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Lixo e impactos ambientais perceptíveis no ecossistema urbano

Soc. nat. (Online) vol.20 no.1 Uberlândia June 2008

http://dx.doi.org/10.1590/S1982-45132008000100008

Lixo e impactos ambientais perceptíveis no ecossistema urbano

Garbage and perceptible environmental impacts in urban ecosystem

Carlos Alberto MucelinI; Marta BelliniII

IProfessor Doutor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR. Líder do Grupo de Pesquisa em Semiótica e Percepção Ambiental – GPSPA. [email protected]
IIProfessora Doutora da Universidade Estadual de Maringá – UEM. Pesquisadora e membro do GPSPA [email protected]

 

RESUMO

Este artigo tem como temática o lixo e considerações a respeito de determinados impactos ambientais perceptíveis que os resíduos sólidos potencializam em fragmentos do ambiente urbano. Abordamos impactos ambientais negativos ocasionados pelas formas de uso, costumes e hábitos culturais perceptíveis em cidades do Brasil. Registramos que o lixo causa impactos negativos em determinados ambientes urbanos como margens de ruas e leito de rios, pela existência de hábitos de disposição final inadequada de resíduos. Apresentamos parte da percepção ambiental de atores sociais da cidade de Medianeira – Oeste do Paraná, Brasil – a respeito do lixo.

Palavras-chave: Ecossistema urbano. Lixo. Impacto Ambiental.

ABSTRACT

This article has as thematic the garbage and considerations about certain perceptible environmental impacts that the solid residues enlarge in fragments of the urban environment. We approached negative environmental impacts caused by the use forms, customs and perceptible cultural habits in cities of Brazil. We register that the garbage impacts negatively certain urban environments, as street margins and river-beds, provoked by the existence of habits of inadequate final arrangement of residues. We show part of environmental perception of social actors in Medianeira city – West of Paraná – Brazil – concerning garbage.

Keywords: Urban ecosystem. Garbage. Environmental impact.

1 INTRODUÇÃO

A criação das cidades e a crescente ampliação das áreas urbanas têm contribuído para o crescimento de impactos ambientais negativos. No ambiente urbano, determinados aspectos culturais como o consumo de produtos industrializados e a necessidade da água como recurso natural vital à vida, influenciam como se apresenta o ambiente. Os costumes e hábitos no uso da água e a produção de resíduos pelo exacerbado consumo de bens materiais são responsáveis por parte das alterações e impactos ambientais.

Alterações ambientais físicas e biológicas ao longo do tempo modificam a paisagem e comprometem ecossistemas. Para Fernandez (2004) as alterações ambientais ocorrem por inumeráveis causas, muitas denominadas naturais e outras oriundas de intervenções antropológicas, consideradas não naturais. É fato que o desenvolvimento tecnológico contemporâneo e as culturas das comunidades têm contribuído para que essas alterações no e do ambiente se intensifiquem, especialmente no ambiente urbano.

Atualmente a maior parte das pessoas habita ambientes urbanos. Dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2004) indicam que no Brasil mais de 80% das pessoas são moradores urbanos. Odum (1988) considera que a acelerada urbanização e crescimento das cidades, especialmente a partir de meados do século XX promoveram mudanças fisionômicas no Planeta, mais do que qualquer outra atividade humana.

É possível observamos que determinados impactos ambientais estão se acirrando, motivado entre outras coisas pelo crescimento populacional mundial. Ricklefs (1996) e Fernandez (2004) registraram uma projeção de mais de 6 bilhões de seres humanos na Terra para 2006. Estimativas publicadas pelo IBGE (2006) em maio de 2006 indicavam que a população mundial era de 6,8 bilhões de pessoas. Destes, segundo Fernandez (2004, p. 177) aproximadamente 5 bilhões vivem nos países pobres, com sua maioria em um crescente quadro de pobreza e miséria, especialmente nos arredores das cidades.

A população do Brasil apresenta a mesma tendência mundial de ocupação ambiental, ou seja, opta pelo ecossistema urbano como lar. Ott (2004, p. 17) considera que a transformação do Brasil de país rural para urbano ocorreu segundo um processo predatório em essência, com acentuada exclusão social de classes da população menos privilegiada que por não terem condições de aquisição de terrenos em áreas urbanas estruturadas ocupam “[…] em sua maioria, terrenos que deveriam ser protegidos para preservação das águas, encostas, fundos de vale entre outros”.

O morador urbano, independentemente de classe social, anseia viver em um ambiente saudável que apresente as melhores condições para vida, ou seja, que favoreça a qualidade de vida: ar puro, desprovido de poluição, água pura em abundância entre outras características tidas como essenciais. Entretanto, observar um ambiente urbano implica em perceber que o uso, as crenças e hábitos do morador citadino têm promovido alterações ambientais e impactos significativos no ecossistema urbano. Essa situação é compreendida como crise e sugere uma reforma ecológica.

Há mais de vinte anos Viola (1987, p. 129) sugere que a reforma urbana ecológica aponte para uma cidade mais democrática, mais humana e respirável: a cidade do ser humano. Não é apenas a cidade onde os aluguéis e transportes sejam mais acessíveis, na qual cada família tenha direito a um terreno, mas também um ambiente urbano mais arborizado, mais silencioso e alegre, menos verticalizado, menos agressivo e com menores índices de poluição do ar.

A expressão “reforma ecológica” que Viola (1987) usa para reivindicar um ambiente urbano melhor, sugere, de imediato, que tal ambiente está aquém de uma cidade ideal como propôs Tuan (1980). No Brasil, acreditamos que tal “reforma” seja urgente, especialmente no ambiente urbano pelos perceptíveis impactos ambientais negativos.

O lixo urbano, muitas vezes, é responsável pelos impactos ambientais que mencionamos. Neste artigo, apresentamos considerações a respeito do lixo e de fragmentos do ambiente urbano que sofrem impactos negativos pela disposição inadequada desses resíduos. Apresentamos também a percepção a respeito do lixo de um grupo de atores sociais de uma pequena cidade da região Oeste do Paraná, Brasil, que foram investigados.

2 O CONSUMO DE BENS MATERIAIS E O LIXO

A cultura de um povo ou comunidade caracteriza a forma de uso do ambiente, os costumes e os hábitos de consumo de produtos industrializados e da água. No ambiente urbano tais costumes e hábitos implicam na produção exacerbada de lixo e a forma com que esses resíduos são tratados ou dispostos no ambiente, gerando intensas agressões aos fragmentos do contexto urbano, além de afetar regiões não urbanas.

O consumo cotidiano de produtos industrializados é responsável pela contínua produção de lixo. A produção de lixo nas cidades é de tal intensidade que não é possível conceber uma cidade sem considerar a problemática gerada pelos resíduos sólidos, desde a etapa da geração até a disposição final. Nas cidades brasileiras, geralmente esses resíduos são destinados a céu aberto (IBGE, 2006).

Lixo é uma palavra latina (lix) que significa cinza, vinculada às cinzas dos fogões. Segundo Ferreira (1999), lixo é “aquilo que se varre da casa, do jardim, da rua e se joga fora; entulho. Tudo o que não presta e se joga fora. Sujidade, sujeira, imundície. Coisa ou coisas inúteis, velhas, sem valor”. Jardim e Wells (1995, p. 23) definem lixo como “[…] os restos das atividades humanas, considerados pelos geradores como inúteis, indesejáveis, ou descartáveis”.

Em média, o lixo doméstico no Brasil, segundo Jardim e Wells (1995) é composto por: 65% de matéria orgânica; 25% de papel; 4% de metal; 3% de vidro e 3% de plástico. Apesar de atender a legislação específica de cada município, o lixo comercial até 50 kg ou litros e o domiciliar são de responsabilidade das prefeituras, enquanto os demais são de responsabilidade do próprio gerador.
É inevitável a geração de lixo nas cidades devido à cultura do consumo. Segundo o IBGE, em 2006, o Brasil é constituído por 5.507 municípios e na última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizada no ano de 2000 pelo IBGE, foi registrado que somente 33% (1.814) dos 5.475 municípios daquele ano coletavam a totalidade dos resíduos domiciliares gerados nas residências urbanas de seus territórios. Os dados dessa pesquisa revelaram que diariamente o Brasil gerava 228.413 toneladas diárias de resíduos sólidos. Isso implica numa produção de 1,2 kg/habitante (IBGE, 2006).

A problemática ambiental gerada pelo lixo é de difícil solução e a maior parte das cidades brasileiras apresenta um serviço de coleta que não prevê a segregação dos resíduos na fonte (IBGE, 2006). Nessas cidades é comum observarmos hábitos de disposição final inadequados de lixo. Materiais sem utilidade se amontoam indiscriminada e desordenadamente, muitas vezes em locais indevidos como lotes baldios, margens de estradas, fundos de vale e margens de lagos e rios.

3 A DISPOSIÇÃO FINAL DO LIXO: HÁBITOS URBANOS VISÍVEIS

Entre os impactos ambientais negativos que podem ser originados a partir do lixo urbano produzido estão os efeitos decorrentes da prática de disposição inadequada de resíduos sólidos em fundos de vale, às margens de ruas ou cursos d’água. Essas práticas habituais podem provocar, entre outras coisas, contaminação de corpos d’água, assoreamento, enchentes, proliferação de vetores transmissores de doenças, tais como cães, gatos, ratos, baratas, moscas, vermes, entre outros. Some-se a isso a poluição visual, mau cheiro e contaminação do ambiente.

A vivência cotidiana muitas vezes mascara circunstâncias visíveis, mas não perceptíveis. Mesmo contemplando casos de agressões ao ambiente, os hábitos cotidianos concorrem para que o morador urbano não reflita sobre as conseqüências de tais hábitos, mesmo quando possui informações a esse respeito.

Considerando o pressuposto de que os seres humanos são essencialmente ambientais e, como tais, tendem a subjetivamente perceber o ambiente por meio de signos que engendram a imagem ambiental, como se processa a percepção ambiental? Para Ferrara (1999, p. 153) percepção ambiental é “[…] informação na mesma medida em que informação gera informação: usos e hábitos são signos do lugar informado que só se revela na medida em que é submetido a uma operação que expõe a lógica da sua linguagem. A essa operação dá-se o nome de percepção ambiental”.

Mucelin e Bellini (2006) enfatizam que no contexto urbano as condições apresentadas pelo ambiente “[…] são influenciadas, entre outros fatores, pela percepção de seus moradores, que estimulam e engendram a imagem ambiental determinando a formação das crenças e hábitos que conformam o uso”.

As atividades cotidianas condicionam o morador urbano a observar determinados fragmentos do ambiente e não perceber situações com graves impactos ambientais condenáveis. Casos de agressões ambientais como poluição visual e disposição inadequada de lixo refletem hábitos cotidianos em que o observador é compelido a conceber tais situações como “normais”.

Andar pela cidade e contemplar os fragmentos habituais – regiões do ambiente urbano que compõem esse ecossistema – permite observar paisagem que retrata hábitos edificados temporal e culturalmente. Muitos são visíveis e se apresentam no mosaico de possibilidades da cena urbana. No entanto, nem sempre tais circunstâncias são percebidas e o morador local, pela vivência cotidiana habitual, não reflete sobre o contexto onde vive.

A disponibilidade de água facilita ou contribui para o desenvolvimento urbano, que leva em conta os recursos hídricos para a edificação das cidades. No ambiente urbano é fundamental o abastecimento de água e o tratamento de esgotos e águas pluviais. Por isso, as cidades, geralmente, são fundadas próximas ou sobre o leito de rios por razões óbvias: facilidade na obtenção de água. Nas cidades do Brasil é perceptível um padrão de construção de edifícios junto a leitos de rios (Figura 1). Suas margens, entretanto, deveriam ser preservadas com a manutenção da mata ciliar ou de galeria. Também é possível observar que na maioria dos casos, o rio é usado como local de disposição final de lixo, um hábito cultural existente e condenável.

 

À medida que a cidade se expande, freqüentemente, ocorrem impactos com o aumento da produção de sedimentos pelas alterações ambientais das superfícies e produção de resíduos sólidos; deterioração da qualidade da água pelo uso nas atividades cotidianas, e lançamento de lixo, esgoto e águas pluviais nos corpos receptores.

Pela relação habitual humana com o ambiente, com hábitos comumente observáveis no cenário urbano e, tais como os apresentados na Figura 1, é que Odum (1988) e Rickefs (1996) consideram a cidade uma das maiores fontes de agressão ambiental, embora a poluição dos mananciais na área urbana ocorra de várias outras maneiras. Constituem fontes poluidoras os esgotos domésticos, comerciais e industriais e a destinação inadequada de resíduos sólidos em fundos de vale, margens de rios e monturos.

O manancial hídrico é importante na definição do ambiente para a construção da cidade. Inevitavelmente, o desenvolvimento urbano tende a contaminar o ambiente com despejo de esgotos cloacais e pluviais. Os rios são utilizados como corpos receptores de efluentes e ainda, o lixo, que inadequadamente também é depositado nas margens e leito.

A disponibilidade de água facilita ou contribui para o desenvolvimento urbano, que leva em conta os recursos hídricos para a edificação das cidades. No ambiente urbano é fundamental o abastecimento de água e o tratamento de esgotos e águas pluviais.

O uso da água na cidade, tipicamente, tem um ciclo característico de impacto ambiental negativo. A água é coletada de uma fonte local (rio, lago ou lençol freático), é tratada, utilizada e retorna para um corpo coletor. Nesse retorno só excepcionalmente ela conserva as mesmas características de quando foi captada. Ocorrem alterações nas composições de sais, matéria orgânica, temperatura e outros resíduos poluidores.

Além destes impactos, em relação aos recursos hídricos, ainda existem aqueles causados pela deficiente infra-estrutura urbana: obstrução de escoamentos por construções irregulares, obstrução de rios por resíduos, projetos e obras de drenagem inadequadas.

A poluição dos mananciais na área urbana ocorre de várias maneiras. No contexto urbano, outro fragmento do ambiente utilizado para a disposição final inadequada de lixo são os lotes baldios e as margens de ruas e estradas.

A vivência cotidiana nos estimula pragmaticamente à elaboração mental de idéias das coisas que percebemos. Objetos e fatos observados e percebidos forçam a construção por associações de idéias que estimulam a mediação, orientando as ações e determinando as condutas, modo de ação. É nesse processo dinâmico, dialógico e interativo que desenvolvemos as crenças responsáveis pelos hábitos, que edificam o nosso modo de viver. Muitas vezes estes hábitos são condenáveis, como por exemplo, a disposição inadequada do lixo, em ambientes como os apresentados nas Figuras 1 e 2.

 

Nos monturos e mesmo nas ruas da cidade é comum a presença de grupos de catadores de resíduos sólidos recicláveis que, geralmente munidos de um carrinho, encontram na separação e comercialização desses resíduos, um meio de sua sobrevivência. Essa atividade, com raras exceções, ocorre em condições subumanas, pelos riscos que o lixo representa para a saúde e pelas condições de materiais e de equipamentos disponíveis nessa atividade.
Muitas agressões ambientais no espaço urbano são perceptíveis, enquanto outras não são tão evidentes, mesmo que intensas. Tuan (1980, p. 1) entende que o valor da percepção é fundamental quando se busca solução de determinadas agressões ambientais: “[…] percepção, atitudes e valores – preparam-nos primeiramente, a compreender nós mesmos. Sem a auto-compreensão não podemos esperar por soluções duradouras para os problemas ambientais que, fundamentalmente, são problemas humanos”.

4 ACERCA DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL

Percepção é uma palavra de origem latina – perceptione – que pode ser entendida como tomada de consciência de forma nítida a respeito de qualquer objeto ou circunstância. A circunstância em questão diz respeito a fenômenos vivenciados. Para Ferreira (1999) a percepção é a elaboração mental e consciente a respeito de determinado objeto ou fato, quer clarificando, distinguindo ou privilegiado alguns de seus aspectos, quer ao associá-la a outros objetos ou contexto.

A respeito da percepção, Locke (2001, p. 79) considerou-a como “[…] a primeira faculdade da mente usada por nossas idéias, consiste assim, na primeira e na mais simples idéia que temos da reflexão, por alguns denominada pensamento […] apenas a reflexão pode nos dar idéias do que é a percepção”

Del Rio (1999, p. 3) define a percepção como:

[…] um processo mental de interação do indivíduo com o meio ambiente que se dá através de mecanismos perceptivos propriamente ditos e principalmente, cognitivos. Os primeiros são dirigidos pelos estímulos externos, captados através dos cinco sentidos […]. Os segundos são aqueles que compreendem a contribuição da inteligência, admitindo-se que a mente não funciona apenas a partir dos sentidos e nem recebe essas sensações passivamente.

Tuan (1980) afirma que o mundo é percebido pelos humanos pelo uso de todos os seus sentidos. Assim, a percepção é uma espécie de leitura de mundo, na qual os sentidos perceptivos regem a produção cognitiva de cada um. Sobre essa leitura de mundo, via imagens, Kanashiro (2003, p. 160) propõe que elas “[…] seriam tipos de estruturas ou de esquemas imaginativos que incorporariam certos tipos ‘ideais’ e um determinado conhecimento de como o mundo ‘real’ funciona” [grifos do autor].

A leitura perceptiva do ambiente urbano, tanto individual quanto coletiva, é produzida nas inter-relações fenomenológicas habituais entre o morador e o ambiente. O julgamento perceptivo do ambiente ocorre pela semiose dos signos locais experienciados, estabelecidos a partir dos constituintes do ambiente e está intrinsecamente vinculado às crenças e hábitos vigentes.

A abrangência e o caráter inefável dos estudos de percepção ambiental é tal que concordamos com Tuan (1980, p. 2) quando menciona o fato de que o cientista e o teórico tendem a descuidar da subjetividade e diversidade humana, dada sua complexidade. Por isso: “[…] numa visão mais ampla, sabemos que as atitudes e crenças não podem ser excluídas nem mesmo da abordagem prática, pois é prático reconhecer as paixões humanas em qualquer cálculo ambiental” (Ibid., p. 2).

A vivência cotidiana molda padrões comportamentais habituais. Neste sentido, o morador urbano tem, na maioria das vezes, situações diárias vivenciadas de forma repetitiva, o que produz uma espécie de máscara destas situações no contexto. Isso forma uma imagem perceptiva em dois vieses: de um lado o ambiente urbano legível e perceptível vivenciado; de outro, situações e locais imperceptíveis, ocultos ao julgamento perceptivo.

Apresentamos a seguir parte da percepção a respeito do lixo, que foi obtida por meio de estudo com 88 profissionais, moradores urbanos investigados em 2006, da cidade de Medianeira, Oeste do Paraná, Brasil. Nossa investigação perceptiva do ambiente urbano de Medianeira foi desenvolvida com profissionais de 11 atividades distintas e atuantes na cidade. Investigamos quatro homens e quatro mulheres que atuavam como: funcionários do comércio, comerciantes do centro, dentistas, médicos, comerciantes de bairros, professores universitários, professores de ensino médio, universitários, políticos, donos de casa do centro e donos de casa de bairro.

A exceção ocorreu na atividade de donos de casa, tanto do centro como de bairros, pois conseguimos entrevistar apenas dois homens. Isso é um indicativo de que a mulher ainda, muitas vezes, assume o trabalho doméstico na cidade, geralmente, com dupla jornada, ou seja, trabalha fora e em casa.

As informações perceptivas foram obtidas por meio de entrevistas semi-estruturadas e as informações sistematizadas pelo método de análise de conteúdo.

5 A PERCEPÇÃO DO LIXO SEGUNDO ATORES SOCIAIS DE MEDIANEIRA

O lixo, quando não tratado adequadamente, pode ser responsável por impactos ambientais graves ao ambiente. Em nossa pesquisa questionamos o que a palavra lixo significava para os atores pesquisados. Obviamente não buscávamos uma definição formal, mas sim como os atores participantes percebiam ou entendiam o lixo. Registramos dois núcleos sígnicos perceptivos. De um lado, alguns atores listavam objetos que constituíam o lixo e, de outro, a maior parte procurava formular uma definição.

O lixo era percebido pela maioria como algo que não tinha mais utilidade, uma sobra de material descartável, aquilo que as pessoas desejavam jogar fora, geralmente, vinculado à sujeira, imundície, sujidade e ao mau cheiro. Não obstante, o lixo também foi percebido e considerado como um conjunto de materiais com valor econômico agregado.

Observamos que, ao pronunciar a palavra lixo, a maior parte dos atores deixava transparecer, pela expressão do rosto, sentimento de repúdio, reprovação e, geralmente, vinculava-o a coisas ruins. Portanto, o lixo era percebido como um signo ruim. Uma dona de casa de bairro mencionou: “Lixo é um desrespeito à natureza!”.

Indagamos aos atores sobre se produziam lixo. Todos disseram produzir. Entre os 88 entrevistados, apenas um proprietário do comércio do centro e uma dentista afirmaram que a quantidade produzida em suas residências é pequena.

Questionamos acerca da quantidade diária de lixo produzida em suas residências. As respostas eram dadas com hesitação, evidenciando que eles não tinham certeza. Convém mencionar que as médias apresentadas são valores da produção diária de lixo, por residências, que os atores afirmaram produzir.

Pareceu-nos que registrar ou controlar a quantidade de lixo produzida era uma novidade. O estranhamento e dúvidas que esta questão gerou nos atores sociais de Medianeira indicam que não há hábitos de mensuração. Apenas seis entrevistados (7%) não sabiam ou não opinaram a respeito dessa quantidade. Entre os 82 atores que indicaram a quantidade produzida, a menor foi mencionada por um professor universitário – 0,25kg, ator que morava sozinho. A maior foi indicada como 20 kg diários por residência. No Quadro 1, a média em quilos de lixo produzido nas residências dos entrevistados.

 

Apesar da ampla variabilidade de situações, como o número de membros em cada família e os valores da produção de lixo ser percebidos e não mensurados, a média geral da produção foi de 4,32 kg por família. A média dos membros das famílias investigadas foi de 3,36 pessoas. Portanto, temos uma média de produção diária per capitade lixo percebido de 1,28kg. Essa média se aproxima da média nacional brasileira atual que, segundo o (IBGE 2005), oscila em torno de 1,2kg de lixo por habitante/dia.

Nos diálogos ficou evidente que os atores não sabiam exatamente quantos quilos de lixo as famílias produziam. Suas respostas eram aproximadas e baseadas no manuseio feito em suas residências pelo volume que formavam. Ficou evidente que os atores não tinham convicção ou mecanismo de controle para informar com maior precisão. Acreditamos que não existia a preocupação com a quantidade produzida, porque o lixo era coletado e afastado das residências e, portanto, não afetava os membros das famílias, de forma direta, obviamente.

O tipo de lixo produzido em maior quantidade nas residências dos entrevistados também suscitou incertezas nas respostas. Registramos que o tipo de lixo produzido nas residências era percebido segundo dois grupos mais significativos: o lixo seco, geralmente formado por embalagens de papel, metais, plástico ou vidro, e o lixo orgânico. Foi indicado ainda o lixo considerado rejeito – geralmente, lixo de banheiros e fraldas descartáveis.

A maior parte do atores, 51 (58%), mencionou o lixo seco como o que mais produziam em suas residências. Os demais (37 atores) disseram que era o lixo orgânico.

Agrupamos as respostas dos atores segundo os tipos de lixo: seco e orgânico.

 

Quanto ao melhor lugar para a população de uma cidade fazer a disposição final, apenas uma dona de casa disse não saber: “Olha Carlos, eu disso aí não posso falar que eu não conheço onde que eles botam o lixo daí, não é? Eu não posso falar nada disso aí!”. Os demais, 87 (99%), tinham crenças sobre o melhor lugar para a disposição final do lixo. Identificamos em suas percepções cinco grupos sígnicos perceptivos para tal disposição: aterro, lixão, buraco, longe da cidade e reciclar.

 

 

Registramos que 55 (62,5%) atores acreditavam que o aterro sanitário era o melhor lugar para a disposição final e 20 (23%) que o lixo deveria passar por um sistema de tratamento adequado, com o reaproveitamento dos resíduos. Estes dados indicaram que, a maior parte dos atores entrevistados, tem uma percepção de que o lixo produzido pela cidade deveria ser adequadamente tratado e disposto.

O entendimento perceptivo dos atores quanto ao melhor lugar para fazer a disposição final do lixo que uma cidade produz foi variado entre os grupos de profissionais entrevistados.

 

Questionamos os atores sobre quais os recipientes, habitual e cotidianamente, são utilizados em suas residências para acondicionar o lixo doméstico produzido. Todos disseram ter o hábito de usar sacolas plásticas para armazenar o lixo, principalmente aquelas fornecidas pelos supermercados e mercearias. Esse hábito é comum, tanto pelos atores que praticam a coleta domiciliar seletiva, quanto pelos que misturam os resíduos.

A maior parte do atores, 52 (59%), disse que em suas residências habitualmente separavam o lixo. Observamos várias formas de separação: a mais comum é a segregação em lixo seco e em resíduos orgânicos.

 

Registramos que mesmo nas residências onde o lixo era separado não havia uma destinação adequada. Geralmente o lixo era recolhido pelo caminhão coletor da Prefeitura. No caminhão, o lixo era todo misturado e encaminhado ao lixão da cidade. O diálogo de um ator entrevistado ilustra a idéia do tratamento dado aos resíduos domésticos:

Nós colocamos em lixeiros com tampas. Nós separamos o que é orgânico, digamos assim, em um lixeiro e o que é plástico, papel e embalagens. No outro, o que é orgânico e jogamos na horta. O que é sólido, embalagens, isso vai para o caminhão. (Professor universitário).

Os atores disseram que a prática da coleta domiciliar não seletiva se devia à forma com que o lixo era coletado nas residências. Segundo eles, a coleta realizada pelo serviço público municipal de Medianeira desestimulava-os, pois mesmo aqueles atores que já haviam iniciado a segregação do lixo observaram que quando o lixo era coletado, tudo era misturado. Na fala de um professor universitário encontramos a justificativa: “Não é separado […] Porque na realidade nós tentamos separar no início, mas a gente percebia que o caminhão joga tudo no mesmo recipiente, então a gente acabou não separando mais”. Trata-se do mesmo argumento usado por um trabalhador do comércio: “A gente já tentou separar, mas daí, o lixeiro vem, joga tudo no mesmo lixo. Vai tudo para o mesmo lugar. Daí não adianta a gente fazer isso”.

Registramos os hábitos de segregação domiciliar dos resíduos sólidos em dois núcleos sígnicos perceptivos: os atores que separavam o lixo seco do lixo orgânico e aqueles que não tinham o hábito de separação.

 

Os hábitos dos atores, no que diz respeito ao tratamento do lixo gerado em suas residências, são influenciados, entre outras coisas, pela percepção que têm do serviço de coleta da cidade. Suas percepções desse serviço público local estimulam as atitudes despreocupadas com a segregação. Acerca das atitudes, Tuan (1980, p. 4) lembra que, a forma como agimos frente aos fatos vivenciados, “[…] é primariamente uma postura cultural, uma posição que se toma frente ao mundo. Ela tem maior estabilidade do que a percepção e é formada de uma longa sucessão de percepções, isto é, de experiências”.

Indagamos aos atores se acreditavam que o lixo poderia causar algum tipo de doença. Sem exceção, o lixo foi percebido como algo ruim, mal cheiroso, nocivo, associado à doença e aos vetores transmissores de doenças, especialmente ratos e insetos. Nos argumentos de um trabalhador do comércio, vê-se a percepção dos atores sobre a relação entre lixo e doenças: “Nossa, acho que várias […] a leptospirose do rato, acho que em si também, uma infecção intestinal, uma dor de barriga. Bom, eu acho que transmite todos os tipos de doenças”.

Perguntamos aos entrevistados que cor escolheriam, se pudessem determinar uma que representasse o lixo. Escolhidas as cores investigávamos o que representavam. Sistematizamos dois núcleos sígnicos perceptivos principais enunciados pelos entrevistados: de um lado as cores preta, marrom, cinza e vermelha associadas a algo ruim ou perigoso, e as cores branco, azul, amarelo, verde e rosa associadas a coisas boas.

 

Segundo Tuan (1980, p. 26): “As cores, que desempenham um papel importante nas emoções humanas, podem constituir os primeiros símbolos do homem”. Em nossa investigação, registramos uma grande variedade de cores escolhidas pelos atores locais para simbolizar o lixo. Porém, as cores escuras foram utilizadas para representar o lado ruim do lixo e sua problemática, enquanto as cores claras apontam para o lado bom, o lixo reciclável.

Constatamos que o lixo é percebido e associado como algo negativo pela maioria dos atores investigados. Entre os aspectos indicados pelos que associaram o lixo às coisas ruins registramos: a sujeira, a poluição visual, da água, do solo e do ar, a disposição inadequada e o mau cheiro.

Nossos resultados se alinham ao que Tuan (1980) propõe, ou seja, que todos os povos distinguem entre o preto e o branco associando estas cores à escuridão e claridade, respectivamente. Tanto a cor preta como a cor branca, possui significados positivos e negativos, dependendo da cultura. Apesar disso, Tuan defende a tese de que o mais se observa é a associação do branco às coisas positivas e o preto às negativas.

As cores associadas ao lado ruim do lixo foram maioria.

 

Registramos com base na percepção dos atores que as três cores mais lembradas associadas ao lixo foram a preta, a marrom e a vermelha, compondo dois núcleos sígnicos perceptivos negativos.

Os resultados da nossa investigação perceptiva coincidem com que registrou Lynch (1999, p. 48) em seu estudo de percepção ambiental urbana, ou seja, pessoas se ajustam à região onde habitam e produzem organização e identidade das coisas de seu contexto. Observamos que os atores sociais expressavam perceptivamente o ambiente a partir da vivência, moldando-o, construindo-o e reconstruindo-o na experiência cotidiana. E a experiência, como disse Peirce, é o próprio curso da vida, vinculada intrinsecamente às crenças e aos hábitos instituídos na cultura do lugar.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crescimento populacional, a conseqüente expansão territorial urbana e a ampliação do sistema de produção e consumo industrial têm contribuído para agravar as condições ambientais, sobretudo do cenário urbano.

No ambiente urbano, determinados impactos ambientais como a poluição do solo, da água e do ar, ocupação desordenada e crescimento de favelas nas periferias, edificação de moradias em locais inapropriados ou áreas de preservação tais como encostas, margens de rios, mananciais e até regiões de mangue precisam ser repensados e novos hábitos estimulados.

A ocupação humana de ambientes urbanos mais saudáveis requer do cidadão a condição de ser agente principal no processo de interação com o meio. O ser humano precisa estimular a percepção e se compreender como um constituinte da natureza e não como um ser a parte. Esta forma de compreensão pressupõe melhorar as condições ambientais, modificando formas de uso e manutenção do lugar onde habita, pela fixação de hábitos culturais mais saudáveis.

Registramos a ocorrência de diferentes percepções entre os atores sociais investigados. A percepção do ecossistema urbano no que diz respeito aos constituintes ambientais e os impactos negativos – tanto os perceptíveis quanto os imperceptíveis – varia segundo a profissão dos atores sociais e é influenciada, principalmente, pelas atividades cotidianas e pelo ambiente onde vivem os atores.

A percepção e tratamento do lixo e o uso da água em Medianeira são intrinsecamente relacionado às crenças e aos hábitos locais instituídos. Estes determinam o uso no ambiente que, por sua vez, reflete os impactos intensos e gravíssimos para a saúde humana e o ambiente urbano da cidade. Constatamos que há disposição inadequada de lixo em margens e leito dos rios e ruas, Fundos de Vale e lotes baldios. Também registramos a crença local de que o lixo afastado do ambiente urbano não prejudica o morador local, como é o caso do lixão da cidade.

As questões do lixo em Medianeira são distintamente percebidas, tratadas e valorizadas pelos atores sociais locais. O acesso a um nível educacional maior não assegura hábitos mais saudáveis para o ambiente urbano. Registramos que a percepção ambiental individual se alinha às percepções dos grupos, formando percepções coletivas que se assemelham. Estas percepções conformam a imagem ambiental coletiva dos atores.

Situações de poluição pela disposição inadequada de lixo provocam impactos ambientais negativos em diferentes ecossistemas da cidade como as margens e leito dos rios, margens de ruas e estradas, Fundos de Vale e lotes baldios. Caracterizam as práticas locais e as formas de uso intensos do ambiente urbano de Medianeira e são determinadas pelos valores culturais, crenças e hábitos instituídos.

A inadequada utilização dos ambientes urbanos nas cidades do Brasil acena para um comportamento comumente observável e implicam em danos ambientais graves e inconseqüentes.

Encerramos este diálogo afirmando que a percepção permeia o conhecimento e que jamais, percepção e conhecimento podem ser considerados sinônimos. A percepção alimenta o processo de mediação, de julgamento perceptivo, enquanto que o conhecimento é um processo epistemológico.

REFERÊNCIAS

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