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ESG

ESG e saneamento: como as premissas sustentáveis estão impactando a cadeia produtiva do setor

Implementação das práticas de governança ambiental, social e corporativa nas empresas brasileiras é aposta rumo à universalização e à sustentabilidade. Especialistas comentam desafios e importância do tema

Em 2023, o Instituto Trata Brasil, em parceria com a empresa KPMG Brasil, realizou o estudo ESG e Tendências no Setor de Saneamento do Brasil. O levantamento conclui que, apesar da enorme e reconhecida relevância do setor para a inclusão dos cidadãos das áreas urbanas e rurais aos serviços de água e esgoto, há ainda muito a ser compreendido e analisado sobre seu papel na agenda de adaptação às mudanças climáticas, geração e distribuição de energia, economia circular e a geração de empregos relacionados a estas áreas.

Impulsionado pelo Marco Legal do Saneamento Básico, o ESG (sigla em inglês para as práticas de governança ambiental, social e corporativa) tem sido um dos principais temas de debates e ações no setor. Ao passo que as preocupações com o impacto humano no meio ambiente se intensificam, a adoção desses princípios em empresas de todos os tamanhos torna-se vital.

A cadeia de valor do setor de saneamento inclui fornecedores de diversos setores e abrange desde grandes construtoras e geradoras de energia até fabricantes de tubos e conexões, bombas, hidrômetros e equipamentos, além de fornecedores de mão de obra. Neste contexto, estão incluídas também agências e reguladores, bem como clientes individuais, familiares, grupos vulneráveis e grandes empresas.

Este ecossistema é diretamente afetado pelo avanço do saneamento e da universalização. De acordo com o estudo “Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do Saneamento Brasileiro 2022”, também do Instituto Trata Brasil, os benefícios da expansão excederam os custos em aproximadamente R$ 509 bilhões, dado que indica um balanço social bastante positivo para os brasileiros.

Apesar de ser encorajado em empresas de todos os tamanhos e de ter um resultado positivo, o estudo sobre ESG detectou que, em geral, as grandes organizações fornecem mais dados sobre a gestão dos aspectos dessas práticas em suas operações do que empresas de médio e pequeno porte, algo comum em outros setores da economia. Mas então, como mudar este cenário para que as organizações menores acompanhem o novo ritmo?

A resposta não é única. Esta transição engloba uma série de fatores determinantes que vão além do marco regulatório.

O documento lista como fortes impulsionadores desta transição o impacto das mudanças climáticas no setor, que alteram fluxos, localizações e sazonalidades das chuvas; transição da economia global e nacional para uma economia de baixo carbono; estabelecimento de uma economia circular; e necessidade de incentivos à regeneração dos ecossistemas, de inclusão da população vulnerável nos serviços e de preparar os líderes, profissionais do setor e fornecedores, assim como toda a sociedade, para a transição que já se iniciou.

Estes agentes impulsionadores trazem também novos desafios para as lideranças e especialistas do saneamento, como a inclusão de toda a sociedade nestes processos, e a promoção da adaptação da cadeia de valor às mudanças do clima.

Nesta realidade, a intensificação das práticas de ESG nas empresas de saneamento do país é um critério inegociável na busca por soluções mais sustentáveis e que contribuam para a preservação ambiental.

Alexandre Carrasco, fundador da Consultoria Repensando Negócios e consultor no Instituto Ethos Serviços, ressalta que adotar uma gestão eficiente nas empresas de saneamento básico é fundamental para avançar na direção da sustentabilidade, um dos temas centrais nestas organizações.

Mestre em Gestão de Empresas pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), Alexandre atua, entre outras atividades, na implantação de ferramentas para gestão da sustentabilidade e governança corporativa. O especialista explica que esta jornada tem início com um diagnóstico ESG para identificar lacunas e problemas nas operações, “destacando os pontos críticos que precisam ser aprimorados nas áreas ambiental, social e de governança”, detalha.

Outro elemento essencial neste processo, segundo Carrasco, é o estudo de materialidade. É ele que define quais temas são mais relevantes para a empresa e seus stakeholders, as partes interessadas. “Questões como a gestão eficiente da água, a redução de perdas e o acesso ao saneamento em áreas vulneráveis ganham destaque”, pontua Alexandre.

A definição destas questões ajuda a formar a base do posicionamento estratégico da organização. E a combinação do diagnóstico ESG com o estudo de materialidade permite à empresa entender a real importância das lacunas encontradas e priorizá-las. Com isso, o consultor afirma que é possível desenvolver uma estratégia eficaz e criar indicadores para acompanhar a gestão e seus impactos ao longo do tempo. “Esse monitoramento contínuo garante que a empresa possa ajustar suas estratégias conforme necessário”, acrescenta.

É neste ponto que surge a inovação, ou, como é chamada em sua consultoria, “innovability”, junção do inglês para inovação e sustentabilidade.

Alexandre Carrasco explica que a inovação é a ferramenta capaz de transformar lacunas em soluções concretas, utilizando novas tecnologias e métodos eficientes para enfrentar os desafios do saneamento de forma sustentável e eficaz. O especialista conclui afirmando que “empresas que adotam o conceito de Innovability conseguem não apenas solucionar problemas, mas também se destacar como líderes na construção de um futuro mais sustentável”.

Alexandre é um dos palestrantes do Painel 2 do 35º Encontro Técnico AESabesp, que discutirá o tema “Indicadores ESG no Setor de Saneamento – A mensuração de resultados sociais, ambientais e de governanças nas organizações”. O debate será no dia 22 de outubro (terça-feira), das 16h40 – 17h40 Sala Cantareira 3.

Do ponto de vista ambiental, Josilene Ticianelli Vannuzini Ferrer, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental (PROCAM), do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP), e colunista da Saneas Online, evidencia que, com mais de 8 bilhões de pessoas ocupando espaços, usando recursos naturais e demandando energia diariamente, vivemos em uma era de extremos.

A especialista em Mudanças Climáticas, Gestão Ambiental e Relações Internacionais ressalta que o melhor conjunto de cientistas reunidos no Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), “alerta há mais de quatro décadas para os riscos do uso intenso de combustíveis derivados do petróleo, principais responsáveis pela intensificação do aquecimento global”.

Atrelado a isso, Josilene Ferrer pontua também a poluição por plástico e microplástico, dois dos principais poluentes que sobrecarregam o meio ambiente e oferecem danos para todos os seres viventes.

Mestre em Ciência Ambiental também pelo IEE, Josilene enfatiza que ainda é preciso resolver mazelas da falta de saneamento básico e disposição inadequada de resíduos, um problema típico dos anos 1970. “Agrega-se a este cenário alarmante os impactos do desmatamento intenso e das queimadas, geralmente resultantes de ações criminosas”, acentua, “além do uso predatório dos recursos naturais”.

Para ela, a ampliação das boas práticas ESG não é apenas importante: é urgente e imprescindível.

“A manutenção da nossa qualidade de vida depende da articulação eficaz de ações que preservem a saúde das gerações atuais e futuras”, frisa, apontando o programa de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU como um norte para orientar os rumos do século XXI.

Josilene Ferrer finaliza com a notória frase do explorador polar e ambientalista Robert Swan: “’A maior ameaça ao nosso planeta é a crença de que alguém vai salvá-lo’”. A especialista afirma com veemência que esta missão é de todos nós e temos muito trabalho pela frente.

Também colunista da Saneas Online, Reynaldo E. Young Ribeiro, mestre em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ressalta o valor fundamental das iniciativas de ESG “para impulsionar setores sustentáveis como o saneamento”, trazendo consigo um adequado reconhecimento para as empresas que já estão comprometidas com a agenda 2023 da ONU – acordo que visa o desenvolvimento sustentável baseado nos pilares do desenvolvimento econômico, da inclusão social e da sustentabilidade ambiental. Essencialmente, a agenda propõe objetivos pelo fim da pobreza, garantia de justiça e proteção do planeta para as próximas gerações até 2030.

Reynaldo Young, ex-presidente da Associação dos Engenheiros da Sabesp (AESabesp) e do Conselho Deliberativo da entidade, salienta que as empresas de saneamento brasileiras têm focado nas boas práticas ambientais, sociais e de governança. “Elas têm entre seus principais objetivos mitigar as mudanças climáticas, bem como promover o bem-estar da sociedade e implementar uma adequada governança corporativa”, frisa ele, que também é ex-conselheiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP).

Fonte: Cetrel


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