrutura proposta, tornando o filtro mais acessível. Poucos estudos avaliaram a influência desse parâmetro na qualidade da água filtrada, portanto identificou-se a necessidade de aprofundar essa questão.

Adicionalmente, constatou-se que a maioria das estruturas não é dotada de reservatório de água filtrada acoplado. Esta característica faz com que em muitos casos sejam usados recipientes não apropriados, gerando um risco de recontaminação da água tratada. Outra questão relevante é a quantidade de água que os filtros domiciliares conseguem tratar, geralmente restringindo-se a um volume que não atende as demanda básicas de água da casa.

Neste contexto, este trabalho apresenta o desenvolvimento de um protótipo de filtro lento para tratamento de água em domicílios rurais que contemple essas melhorias.

Autores: Raissa Maria Cometa Mota Moruzzi; Camila Rebello Amui e Cristina Celia Silveira Brandão.

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