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Como o monitoramento por IA pode proteger as florestas

IA pode proteger as florestas

Conheça projetos que geram benefícios diretos para frear as emissões e conservar ativos da biodiversidade

A IA torna-se uma grande aliada do clima e da biodiversidade na medida em que concluem-se com mais precisão e eficácia as ações de proteção que seguem um padrão repetitivo. Para Carlos Souza Jr, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, pode-se traduzir a IA como “algoritmos de aprendizagem de máquina para automatizar tarefas executadas por humanos”.

Isso não ocorrerá da noite para o dia. Deve-se realizar ainda ao longo de meses e anos muito desenvolvimento computacional. Chegará então o momento em que as aplicações desenvolvidas com base na IA eliminarão a subjetividade e o esforço humano de várias tarefas onde eles estão presentes hoje. Nos testes computacionais atuais, os algoritmos inteligentes já superam os tradicionais.

Nesse sentido, existem diversos projetos sendo construídos. Os projetos vão desde o mapeamento quanto à conservação das florestas. Assim, geram benefícios diretos para frear as emissões e conservar ativos da biodiversidade. O Imazon coordena um desses projetos em conjunto com outras instituições que geram ciência e informação no Brasil.

Souza Jr. cita a pesquisa que vem sendo desenvolvida em parceria com o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). O objetivo principal é a criação de um algoritmo para validar os resultados provenientes do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD). Trata-se de um sistema do próprio Imazon. Atualmente analistas realizam a atividade de carne e osso, mas deve-se tornar automática em breve.

Redução na mão de obra humana

Com a IA, será possível reduzir a necessidade de mão de obra humana no dia a dia da validação. Os testes até então já mostram bons resultados, sem perda de consistência ou precisão na análise dos dados. Segundo ele, o algoritmo de Inteligência Artificial ainda não consegue acertar tudo. Ele continua sendo treinado para aprender novos casos. A expectativa é que, no segundo semestre de 2024, esteja acertando em uma taxa superior a 80%.

“Isso reduz o tempo de validação e libera a equipe para outras análises”, avalia Souza.

Sob o mesmo guarda-chuva da proteção à biodiversidade e enfrentamento do desmatamento, existem várias trilhas percorridas por cientistas, não apenas no Brasil.  É o caso do desenvolvimento do pacote de software Conservation Area Prioritization Through Artificial INtelligence (Captain). Software criado por um grupo de pesquisa da Universidade de Friburgo, na Suíça, do Instituto Suíço de Bioinformática. Também contribuiram pesquisadores da Suécia e do Reino Unido. A ferramenta oferece então soluções para a proteção de espécies ameaçadas de extinção. Segundo o grupo, que publicou seus resultados na Nature Sustainability[1], os modelos matemáticos otimizados pela IA fornecem soluções melhores do que os softwares de ponta existentes hoje.

“Para otimizar nossos modelos de IA, simulamos um mundo artificial, que compreende muitas espécies expostas a impactos humanos, como exploração direta ou mudanças no uso da terra, e mudanças climáticas”, diz a bióloga computacional Daniele Silvestro, professora da Universidade de Friburgo e líder do projeto do Instituto Suíço de Bioinformática.

 “Deixamos o algoritmo desempenhar o papel de tomador de decisão política como em um videogame, onde a recompensa é o número de espécies poupadas da extinção no final do jogo”, diz ela. O programa roda o jogo várias vezes, o que permite aprender qual é a melhor forma de posicionar as áreas protegidas dentro do mundo simulado. Após esta fase de treinamento, o algoritmo está pronto para processar dados do mundo real.

Na criação do modelo, os autores descobriram que a proteção da biodiversidade ocorre de forma mais efetiva quando existe um bom conjunto de dados sobre a distribuição espacial das espécies. Além disso, é importante o monitoramento regular das populações que vivem no bioma analisado – e não apenas por especialistas em abordagens isoladas, por novas tecnologias ou pela utilização de DNA do solo e imagens captadas via drones. Ou seja, o grupo defende o monitoramento sistêmico da fauna e da flora, e não estudos pontuais usando essas ferramentas. A geração de informação populacional mostra-se mais consistente a partir de forças-tarefas colaborativas abrangentes, segundo mostra a análise.

Conservação de áreas mais sensíveis

Por meio da IA, a metodologia europeia prioriza as áreas mais sensíveis que precisam de conservação. Assim, realiza-se a tomada de decisão a partir da quantificação do trade-off entre os custos e benefícios de se proteger uma determinada área e a biodiversidade contida nela. São múltiplas as possibilidades de exploração das métricas com relação à biodiversidade de uma região. Segundo os cientistas, os resultados são importantes para ajudar na elaboração de políticas públicas, a partir dos orçamentos quase sempre limitados para o setor ambiental.

“O nosso modelo protege significativamente mais espécies da extinção do que ocorre quando as áreas são selecionadas aleatoriamente ou de forma ingênua, apenas com base na riqueza de espécies”, escreve o grupo de cientistas na Nature Sustainability. Isso permite que metas de conservação biológica sejam atingidas de forma mais confiável, a partir dos mapas de prioridades que são gerados pelo software.

“O monitoramento regular da biodiversidade, mesmo com um grau de imprecisão característico dos inquéritos científicos, melhora ainda mais as ações de proteção. A IA é uma grande promessa para ampliar a conservação e a utilização sustentável dos valores biológicos e ecossistêmicos em um mundo em rápida mudança e com recursos limitados”, defende o grupo.

Pé na estrada

No Brasil, segundo Souza, existem outros exemplos, dos quais o Imazon também participa, publicados em revistas internacionais. Um deles visa automatizar, por meio da IA, a detecção de estradas não oficiais que rasgam o interior da Amazônia[2].

As vias não autorizadas é um fenômeno bem conhecido. Tratam-se de vias abertas por madeireiros, garimpeiros e assentamento de terras a partir das estradas regulares. Pesquisas anteriores investigaram o problema a partir da interpretação visual e da digitalização manual de dados. Eles geraram um banco de dados das estradas da Amazônia. Esse conjunto de informações permitiu aos cientistas entender a dinâmica das estradas irregulares e os impactos gerados em termos de desmatamento e fragmentação vegetal. Também apoiaram diversas aplicações científicas e sociais.

O que o novo estudo fez, usando o mesmo banco de dados sobre as estradas, foi treinar e modelar um algoritmo. Ele detecta, por meio de IA, as vias rurais na Amazônia a partir de imagens de satélite. Os resultados então, além da melhoria do algoritmo, mostram uma pegada surpreendente de estradas na Amazônia Legal brasileira. Assim obteve-se 3,46 milhões de quilômetros de vias mapeadas em 2020.

As estradas rurais

Segundo os autores, os modelos desenvolvidos pelo grupo automatizaram totalmente a detecção de estradas em áreas rurais da Amazônia brasileira, possibilitando operacionalizar, de forma eficiente, o seu monitoramento. O roteiro de IA criado na pesquisa, mostra o artigo científico, permite compreender com mais precisão o impacto das estradas rurais sobre novos desmatamentos, incêndios e fragmentação da paisagem amazônica. São informações que podem ajudar na elaboração de políticas públicas de conservação florestal e planejamento regional.

O público em geral pode usar algumas dessas inovações por meio da plataforma PrevisIA[3], criada em 2021 pelo Imazon, pela Microsoft e pelo Fundo Vale. A aplicação, a partir de um algoritmo de IA e um modelo de risco desenvolvidos pelo Imazon e com recursos avançados de nuvem de computadores do Microsoft Azure, analisa diversas variáveis para indicar as áreas sob maior risco de desmatamento – entre elas estradas legais e ilegais, topografia, cobertura do solo, infraestrutura urbana e dados socioeconômicos.

Além do mapa de calor, a plataforma indica a área total e o número de municípios, as Unidades de Conservação, as Terras Indígenas, os territórios quilombolas e assentamentos rurais sob risco de desmatamento na Amazônia. A ferramenta também possibilita a análise por estado e fornece rankings de estados e municípios com maior probabilidade de terem áreas de floresta destruídas.

Nessa linha, o MapBiomas utiliza vários algoritmos de aprendizagem de máquina e inteligência artificial na classificação de informações extraídas em imagens de satélite. Os modelos de Inteligência Artificial, por exemplo, são usados hoje para os vários monitoramentos que a instituição faz, como o de queimadas[4]. Neste caso, o algoritmo mapeia as cicatrizes deixadas pelo fogo em todo território nacional. O modelo é treinado, matematicamente falando, para entender os padrões de queimadas em determinadas regiões de todos os biomas brasileiros.

Da floresta tropical para o Centro-Oeste

A Inteligência Artificial, as redes computacionais neurais para a segmentação de imagens e 42 mil figuras de altíssima resolução espacial sobre a geografia do Cerrado brasileiro também são itens centrais em um outro estudo brasileiro, que conta com a participação da sociedade privada e do terceiro setor.

Nesta pesquisa[5], os autores desenvolveram um método eficiente para detectar e mapear sistemas de irrigação por pivô central em parte do Centro-Oeste brasileiro. A metodologia, segundo o grupo de pesquisadores, tem potencial para ser ampliada a áreas maiores e melhorar o monitoramento do uso de água doce pelas atividades agrícolas em todo o Cerrado.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao foco de pesquisa do grupo do professor Alexandre Delbem, no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP em São Carlos (SP). “Estamos trabalhando na construção de modelos que possam gerar melhores estimativas da umidade do solo (em resolução coerente com o relevo de uma bacia) e da umidade do ar próximo ao solo, a partir de dados de satélite e de sensores em terra”, diz.

“A ideia é que os resultados desse tipo de modelagem beneficiem análises e modelos de previsão em geral, tanto para secas quanto cheias, mesmo nas regiões em que há carência de dados, mas que são importantes para estudos ambientais, investigações sobre a resiliência dos sistemas alimentares e os impactos socioeconômicos devido à mudança climática”, afirma Delbem.

As pesquisas do grupo vão desde o enriquecimento de modelos hidrodinâmicos convencionais usando IA até a proposição de inovações em processos para estimativas da dinâmica atmosférica pelo desenvolvimento de novos métodos atrelados à IA.

Mudanças de paradigmas

Outros papers mostram como a ciência e a tecnologia do sensoriamento remoto estão imersas na era do big data. Por isso, mudanças de paradigmas estão ocorrendo para dar robustez a esse mergulho. Uma das principais mudanças diz respeito à forma de processamento dos dados.

“Certamente, haverá ganho de precisão com AI em relação aos algoritmos tradicionais, mas a maior vantagem é poder sempre aprender novos casos e continuar evoluindo. Uma outra área potencial, é usar IA para decidir se uma multa por desmatamento ilegal deve ser enviada ou não (segundo regras legais e administrativas dos órgãos de controle). Isso ainda não foi desenvolvido, mas certamente removeria a subjetividade da decisão humana na tomada de decisão”, afirma Souza Jr, do Imazon.

Em síntese – mensagens-chave:

Há diversos projetos sendo construídos tanto para mapear quanto para conservar florestas, gerando benefícios diretos para frear as emissões e  proteger ativos da biodiversidade. Os projetos buscam automatizar tarefas repetitivas e liberam equipes para executar outras análises.

A simulação em jogos também permite identificar as melhores estratégias para proteção da biodiversidade. A proteção é mais efetiva quando existe um bom conjunto de dados sobre a distribuição espacial das espécies e o monitoramento é feito com regularidade.

Os resultados são importantes para ajudar na elaboração de políticas públicas, considerando os orçamentos quase sempre limitados para o setor ambiental.

Outros usos da IA em monitoramento ambiental incluem impacto das estradas rurais sobre novos desmatamentos, incêndios e fragmentação da paisagem amazônica; exploração de água doce e medição da umidade no solo; e mapeamento das áreas mais propensas ao desmatamento, de acordo com variáveis como estradas legais e ilegais, topografia, cobertura do solo, infraestrutura urbana e dados socioeconômicos.

Um campo potencial, ainda não desenvolvido, é usar IA para decidir o envio de multas por desmatamento ilegal, segundo regras dos órgãos de controle, o que removeria a subjetividade da decisão humana na tomada de decisão.

Fonte: Página 22


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