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Cada preciosa gota: aproveitando os recursos hídricos ao máximo

CADA PRECIOSA GOTA: APROVEITANDO OS RECURSOS HÍDRICOS AO MÁXIMO

Entrevista com Sandra Postel

Entrevista com Sandra Postel, diretora do Global Water Policy Project [Projeto Mundial de Políticas Referentes à Água], um grupo privado de pesquisa, e membro sênior do Worldwatch Institute, uma organização de pesquisa que fornece informações a respeito de problemas globais emergentes.
Postel afirma que a escassez de água, iminente em muitas partes do mundo, tem o potencial de causar instabilidade interna e conflitos internacionais. Ela deverá lançar um livro, ainda este ano, chamado Pillar of Sand: Can the Irrigation Miracle Last? [Tradução livre: Pilar de Areia: Até Quando o Milagre da Irrigação Vai Durar]. Postel foi entrevistada por Charlene Porter.

Pergunta: De que forma a diminuição do volume de água disponível ameaça a estabilidade social e política?
Postel: Alguns dos indicadores básicos referentes aos problemas com a água e às questões de fornecimento de água – tanto indicadores físicos quanto numéricos, baseados na população e na disponibilidade de água – sugerem que há indícios de problemas no tocante à possibilidade de atender a todas as necessidades de água que, ao nosso ver, se manifestarão no futuro. Se a escassez de água acabar provocando um aumento nos preços dos alimentos, por exemplo, sabemos que a elevação dos preços dos alimentos é um sinal de instabilidade social. Já vimos isso em alguns lugares nos últimos anos – quando os governos, por um motivo ou outro, tiveram que retirar as subvenções dos alimentos, vimos distúrbios nas ruas, em alguns países. Portanto, a qualquer momento em que ocorre um aumento nos preços dos alimentos em um país pobre, pode haver instabilidade social. Já vimos isso acontecer em países como a Indonésia e a Jordânia ocorreram problemas na Índia, este ano, só por causa do preço da cebola.

O outro sinal claro de instabilidade política tem a ver com o que está acontecendo devido à maior necessidade de água em bacias de rios onde a água é escassa, onde os rios são compartilhados por dois ou mais países. Existem alguns pontos críticos, onde podem ocorrer disputas por causa da água, nos locais onde as populações continuam a crescer rapidamente, e onde ainda não existe um tratado em vigor que determine como a água do rio deve ser compartilhada por esses países.

A bacia do Jordão, a bacia do Nilo, a bacia do rio Tigre-Eufrates, os rios Amu Dar’ya e Syr Dar’ya na bacia do Mar Aral, na Ásia Central – essas são as áreas onde a necessidade de água está crescendo. Se você somar a necessidade estimada de água dos rios em cada uma dessas áreas, você verá que, em geral, a necessidade é maior do que a quantidade de água no rio.

Por exemplo, na bacia do Nilo, não há meio de a Etiópia, o Sudão, e o Egito atingirem as suas metas de irrigação simplesmente não há água suficiente para isso. E ainda não existe um acordo para o uso compartilhado da água, não existe um tratado, que inclua todos os principais países, que determine como essa água deve ser compartilhada. Como se espera que as populações cresçam em cada uma dessas bacias de rios, em 40 a 70 por cento no decorrer dos próximos 30 anos, haverá uma disputa, cada vez mais acirrada, por uma quantidade limitada de água.

P: Considerando a hipótese de que pode ocorrer instabilidade, vamos examinar algumas das soluções para conservação eficaz da água, e maior eficiência, que a senhora vem estudando. Vamos começar com o processo de dessalinização da água. Em alguns artigos publicados anteriormente, a senhora escreveu que algumas nações árabes estão transformando a riqueza originária do petróleo em água. Quais são os problemas, a longo prazo, que a senhora vê em relação à dessalinização?
Postel: O Custo. A dessalinização exige muita energia. É preciso usar muita energia para remover o sal da água. Trata-se de uma fonte cara, e por isso há uma probabilidade maior de você ver esse processo em lugares onde a energia se encontra facilmente disponível, e a um custo relativamente baixo. É por isso que eu fiz o comentário sobre se transformar o petróleo em água, porque poucos são os outros lugares que podem bancar o custo de fazer isso. Aproximadamente a metade da capacidade de dessalinização se encontra na região do Golfo Pérsico. E, no momento, estamos obtendo menos de dois décimos de 1 por cento de toda a água usada no mundo, por meio da dessalinização, o que é uma participação muito pequena.

É possível que essa participação aumente porque os preços estão caindo e as restrições quanto à água estão se tornando mais sérias. Portanto a combinação da melhoria da tecnologia com o custo crescente da água é uma indicação de que haverá mais dessalinização, mas eu acho que, por enquanto, esta será uma fonte relativamente pouco significativa, porque ainda será muito cara.

A irrigação com água dessalinizada está fora de cogitação. Os produtores rurais não podem arcar com os custos desse processo. E, naturalmente, a agricultura irrigada é, de longe, a atividade que mais usa água. Portanto, eu acho que [a água dessalinizada] pode ser usada como água potável como último recurso, mas não é uma coisa que realmente vai nos salvar, quando se trata de lidar com a gravidade do problema da água.

P: Vamos falar sobre a questão da conservação de água nas áreas urbanas. Obviamente, as áreas urbanas no mundo inteiro têm situações diversas no que diz respeito ao fornecimento de água mas, de modo geral, quais são, na sua opinião, algumas das técnicas mais eficazes, a curto prazo, para tentar estimular a conservação de água e o uso mais eficiente da água existente nas grandes áreas urbanas?
Postel: Este é um grande desafio. Muitas dessas cidades nos países em desenvolvimento têm de 10 a 20 milhões de habitantes. A Cidade do México tem 15 milhões de habitantes. E é muito difícil proporcionar a infra-estrutura para fornecer água a tanta gente em uma área concentrada e é igualmente difícil coletar as águas servidas de todas as residências e em seguida tratá-las e depois disso devolvê-las ao meio ambiente.

O desafio da infra-estrutura, no caso do fornecimento de água nas cidades, é enorme, e uma boa parte dele ainda precisa ser enfrentado. Isso é particularmente verdadeiro nas megacidades, que crescem rapidamente. Você tem uma quantidade tão grande de pessoas em uma área concentrada, e é muito difícil encontrar uma quantidade suficiente de água a uma distância razoável da cidade para atender às necessidades de toda essa população. Esta é uma parte do desafio. A outra parte é que, ao contrário da agricultura irrigada, onde a água não precisa ser da mais alta qualidade, você precisa de água tratada, e, depois, você precisa lidar, de alguma forma, com as águas servidas. Isso envolve estações de tratamento de efluentes e tubulações e todos os tipos de infra-estrutura cara.

O simples fato de acompanhar as taxas de crescimento que estamos vendo nessas cidades já é um grande desafio. Temos aproximadamente 2,5 bilhões de pessoas morando em cidades, atualmente. E esse número deverá dobrar até o ano 2025. Em 2025 haverá, aproximadamente, 5 bilhões de pessoas morando em cidades. Este é, de fato, um grande desafio.

No momento, muitas das megacidades estão tendo dificuldades com o fornecimento de água e com o esgoto. Se você examinar a situação na maioria dessas cidades, você verá que somente 10 por cento – no máximo 20 por cento – do esgoto é tratado. A maior parte do esgoto ainda é jogado no meio ambiente sem receber nenhum tratamento, nessas megacidades. Os rios que fluem por essas áreas são muito, muito poluídos. A qualidade da água está piorando como resultado da contaminação causada por despejos industriais e domésticos. Uma coisa complica a outra – primeiro você tem um problema de abastecimento de água, e depois você acaba poluindo uma parte da água disponível, que se torna imprópria para o consumo. Os problemas de qualidade e quantidade de água andam juntos nessas áreas.

Para mim, a verdadeira tragédia é que, no setor urbano, as pessoas mais pobres geralmente saem perdendo sob todos os aspectos, pois elas não têm acesso à água encanada. Os habitantes mais pobres dessas cidades, nos países em desenvolvimento, freqüentemente têm que dispor de uma parcela significativa da sua renda para comprar água de vendedores, porque eles não tem acesso ao abastecimento público de água. Essas são as pessoas que moram nas favelas nos arredores das cidades. Algumas delas gastam um quarto da sua renda comprando água de fornecedores, que trazem o líquido em caminhões, duas vezes por semana, em média. Portanto, estamos falando de uma grande iniqüidade: a sociedade subvenciona a água encanada para os habitantes mais favorecidos das cidades, mas os mais pobres, os que não têm água encanada, são os que acabam gastando uma grande parte do que ganham em água. Esse é um enorme problema.

Uma coisa importante nessas cidades é que elas devem incorporar uma eficiente infra-estrutura aos sistemas urbanos de água desde o começo as pessoas devem usar os aparelhos eletrodomésticos e equipamentos mais eficientes, que se encontrarem disponíveis, nas suas casas. E, de modo geral, isso não está acontecendo.

Nos Estados Unidos, atualmente, temos uma lei segundo a qual todos os novos vasos sanitários, torneiras, e chuveiros que forem fabricados devem estar em conformidade com um certo padrão de eficiência. Acho que esse tipo de política seria muito importante nesses países em desenvolvimento onde a taxa de crescimento populacional é alta, pois ela, desde o início, faz com que a água disponível seja mais bem aproveitada. Quando você tem uma família que pode viver com 30 por cento menos de água do que uma família vizinha, isso significa que, desde o começo, você dispõe de uma quantidade maior de água para usar.

P: Vamos falar sobre as políticas de subvenção de água e de que forma as mudanças nessas políticas podem estimular maior conservação.
Postel: Este é um grande problema. Os produtores rurais, em particular, estão obtendo grandes subvenções para a água de irrigação. É difícil encontrar uma situação em que os produtores rurais estejam pagando mais de 15 a 20 por cento do custo real da água. Geralmente, eles não estão obtendo um incentivo suficiente para usar a água de maneira eficiente, em muitos casos. E portanto, se o preço da água servisse para dar um recado melhor aos produtores rurais, estaríamos dando um importante passo à frente no sentido de termos uma utilização mais eficiente da água de irrigação.

Este assunto é complicado porque em uma boa parte do terceiro mundo, a água não é, de fato, distribuída conforme a necessidade, como é o caso no nosso país. A água é enviada por meio de um canal e você a recebe quando chega a sua vez. Você não tem muitas opções para usar a água de uma forma diferente. Mas nos locais em que a água é distribuída de acordo com a necessidade, as estruturas de preço podem influenciar, e muito, a eficiência com a qual um produtor rural usa a água.

Acho que seria difícil começar a cobrar o custo total da água, da noite para o dia. Isso seria muito prejudicial e poderia levar os produtores rurais à falência. Os preços dos produtos agrícolas são muito baixos. Mas existem várias maneiras de estruturar os preços da água de modo a estimular os produtores rurais para que eles utilizem a água de forma mais eficiente, sem impor a eles um tributo excessivo.

Um dos programas que vi na Califórnia envolve uma estruturação dos preços. Isso acontece em um distrito de irrigação onde eles queriam diminuir a quantidade de despejos que estavam causando problemas de contaminação. O que eles fizeram foi atribuir, a 80 por cento da água que o produtor rural usava, primeiramente, o mesmo preço praticado no passado mas em seguida, um grande aumento incidia sobre os próximos 10 por cento de uso geral e havia um aumento maior ainda sobre os últimos 10 por cento. Portanto, os usuários tinham um estímulo para tentar reduzir o consumo em 10 ou 20 por cento, para evitar as tarifas mais elevadas. Aparentemente, o esquema deu certo. Há maneiras criativas de fazer isso sem que o produtor rural seja sacrificado demais.

Percebemos que quando há incentivos, os produtores rurais reagem. Quando eles podem, eles investem em tecnologias mais eficientes. Certamente já vimos que, por exemplo, em certas partes do Texas onde a Fonte de Ogalala secou – os produtores rurais instalaram sistemas de irrigação mais eficientes e reduziram o consumo de água.

O que estou vendo agora é que foram desenvolvidos métodos de baixo custo, de irrigação por gotejamento, que são uma maneira muito eficiente de levar a água diretamente até as raízes das plantas devido a esses métodos, essa tecnologia pode ser muito mais difundida do que se poderia imaginar anteriormente. Existe, certamente, um potencial para que os tradicionais sistemas de irrigação por gotejamento sejam usados mais amplamente do que no passado. Além disso, agora esses sistemas de baixo custo podem fazer com que a irrigação por gotejamento esteja à disposição de pequenos produtores rurais, e produtores rurais pobres, que freqüentemente são aqueles que têm pouca disponibilidade de água e que certamente podem se beneficiar de tecnologias que lhes permitam distribuir essa água mais amplamente.

No ano passado, eu visitei alguns desses sistemas nas colinas do Baixo Himalaia, no norte da Índia, onde os produtores rurais têm problemas com a escassez de água no verão. Em geral, eles me disseram que poderiam dobrar sua área agricultável se tivessem água em quantidade suficiente. Portanto, com a irrigação por gotejamento, eles podem pegar a água de que dispõem e talvez aproveitá-la em dobro, pois poderão usá-la de forma mais eficaz. Esses tipos de coisas não têm sido muito promovidas só agora é que as pessoas estão dando mais atenção a elas.

P: Além da irrigação por gotejamento, há outros novos tipos de métodos de irrigação que podem se revelar mais promissores, no futuro?
Postel:
A tecnologia de sprinkler é outro bom método que poderia ser usado mais amplamente, especialmente os micro-sprinklers. Mais uma vez, estou falando do pequeno produtor rural. Especialmente nos países em desenvolvimento, a tecnologia de irrigação, de modo geral, tem sido dirigida para as maiores fazendas. Os sistemas de canais freqüentemente distribuem a água para os produtores nas pequenas propriedades, mas nos casos em que não há água disponível na superfície e os produtores rurais têm que recorrer ao lençol freático, eles geralmente têm dificuldade em obter acesso ao subsolo para irrigar pequenas propriedades, porque as tecnologias são caras demais. As tecnologias de micro-irrigação, o gotejamento em pequena escala, e o micro-sprinkler, podem ser benéficas para o pequeno produtor rural, e elas tendem a ser maneiras eficientes de usar a água.

O micro-sprinkler não é muito diferente de um desses sprinklers que vemos nos quintais de algumas casas. Você muda o equipamento de lugar seis, sete, ou oito vezes, em um acre de terra, para irrigar a sua plantação. Você pode usá-lo em um produto como o trigo, para o qual os sistemas de gotejamento não são indicados, mas ele tende a ser mais eficiente do que um sistema baseado na força da gravidade que usa o alagamento ou um sistema baseado em sulcos. Você distribui menos água, de maneira mais uniforme, e assim você pode aguar a plantação com menos água do que com valas e sulcos de alagamento.

De modo geral, a melhoria da eficiência nos sistemas de fornecimento de água depende de se conseguir os devidos incentivos, e fazer com que as instituições funcionem melhor é uma providência essencial. É essencial, também, que haja maior envolvimento por parte dos produtores rurais, maior responsabilidade em todo o sistema, de modo que quando os produtores rurais pagarem mais pela água, eles vejam uma melhoria no sistema.

Esses tipos de coisas podem parecer triviais, mas influenciam grandemente a maneira pela qual as coisas funcionam.

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Charlene Porter escreve artigos sobre questões globais, para a Agência de Divulgação dos Estados Unidos.
Fonte: http://usinfo.state.gov/journals/itgic/0399/ijgp/ij039906.htm

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