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Direito à água em risco na Cúpula das Nações Unidas

Thalif Deen
Jornalista, especialista em recursos hídricos da IPS

O Plano de Ação que mandatários do mundo todo adotarão na Cúpula Mundial da ONU (14 a 16 de Setembro de 2005), na sede da Organização, em Nova York, apenas toca no Direito à Água Potável e ao Saneamento, lamentou lamentou Anders Berntell, Diretor-Executivo do Instituto Mundial da Água de Estocolmo (SIWI). Apesar de serem conhecidas que as próprias estatísticas da ONU são terríveis: uma pessoa em cada cinco vive sem acesso à água potável, e duas em cada cinco não possuem sequer saneamento básico. Pior ainda, cerca de 4.500 crianças morrem por dia vítimas de diarréia, e em qualquer momento, quase a metade da população do mundo em desenvolvimento sofre uma ou mais enfermidades vinculadas com a má distribuição da água, falta de saneamento, ou, ainda, com a má gestão dos recursos hídricos.

Porém nada disto consta, no momento, no plano que deverá ser adotado pela Cúpula Mundial, apesar de que reduzir pela metade a percentagem de pessoas que carecem de acesso á água potável seja uma das Metas do Milênio fixadas pelos Estados-membro da ONU para 2015. O documento negociado, de 38 páginas, dá pouca importância à água potável como meio para combater doenças e erradicar a pobreza.

“A água só é mencionada em um pequeno trecho, e mesmo assim não diz nada de novo”, afirmou Berntell para mais de 1.400 especialistas em água e representantes de ONGs que estiveram reunidos num simpósio na capital sueca, durante a Semana Mundial da Água (Março/2005). “É óbvio que se necessita de mais pressão por parte de todos os que estão aqui reunidos”, afirmou.

A única referência à água no projeto do Plano de Ação da Cúpula da ONU solicita apoio para os países em desenvolvimento em seus esforços para proporcionar água potável e saneamento básico universal, de acordo com a Declaração do Milênio (2000) e do Plano de Ação de Johanesburgo, adotado na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada nessa cidade sul-africana em Setembro de 2002.

O parágrafo de referência também exorta no sentido de acelerar os planos de gestão nacional de recursos hídricos e o lançamento de um programa de ação com apoio técnico e financeiro, com vistas a cumprir a meta de reduzir pela metade a porcentagem de pessoas sem acesso à água potável nem saneamento básico antes de 2015.

Representantes dos países-membro da ONU se reuniram em Nova York para revisar o projeto do Plano de Ação da Cúpula Mundial, que também foi criticado pelo Grupo dos 77 (formado por 132 países em desenvolvimento) e pelos Estados Unidos, embora por diferentes motivos. A Ministra do Meio Ambiente da Suécia, Lena Sommestad, também expressou insatisfação com o projeto do Plano de Ação e sua leve referência à água e anunciou que a delegação de seu país pressionará na ONU para que seja dada prioridade a este assunto. “Um dos que nos ajudará nisto” é o novo Presidente da Assembléia Geral, o embaixador sueco Jan Eliasson, ex-Subsecretário da ONU para Assuntos Humanitários, afirmou Berntell.

Embora água e saneamento pareçam irmãos inseparáveis, a primeira é priorizada sobre a segunda, disse Roberto Lenton, Presidente do Conselho sobre Fornecimento de Água e Saneamento da Organização Mundial da Saúde (OMS). As pessoas e comunidades sabem mais do vínculo entre água potável e saúde do que o existente entre saneamento e saúde, explicou Lenton. Tende-se a passar por alto pelo saneamento. “Todos compreendem que a água é vida. Então, o saneamento é dignidade”, afirmou. Saneamento e higiene são tão “notoriamente ignorados” que é imperativo dar-lhes a maior prioridade política nas agendas nacionais e internacionais.

Além disso, na África mais do que em qualquer outra região, o saneamento é um problema muito mais grave e mais difícil de resolver do que o fornecimento de água, afirmou o especialista. Dos 2,6 bilhões de pessoas sem acesso a saneamento no mundo, pelo menos 75% vivem na Ásia, 18% na África e 5% na América Latina e no Caribe. Apenas China e Índia, as nações mais povoadas do mundo, somam mais de 1,2 milhões de moradores de áreas rurais sem acesso a saneamento adequado. Mas estes dois países também são “os que têm os programas mais agressivos para conseguir seus objetivos” na matéria, segundo Lenton.

A Agência para o Desenvolvimento e a Cooperação da Suíça (SCD) informou em Estocolmo que tanto as agências da ONU quanto ONGs dedicadas ao desenvolvimento apóiam cerca de mil centros de produção de latrinas em áreas rurais de Bangladesh. “A cobertura de latrinas era baixa, apesar dos elevados investimentos. Esta situação mudou drasticamente com a mudança do enfoque, da busca de equipamento barato à criação de um mercado para a produção privada”, explicou a SDC. Como conseqüência, a cobertura de latrinas aumentou rapidamente de 25% para 50%, ao mesmo tempo em que foram criados milhares de empregos. Hoje, aproximadamente seis mil pequenas empresas rurais produzem 1,2 milhão de latrinas por ano. A meta do governo é atender a demanda total até 2010.

“Melhorar o conhecimento sobre sanea­mento e higiene é difícil porque o assunto está sujeito a grandes tabus culturais”, diz um relatório encomendado pelo governo da Noruega no ano passado. “De todo modo, há lições a serem tiradas da experiência da AIDS, outra questão cercada de tabus culturais, mas que recebeu atenção e mobilização geral”, diz o informe. Bangladesh é um caso particular. “A crise pela água é muito grave”, mas embora milhões sofram com a escassez e a ameaça pela contaminação com arsênico, “estamos nos concentrando mais no saneamento”, disse Tauhid Ibne Farid, da organização Action Aid Bangladesh.

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A Semana Mundial da Água é um fórum anual dirigido à comunidade internacional encarregada da gestão dos recursos hídricos. Além disso, o Simpósio de Estocolmo sobre a Água inclui sessões temáticas, debates, palestras científicas, seminários organizados por diversas organizações internacionais, exposições e entrega de prêmios.

Fonte: http://www.eco21.com.br
Edição nº106

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