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Cultivando água boa

Leonardo Boff

Teólogo. Membro da Comissão da Carta da Terra

Quem acompanhou meus textos anteriores talvez tenha tido a impressão de pessimismo, de que estamos chegando tarde demais e de que vamos ao encontro do pior. Na verdade somos realistas. Toda situação de crise como a nossa, possui um componente de dissolução como condição para o surgimento do novo. Este novo, no entanto, não surge diretamente do vácuo quântico, quer dizer, das virtualidades ilimitadas presentes no processo da evolução cósmica e social. Ele conhece antecipações e vai sendo preparado seminalmente até ganhar a hegemonia do processo como um todo. Daí ser importante, estarmos atentos às inovações que se dão ainda dentro do velho sistema da Sociedade de Crescimento Industrial, mas que já não obedece à sua lógica.

Quem tem participado dos Fóruns Sociais Mundiais como o de Porto Alegre seguramente tem constatado que lá o mais importante não são tanto as idéias e os sonhos coletivamente partilhados, mas a troca intensíssima de experiências e de conhecimentos alternativos entre os que já se propõem a construir a Sociedade de Sustentação de toda a Vida.

Dentro deste espectro de experiências vale referir o projeto “Cultivando Água Boa” da Itaipu Binacional, em Foz do Iguaçu. Sabidamente é a maior hidrelétrica existente no mundo com um reservatório de 17 bilhões de metros cúbicos de água represada do Rio Paraná e movendo 18 unidades geradoras de 12.600 megawatts.

Antes, a água era apenas vista como meio de produção de energia elétrica sem preocupação com outros usos dela. Sob o Governo Lula, a nova direção, particularmente com Jorge Miguel Samek e com Nelton Miguel Friedrich entre outros, introduziu a partir de 2003 uma clara preocupação ecológica, numa perspectiva integral, envolvendo 29 municípios ribeirinhos e as regiões de influência do reservatório.

Prêmio Carta da Terra + 5

Começaram pela coisa certa, uma ampla conscientização sobre a questão mundial da água, tida não principalmente como recurso hídrico, mas como um bem natural, vital e insubstituível a ser cuidado como se cuida da vida, dos solos e das florestas.

A 20 de Junho de 2003 lançaram o “Pacto das Águas”, comprometendo os representantes de todas as regiões sob o arco do projeto “Cultivando Água Boa”. Formaram uma consciência coletiva fundada nos valores da Carta da Terra, da Ética do Cuidado, da Agenda 21 e das Metas do Milênio da ONU.

Foram implantados nos municípios projetos de controle de poluição hídrica, de recuperação das matas ciliares, de implementação de programas sócio-ambientais geradores de renda como o Pescador-Agricultor, Agricultura Orgânica, Agricultura Familiar, Culturas Alternativas, Plantas Medicinais, Coleta Solidária, Comunidades Indígenas e o Jovem Jardineiro. Ao todo são 18 programas e 108 ações. De tempos em tempos se fazem encontros multitudinários para revisão e aprofundamento com a presença de nomes notáveis do campo da ecologia, como recentemente a presença de Fritjof Capra.

Orgulhoso assisti, em final de 2005, à premiação dada pela Comissão da Carta da Terra+5 em Amsterdã ao projeto “Cultivando Água Boa”. Foi tido como uma das quatro melhores experiências em nível mundial na linha de uma ecologia integral que incorpora o ambiente, a sociedade, as mentes, e a visão holística na perspectiva de criar uma Sociedade de Sustentação de toda a Vida. Eis sinais que já anunciam o novo.

Fonte: Eco 21 – Edição 112
http://www.eco21.com.br/

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