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Emissão de gases de efeito estufa no ciclo de vida do etanol: estimativa nas fases de agricultura e industrialização em Minas Gerais

Eng. Sanit. Ambient. vol.15 no.3 Rio de Janeiro July/Sept. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522010000300003

Emissão de gases de efeito estufa no ciclo de vida do etanol: estimativa nas fases de agricultura e industrialização em Minas Gerais

Greenhouse gas emissions in the life cycle of ethanol: estimation in agriculture and industrialization stages in Minas Gerais, Brazil

Juan Carlos Claros GarciaI; Eduardo Von SperlingII

IEngenheiro Industrial. Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
IIEngenheiro Civil. Doutor em Limnologia. Professor Titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental (DESA) da UFMG

Endereço para correspondência

RESUMO

O presente estudo apresenta uma estimativa da emissão de gases de efeito estufa (CO2, CH4 e N2O) nas etapas de agricultura e industrialização de cana-de-açúcar para produção de etanol em usinas localizadas no Estado de Minas Gerais. Princípios de Avaliação do Ciclo de Vida foram considerados na quantificação das emissões. Consideraram-se as emissões no consumo de combustíveis, utilização de insumos da agricultura, liberação de N2O no solo, emissões na queima da cana-de-açúcar e utilização de produtos químicos em 11 destilarias. Os resultados mostram uma emissão total de 1.539,60 kg CO2eq/ha·ano, com maior proporção para as emissões decorrentes da queima de cana-de-açúcar e consumo de combustíveis, os quais, em conjunto, representam mais de 50% do total de emissões.

Palavras-chave: quantificação da emissão de gases de efeito estufa; avaliação do ciclo de vida; etanol; cana-de-açúcar.

ABSTRACT

This research presents an estimate of greenhouse gas emissions (CO2, CH4 e N2O) in the stages of agriculture and sugarcane industrialization for the production of ethanol in mills located in the state of Minas Gerais, Brazil. Life Cycle Assessment principles were considered in the quantification of emissions. The use of fuels, agricultural inputs, N2O emissions on soil, sugarcane burning emissions and use of chemical products of 11 mills were considered in this study. The results show a total emission of 1,539.60 kg CO2eq/ha·year, considering as the main key sources: sugarcane burning and use of fuels, which account for more than 50% of the total emissions.

Keywords: quantification of greenhouse gas emissions; life cycle assessment; ethanol; sugarcane.

Introdução

A energia produzida a partir da cana-de-açúcar experimenta atualmente um crescimento expressivo na matriz energética brasileira, principalmente devido ao consumo de etanol. Esse tipo de energia já é a segunda fonte primária de energia no país, perdendo apenas para o petróleo e seus derivados (EPE, 2008). Face à importância atribuída ao etanol, vários estudos nacionais (MACEDO et al, 2004; SEABRA, 2008; SOARES et al, 2009) e internacionais (Kaltschmitt et al., 1997; Kadam, 2002; Luo et al., 2008, entre outros) têm se ocupado em avaliar sua eficiência energética e impactos ambientais, assim como seu potencial mitigador da emissão de gases de efeito estufa (GEE). No entanto, embora seja comumente aceito que os impactos ambientais ocasionados pelo etanol sejam quantificados aplicando-se a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), ainda não existe consenso com respeito à eficiência energética e seu impacto líquido em GEE. A ACV tem a vantagem de considerar os impactos ambientais ocasionados em todas as etapas associadas à produção e uso do etanol, o qual inclui a extração de matérias-primas, atividades da agricultura, industrialização, distribuição e consumo final. As discrepâncias existentes na ACV do etanol se devem, em parte, a divergências entre as abordagens e suposições adotadas quando da aplicação da ACV (LISKA; CASSMAN, 2008). Diferenças tecnológicas existentes em diferentes regiões onde o etanol é produzido também afetam o resultado das avaliações (SOARES et al, 2009). Nesse sentido, os estudos nacionais e internacionais não consideram as diferenças que podem haver na quantificação de emissões de GEE devido a diferentes cenários tecnológicos nos quais o etanol é produzido atualmente, incluindo as práticas de agricultura e industrialização.

Essas diferenças podem ocorrer devido ao fato de que a quantidade de insumos utilizados para produzir o etanol pode variar dependendo do cenário tecnológico em questão. No Brasil, existem atualmente diversos cenários sendo praticados (SOARES et al, 2009; OLIVEIRA et al, 2007; ANDRADE; ANDRADE, 2007), os quais podem variar segundo o tipo de preparo do solo, o tipo de plantio, o tipo de tratos culturais, entre outros. Essas variações podem levar a diferentes resultados na quantificação das emissões, pelo que se considera importante realizar estudos que avaliem tais diferenças. Para facilitar a avaliação das diferenças na quantificação, é necessário identificar as etapas ou atividades nas quais ocorre a maior parte das emissões de GEE na produção do etanol, uma vez que variações tecnológicas nessas etapas poderão resultar em diferenças significantes na estimativa das emissões. Nesse sentido, o presente estudo visou identificar as etapas ou atividades em que ocorrem maiores emissões de GEE na agricultura e industrialização de cana-de-açúcar para produção de etanol, focando o estudo em destilarias de Minas Gerais. Os resultados serão utilizados para identificar, em uma posterior pesquisa de campo, os cenários tecnológicos envolvidos em tais etapas e suas respectivas emissões de GEE para, finalmente, avaliar as diferenças na quantificação das emissões.

Metodologia e resultados

Para estimar a emissão de GEE, foram aplicados princípios da metodologia de ACV (EEA, 1997; USEPA, 2006) e recomendações do IPCC (2006). Foram levadas em conta somente as emissões de CO2, CH4 e N2O (GEE), as quais são consideradas as mais importantes de origem antropogênica1 em sistemas relacionados com agricultura (IPCC, 2006). As emissões totais foram expressas em kg de CO2 equivalente2 (kg CO2eq). O estudo foi realizado com base em informações de 11 destilarias localizadas em Minas Gerais, cujos processos de licenciamento ambiental foram consultados por meio da Federação Estadual do Meio Ambiente (FEAM). As estimativas das emissões foram realizadas considerando-se um hectare de terreno cultivado durante um ano (unidade funcional). O período de base para o cálculo das emissões foi determinado em seis anos, o qual inclui o pousio (seis meses), o ciclo da cana-planta (um ano e meio, incluindo o plantio e o primeiro corte) e quatro ciclos da cana-soca3(quatro anos, incluindo quatro cortes, realizando-se um corte por ano) na etapa de agricultura. De modo geral, as emissões de GEE foram calculadas aplicando-se a Equação 1:

 

 

onde:

 

Ei: emissões de GEE correspondentes a uma categoria ou atividade (i) considerada no cálculo das emissões;

i: consumo de combustível nas operações agrícolas; consumo de combustível no transporte de mudas; consumo de combustíveis no transporte de torta de filtro, cinzas e sedimentos; consumo de combustível no transporte de cal e fertilizantes; consumo de combustível na fertirrigação; consumo de combustíveis na colheita mecânica; consumo de combustíveis no carregamento e transporte da cana-de-açúcar; consumo de cal e fertilizantes; consumo de defensivos agrícolas; queimas antes e após a colheita; liberação de N2O no solo; produção de mudas; e consumo de produtos químicos na etapa industrial;

Ij: quantidade consumida do insumo j na categoria ou atividade em questão;

nc: número de ciclos nos quais a quantidade Ij é consumida;

FEj: fator de emissão de GEE correspondente ao insumo Ij;

j: combustível, cal, fertilizantes, defensivos agrícolas, cana-de-açúcar a ser queimada durante a colheita e produtos químicos usados na etapa industrial.

O número de ciclos (nc) varia dependendo se a quantidade de insumo j é utilizada somente no ciclo da cana-planta (nc = 1), nos quatro ciclos da cana-soca (nc = 4) ou nos ciclos da cana-planta e cana-soca (nc = 5). O divisor 6 representa o período de base considerado (seis anos).

Os fatores de emissão aplicados foram obtidos de duas fontes: (1) do Ecoinvent (IFU; IFEU, 2006); (2) quando disponíveis, do IPCC (2006). O Ecoinvent é uma ampla base de dados que mostra as cargas ambientais, incluindo as emissões gasosas, associadas ao ciclo de vida de produtos/processos industriais e de agricultura, entre outros. A partir dessa fonte, os fatores de emissão foram obtidos selecionando-se os processos e os GEE considerados no presente estudo. O IPCC (2006) fornece fatores de emissão para os principais processos de agricultura, tais como uso de cal, queima de resíduos agrícolas e liberação de N2O no solo. Nesses casos, foram utilizados os fatores de emissão recomendados pelo IPCC. Exceto indicado, os fatores de emissão considerados no estudo foram baseados no Ecoinvent. Assim mesmo, exceto indicado, todos os dados da parte de resultados foram obtidos das usinas pesquisadas.

O cenário considerado para levantamento das emissões representa as práticas tecnológicas mais empregadas nas usinas estudadas, com valores médios de consumo e produção. Uma vez que o objetivo do estudo foi determinar as etapas ou atividades em que ocorre a maior parte das emissões de GEE, não foi realizada uma análise de incerteza dos dados. Os GEE foram classificados em sete categorias: consumo de combustível; consumo de cal e fertilizantes; consumo de defensivos agrícolas; emissão de N2O no solo; emissões nas queimas antes e após a colheita; produção de mudas; e emissões na industrialização da cana-de-açúcar.

Exceto indicado, todos os valores de consumo de combustíveis correspondem aos dados das usinas pesquisadas. Nos casos em que não foi possível achar o consumo específico de combustíveis no uso de maquinário, foram usados os dados mostrados em Macedo et al (2004), cujo maquinário agrícola é similar àquele constatado nos dados das usinas pesquisadas. Nos dados das usinas pesquisadas, foi observado que praticamente não há uso de gasolina em nenhuma das operações agrícolas ou industriais, pelo que tal combustível não foi levado em conta na quantificação das emissões. Assim mesmo, na etapa industrial, não foi constatado o uso de combustíveis, já que a energia elétrica é gerada pela queima de bagaço de cana-de-açúcar. Para o cálculo das emissões de GEE no consumo de combustível, o fator de emissão do óleo diesel foi determinado com base em dados do IPCC (2006), do MME (2009) e do Ecoinvent (IFU; IFEU, 2006). Dessa forma, o fator de emissão correspondente ao consumo do óleo diesel foi determinado em 3,01 kg CO2eq/L.

Nas usinas estudadas, as operações agrícolas caracterizam-se pelo cultivo semimecanizado (sulcação e adubação mecanizada, com plantio manual) e colheita manual com queima prévia do canavial. A prática de colheita mecanizada foi identificada nas usinas mais modernas; no entanto, mesmo nessas usinas, a colheita manual com despalha a fogo é ainda a prática predominante. Não foram achados dados de consumo de combustíveis em operações agrícolas; assim, adotaram-se os dados de consumo relatados em Macedo et al (2004): 102,63 L/ha para o plantio e 9,11 L/ha para os tratos culturais da cana-soca. Para o transporte de mudas, foi considerada uma distância de 5 km, com base na área agrícola média das usinas pesquisadas (10.500 ha). Nas usinas pesquisadas, o transporte de mudas ocorre uma vez a cada seis anos; são utilizadas, em média, 12 toneladas de mudas por hectare. O transporte normalmente ocorre em caminhões de 12 toneladas, que percorrem 2,3 km/L. Todas as usinas pesquisadas destinam a totalidade da torta de filtro, cinzas e sedimentos gerados na etapa industrial para sua utilização em áreas de lavoura da cana-de-açúcar. A taxa média de geração desses resíduos nas usinas é de 2.051,63, 659,60 e 1.430,02 kg/ha·ano (total = 4.141,25 kg/ha·ano), respectivamente. O transporte é realizado em caminhão basculante com capacidade de 8 toneladas e consumo de 2,5 km/L. A distância média entre a usina e a área agrícola é de 13 km.

Os dados de consumo de cal e fertilizantes estão relacionados na Tabela 1. No período base de seis anos, existe um transporte total de 3.640 kg de cal e fertilizantes (1.520 kg de cal + 440 kg de fertilizante no plantio + 420 kg de fertilizante × 4 cortes da cana-soca = 3.640 kg de carga). Para o cálculo das emissões no transporte de cal e fertilizantes, foi considerada a utilização de um caminhão de 12 toneladas, com consumo de 2,5 km/L e 25 km de distância entre o fornecedor e a lavoura (MACEDO et al, 2004).

Todas as empresas pesquisadas realizam fertirrigação, isto é, aplicação de vinhaça e águas residuárias oriundas do processo industrial na lavoura, principalmente nos tratos culturais da cana-soca. Dessa forma, são realizadas quatro fertirrigações (nos quatro ciclos da cana-soca) no período de base considerado (seis anos). A área média fertirrigada é de 32%, com taxa média de aplicação de 215 m3/ha. Foram observadas três formas de aplicação: aplicação direta com caminhões tanque (6%); caminhões tanque + conjuntos moto-bomba (34%); e canais de irrigação + conjuntos moto-bomba (60%). No primeiro caso, os caminhões-tanque utilizados têm capacidade de 12 m3, percorrem uma distância média de 5 km e consomem 2,8 km/L de óleo diesel. No caso de fertirrigação com caminhões-tanque e conjuntos moto-bomba, a capacidade dos caminhões é de 15 m3, com distância média percorrida de 7 km e consumo de 2,2 km/L. Segundo dados das usinas pesquisadas, levou-se em conta um conjunto moto-bomba com potência de 90 cv, com consumo de 16,5 L/hora e vazão de 190 m3/hora. No caso de fertirrigação com canais de irrigação + conjuntos moto-bomba, foram levadas em conta as características do mesmo conjunto moto-bomba.

Não foram achados dados da proporção de colheita manual e colheita mecânica nas usinas pesquisadas; por isso, foram usados dados do CTC (2009). Segundo esses dados, em Minas Gerais ocorrem 63,3% de colheita manual (62,4% de cana-de-açúcar queimada e 0,9% de cana-de-açúcar crua) e 36,7% de colheita mecânica (30,7% de cana-de-açúcar crua e 6% de cana-de-açúcar queimada). Na colheita mecânica, normalmente são utilizadas colhedoras com transbordo, as quais têm capacidade de 45 e 35 toneladas/hora, com consumo de 40,4 e 9 L/hora, respectivamente (MACEDO et al, 2004). Para o cálculo das emissões de GEE na colheita mecânica, foi levada em consideração a produtividade média das usinas pesquisadas (82,11 toneladas de cana/ha4). A maioria das usinas pesquisadas realizam carregamento mecânico após o corte manual da cana-de-açúcar. O carregamento é realizado por carregadeiras que têm capacidade de 46 toneladas/hora e consumo de 7,10 L/hora. O transporte de cana-de-açúcar da área de corte até as usinas ocorre em caminhões com e sem reboque, com consumo médio de 20,4 mL/toneladas·km (MACEDO et al, 2004) e distância percorrida de 24 km (ida e volta).

Nas usinas pesquisadas não foi possível achar quantidades de fertilizante utilizadas para todas as fórmulas de adubo empregadas, com exceção daquelas indicadas na Tabela 1. Considerou-se o uso de N na forma amoniacal; P2O5 na forma de superfosfato simples e K2O na forma de cloreto de potássio, que são as fontes mais comuns desses fertilizantes no Brasil (OLIVEIRA et al, 2007). Quanto à cal, a do tipo dolomítico é a mais utilizada.

Para o cálculo das emissões devido ao consumo de defensivos agrícolas (herbicidas e inseticidas), estes foram classificados de acordo com seu ingrediente ativo/grupo químico, uma vez que os fatores de emissão disponíveis estão expressos em função desses parâmetros. Levou-se em conta que a quantidade de defensivos utilizada é a mesma durante o plantio (um ciclo) e tratos culturais da cana-soca (quatro ciclos, o que resulta em um total de cinco ciclos).

Para o cálculo das emissões de GEE durante as queimas no canavial, adotaram-se os fatores de emissão para queima de resíduos agrícolas recomendados pelo IPCC (2006): 2,7 g CH4/kg e 0,07 g N2O/kg de massa seca (ponteiros e folhas), ou seja, 82,82 g CO2eq/kg, com fator de combustão de 0,80. As emissões de CO2 na queima da cana-de-açúcar não são levadas em consideração, uma vez que o carbono liberado será reassimilado pela vegetação (cana-de-açúcar) durante o próximo cultivo. Segundo Seabra (2008), uma tonelada de cana contém 140 kg (massa seca) de ponteiros e folhas, os quais são queimados para colheita manual, ficando depois o palhiço. Considerando-se esses dados, e com base na produtividade média das usinas pesquisadas (82,11 toneladas/ha), a quantidade de biomassa (base seca) submetida à queima é da ordem de 11,50 toneladas/ha. Para o cálculo da emissão de GEE, levou-se em conta a queima tanto dos ponteiros e folhas secas quanto do palhiço; assim mesmo, considerou-se a fração de cana-de-açúcar queimada em Minas Gerais (68,4%) (CTC, 2009). Considerou-se também que a quantidade de emissões de queima é a mesma durante o plantio (um ciclo) e tratos culturais da cana-soca (quatro ciclos, o que resulta em um total de cinco ciclos).

Para o cálculo da liberação de N2O no solo, levaram-se em conta os dados da Tabela 1, na qual se observa que são adicionados 84 kg de N (durante quatro ciclos da cana-soca) ao solo. A adição de N no solo, por meio de fertilizantes nitrogenados, intensifica os processos de nitrificação e desnitrificação, liberando como subproduto o N2O à atmosfera. As emissões de N2O são da ordem de 20 g por kg de N aplicado no solo (IPCC, 2006).

Não foram encontrados dados detalhados do processo de produção de mudas. No entanto, verificou-se que a tecnologia empregada nesse processo é praticamente a mesma aplicada à lavoura canavieira para corte comercial5, sendo que a colheita de mudas é inteiramente manual sem queima prévia, pelo que não há emissões devidas à colheita mecânica e combustão nessa fase. Segundo dados das usinas pesquisadas, as áreas resultantes da multiplicação da cana-de-açúcar proveniente dos viveiros de mudas são, em média, 10 a 15 vezes maiores em comparação às áreas de tais viveiros (média de 12,5 vezes maiores). Nesse sentido, para o cálculo das emissões de GEE correspondentes à produção de mudas, foi considerada uma fração (1/12,5 = 0,08, ou seja, 1 unidade de área de produção de mudas proverá mudas para uma área de lavoura comercial 12,5 vezes maior à área de mudas) das emissões provenientes da lavoura comercial, excluindo-se as emissões devido à queima e colheita mecânica.

Toda a energia utilizada nas usinas pesquisadas é gerada a partir da queima do bagaço de cana-de-açúcar; dessa forma, não há emissão de GEE devido ao uso de combustíveis fósseis6. As emissões diretas de GEE estão associadas principalmente à liberação de CO2 durante a queima do bagaço e fermentação do caldo de cana, mas essas emissões, como indicado anteriormente, não são levadas em conta na quantificação dos GEE, porque o carbono liberado será reassimilado pela vegetação (cana-de-açúcar) durante o próximo cultivo (IPCC, 2006). Nesse sentido, na etapa industrial, somente foram consideradas as emissões correspondentes ao consumo de produtos químicos para industrialização da cana-de-açúcar. A Tabela 2 mostra o resumo de resultados das emissões de GEE para as etapas de agricultura e industrialização.

Discussão e conclusões

Os resultados mostram que a maior parte da emissão de GEE durante as etapas de agricultura e industrialização da cana-de-açúcar para produção de etanol ocorre principalmente durante a queima do canavial e do palhiço, na qual há emissão de CH4 e N2O. Nesse aspecto, a introdução de colheita mecanizada poderia reduzir as emissões da queima em aproximadamente 65%, uma vez que a introdução de colheita mecânica também gera emissões. Nesse sentido, considerando-se que seja possível introduzir 100% de colheita mecânica (supondo-se que haja disponibilidade de terras planas em Minas Gerais para introdução de colheitadeiras mecânicas), as emissões de GEE na colheita mecânica resultariam em, aproximadamente, 238 kg CO2eq/ha·ano (151 unidades a mais em comparação com o resultado obtido na situação atual). Já as emissões devido às queimas no canavial seriam nulas; então, deixariam de ser emitidos (segundo a Tabela 2) 434,31 kg CO2eq/ha·ano. Essa redução nas emissões de GEE devido às queimas seria compensada pelo aumento nas emissões devido à colheita mecânica, resultando em uma redução líquida de 65% nas emissões devido às queimas. A segunda maior fonte de emissão de gases ocorre pelo uso de combustíveis fósseis, com maior proporção para as operações de colheita mecanizada, carregamento e transporte da cana-de-açúcar. Essas duas fontes (queima do canavial e uso de combustíveis) respondem por mais de 50% das emissões totais. A aplicação de fertilizantes nitrogenados, os quais promovem a liberação de N2O no solo, também apresentaram quantidades importantes de emissão de GEE. Nesse aspecto, pode-se dizer que a emissão total de GEE é muito sensível à quantidade de fertilizantes de N adicionados no solo, uma vez que, além de apresentarem fator de emissão alto, estes contribuem tanto para as emissões associadas ao consumo de fertilizantes quanto à correspondente emissão de N2O no solo. O consumo de defensivos agrícolas é o que menos contribui (1,97%) para a emissão total de GEE; no entanto, os fatores de emissão desses defensivos são bastante elevados, pelo que o aumento do seu consumo pode resultar em incrementos importantes no total de emissões. Comparando-se os resultados obtidos neste estudo com o realizado por Macedo et al (2004), o qual é um dos trabalhos mais importantes a respeito do tema no Brasil, observa-se que as emissões totais aqui estimadas (1.539,60 CO2eq/ha·ano) são menores em comparação com as emissões correspondentes nesse estudo (1.882,38 CO2eq/ha·ano). As principais diferenças estão nas emissões correspondentes à queima da cana-de-açúcar e N2O liberado no solo. No estudo de Macedo et al (2004), essas emissões representam 32,84 e 24,80% do total, respectivamente. No caso da queima da cana-de-açúcar, o resultado das emissões no presente estudo é menor, principalmente devido a que o estudo de Macedo et al(2004) considera 100% de eficiência na combustão, o que não é o caso do presente estudo. Assim mesmo, no estudo de Macedo et al (2004) as emissões de N2O liberado no solo são maiores em comparação ao presente trabalho, já que esse estudo considera a aplicação de fertilizantes nitrogenados durante o plantio, o que não foi levado em conta neste estudo, de acordo com os dados das usinas pesquisadas. O estudo de Macedo et al(2004) analisa dois cenários tecnológicos: um deles representa valores médios de consumo por parte das destilarias; o outro cenário considera valores ótimos de consumo de insumos. O presente estudo assemelha-se mais ao segundo cenário considerado por Macedo et al (2004), uma vez que as destilarias analisadas realizam práticas como utilização de resíduos da indústria na agricultura da cana-de-açúcar, e isso contribui para a diminuição das emissões totais de GEE.

Pode-se observar que as emissões de GEE nas fases de agricultura e industrialização de cana-de-açúcar para produção de etanol ocorrem principalmente devido à queima da planta, consumo de combustível, liberação de N2O no solo e consumo de cal e fertilizantes. Uma vez que esses processos são responsáveis pela maior parte das emissões, a consideração de diferentes cenários tecnológicos em tais processos poderia levar a diferenças significantes na quantificação das emissões. Essas diferenças deveriam ser também avaliadas para se ter um maior entendimento das discrepâncias decorrentes da aplicação da ACV na quantificação de emissões de GEE na produção de etanol. Tais diferenças serão avaliadas em posteriores trabalhos, já se considerando cenários tecnológicos diferentes e suas variações para os processos citados.

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