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Avaliação de lagoas de lemnas para o polimento de esgoto doméstico com foco na microbiota associada

Resumo: As lagoas de lemnas são uma tecnologia promissora para o tratamento e valorização dos esgotos sanitários, tendo em vista a eficiência, o baixo custo e a produção de biomassa. Contudo, a influência da dinâmica microbiana nestes sistemas de tratamento é desconhecida e pouco estudada. Deste modo, o presente trabalho visa avaliar o potencial de lagoas de lemnas para o polimento do esgoto doméstico, com enfoque na dinâmica da microbiota associada às macrófitas. Para isso, foi desenvolvido um experimento em escala piloto, composto por duas lagoas de lemnas em série (10,8m2 e TDH de 17 dias cada) para o tratamento de esgoto doméstico. O sistema foi operado com uma vazão de 200 L/dia, carga orgânica de 2,5 g DQO.m-2.d-1 e monitorado durante 12 meses por meio de parâmetros físicos e químicos: oxigênio dissolvido, pH, temperatura, série nitrogenada, série de sólidos, fósforo total, fosfato, demanda química de oxigênio, demanda biológica de oxigênio, carbono orgânico dissolvido e turbidez. A avaliação microbiológica foi feita utilizando a contagem de plâncton, bem como técnicas de biologia molecular para identificação e quantificação de grupos bacterianos: Hibridização Fluorescente in situ e sequenciamento genético. Igualmente, foi avaliada a taxa de crescimento da biomassa de macrófitas. Como resultados, observou-se uma eficiência média de remoção de nutrientes de NT = 91% e PT = 93%, e de matéria orgânica DBO = 86%, produzindo um efluente com concentrações de 5,3, 0,5 e 10,5 mg.L -1 para NT, PT e DBO, respectivamente. As análises do zooplâncton revelaram uma elevada densidade de microcrustáceos (ostrácodas, cladóceros e copépodos) chegando a aproximadamente 30.000 ind.L-1 , tendo estes organismos uma importante função na redução de turbidez e sólidos suspensos. O sequenciamento genético revelou diversidade de gêneros bacterianos, incluindo organismos patogênicos, nitrificantes, desnitrificantes e fixadores de nitrogênio, com médias de 9,2%, 0,9%, 33,7% e 16,7%, respectivamente. Conclui-se que as lagoas de lemnas operadas sob as condições avaliadas atingiram remoção de nutrientes enquadrando o efluente nos padrões de lançamento da legislação vigente. E que os organismos associados às macrófitas desempenham uma importante função no sistema, com variações sazonais, principalmente na remoção de sólidos suspensos, DBO e na transformação de nutrientes.

Introdução: A preocupação com a disponibilidade de água em quantidade e qualidade suficiente para suprir a demanda de seus múltiplos usos é um tema crescente no Brasil e no mundo. O aumento da população e a consequente industrialização das cidades geraram um acréscimo no consumo de água e na poluição dos rios, lagos e reservatórios, causada principalmente pelos efluentes domésticos e industriais ali despejados. O que torna a escassez de água de qualidade uma realidade a ser discutida por todos. Segundo a ANA (Agência Nacional de Águas) (2015), a compreensão da crise hídrica que se apresenta atualmente, a valorização dos recursos hídricos, como bem público finito, e a conscientização da necessidade de uso mais racional e sustentável da água são essenciais para que se tenha maior garantia da oferta hídrica para os usos múltiplos. Para isso, é necessário apoiar e aprimorar técnicas de reuso da água, reduzir o desperdício pelos diferentes setores usuários (na irrigação, na indústria, na distribuição e no consumo residencial, por exemplo), além de aplicar ações de conservação de mananciais (ANA, 2015). O tratamento e o reuso das águas residuais são uma das soluçõeschave para enfrentar a crise, pois, infelizmente, cerca de 90% das águas residuárias de países em desenvolvimento fluem sem tratamento até os rios, lagos e zonas costeiras (ONU, 2015). Segundo especialistas do Banco Mundial (BIRD), na América Latina, três quartos da água fecal ou residual volta para os rios e outras fontes hídricas, criando um sério problema de saúde pública e para o meio ambiente (ONU, 2015). Para um maior controle da qualidade da água, leis e políticas públicas foram criadas, como a Lei 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e regulamenta os usos múltiplos das águas em nosso país (BRASIL, 1997), e a Resolução n° 430/2011 do Conselho Nacional do Meio Ambiente que dispõe sobre as condições e padrões de lançamentos de efluentes para o meio ambiente. Assim, as indústrias e o poder público desempenham um papel importantíssimo na conservação da qualidade da água e preservação do meio ambiente. Esse papel pode ser realizado, em parte, com o tratamento adequado de seus efluentes. O esgoto doméstico pode apresentar elevadas concentrações de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, além da contaminação fecal, por agentes patogênicos, mesmo após o tratamento. Quando os nutrientes são lançados nos ecossistemas aquáticos podem induzir o processo de eutrofização causando diversos danos aos corpos receptores, conforme enumeram Mota e Von Sperling (2009): problemas estéticos e 24 recreacionais; condições anaeróbias no fundo do corpo d’água; eventuais condições anaeróbias no corpo d’água como um todo; eventuais mortandades de peixes; maior dificuldade e elevação nos custos de tratamento da água; problemas com o abastecimento de águas industrial; toxicidade das algas; modificações na qualidade e quantidade de peixes de valor comercial; redução na navegação e capacidade de transporte. Além disso, a amônia pode causar problemas de toxicidade aos peixes e implicar em consumo de oxigênio dissolvido (ARANA, 1997). Alguns sistemas convencionais de tratamento dos esgotos sanitários, como o sistema de lodos ativados exigem etapas específicas ou controladas para a remoção de nutrientes, tornando-se uma tarefa onerosa, sendo propício para regiões onde a disponibilidade de área é limitada. No entanto, estes sistemas demandam uma elevada mecanização, implicando em uma operação mais sofisticada, alto consumo de energia elétrica para aeração e maior produção de lodo (VON SPERLING, 2001). Por outro lado, mesmo com a complexidade e a tecnologia empregada nesses sistemas, a remoção de nutrientes a níveis satisfatórios não é garantida, sendo que em muitos casos o efluente apresenta elevadas concentrações de nitratos e fosfatos. Como alternativa para efetivar a remoção de nutrientes dos esgotos domésticos está o uso de lagoas de tratamento com macrófitas aquáticas. Estes sistemas têm sido propostos e utilizados no tratamento terciário de águas residuárias, tais como as domésticas, industriais e de suinocultura, como exemplo, Tavares et al. (2008) avaliaram o desempenho da Lemna valdiviana no tratamento terciário de efluentes de suinocultura. Este tipo de configuração de lagoas de estabilização é caracterizado pela presença de uma espécie de planta aquática que cobre totalmente a superfície da lagoa trazendo benefícios como: a redução de algas, a absorção direta dos nutrientes, a redução de odores e superfície para fixação de biofilme, entre outros. A escolha da espécie vegetal é, junto a outras variáveis de dimensionamento, de fundamental importância para o sucesso do tratamento (MATOS et al, 2010). Dentre as espécies já avaliadas, como os aguapés (Eichornia spp), as lemnáceas se destacam pela produção de uma biomassa passível de valorização. As lagoas que utilizam macrófitas lemnáceas para o tratamento de efluentes domésticos têm sido aplicadas com sucesso em diversos países, como Brasil, China, EUA e Índia (BRUGNAGO, 2014; ZHAO, 2015; CROSS, 2006; IQBAL, 1999). É uma tecnologia promissora, visto que alia a eficiência para o polimento de efluentes com o baixo custo e simplicidade operacional do sistema, sendo assim, se enquadra no 25 contexto das Tecnologias Sociais. Segundo Caicedo et al. (2000), as macrófitas podem ser aplicadas na superfície de lagoas de estabilização contribuindo para a recuperação de nutrientes a partir das águas residuárias. As espécies de lemnas mostram algumas características que tornam esses sistemas atrativos, como a sua rápida multiplicação e seu elevado teor proteico, aliado com seu pequeno tamanho, tornando o manejo da biomassa mais fácil de ser realizado, sendo assim, um potencial importante para valorização de recursos. Contudo, a aplicação desta tecnologia no Brasil ainda carece de muitos estudos para elucidar diversos parâmetros de operação e controle dos sistemas. Neste contexto, o Laboratório de Efluentes Líquidos e Gasosos (LABEFLU) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) vêm desenvolvendo pesquisas sobre esta tecnologia há mais de 15 anos, os quais abrangem o tratamento de efluentes agroindustriais e domésticos, com pesquisas em sistemas pilotos e em escala real. (MOHEDANO 2004 e 2010; BACH, 2013; VIEIRA, 2013; BARÃO, 2014; BRUGNAGO, 2014). O presente trabalho dá continuidade aos trabalhos anteriormente realizados pelo LABEFLU, com a finalidade de avaliar o potencial de lagoas de lemnas – utilizando a espécie Landoltia punctata – no polimento de esgoto doméstico, avaliando as eficiências de remoção dos nutrientes e a microbiota presente nas lagoas.

Autora: Camila Cassuly Teles.

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