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Água e cidadania: uma visão de futuro

João de Deus Souto Filho

Sem água de boa qualidade não existe futuro para os núcleos sociais, sejam eles rurais ou urbanos. Como a água é um elemento fundamental para a vida, não é possível argumentar sobre qualidade de vida quando os recursos hídricos estão comprometidos. Se quisermos projetar um futuro melhor para as próximas gerações, precisamos necessariamente priorizar o tema “água” — no contexto social, econômico ou político.

Pensar de forma diferente é o mesmo que iniciar a construção de um edifício pelo telhado, esquecendo-se dos alicerces. Se formos buscar na história argumentos que justifiquem tal assertiva, vamos encontrar inúmeros registros que demonstram a relação íntima que existe entre o desenvolvimento das civilizações e a disponibilidade de água potável — particularmente, com relação aos rios, principais fontes de água apropriada para o consumo humano. A título de ilustração, repetimos aqui o fragmento de um artigo, elaborado por nós, publicado na mídia local, que trata da relação entre os rios e as cidades.

Nele, afirmamos que “Eles (os rios) são as fontes milagrosas que viabilizam o desenvolvimento da quase totalidade dos núcleos sociais por nós conhecidos. Paris, a mais charmosa metrópole européia, nasceu e se desenvolveu às margens do Sena. Londres, o coração da nobreza inglesa, é uma cidade alimentada pelo Rio Tâmisa. Roma, centro político e cultural da Itália, tem a sua história ligada ao Rio Tibre. Nova Déli, capital da Índia milenar, ergueu-se às margens do sagrado Rio Ganges. São Paulo, a maior metrópole da América Latina, nasceu às margens do Rio Tietê. Recife, a nossa Veneza dos trópicos, tem a cara e o cheiro dos irmãos de água, Capibaribe e Beberibe. E Natal, a nossa vila mais sagrada, germinou nas margens do Potengi”.

Daí, depreende-se que, sendo a água um elemento essencial para a manutenção da qualidade de vida, seja numa pequena comunidade ou numa megalópole, e considerando-se que o ser humano é o principal responsável pela degradação dos recursos hídricos do planeta, existe uma forte relação entre os temas “água” e “cidadania”. Saber cuidar da nossa água é uma atitude cidadã. Se pretendemos refletir sobre o futuro da Região Metropolitana de Natal, se temos a intenção de elaborar um projeto de “cidade saudável”, é fundamental que saibamos construir juntos uma consciência de valorização deste bem tão precioso: a “água nossa de cada dia”.

Nossos recursos hídricos

Quais são esses mananciais de água, no âmbito de nossa cidade? De que recursos hídricos estamos falando? Existem dois tipos de mananciais que precisam ser considerados: as águas superficiais (lagoas e rios) e as subterrâneas (lençóis d’água). No caso das águas superficiais, necessitam de atenção especial as lagoas do Jiqui (situada na zona sul de Natal) e de Extremoz (zona norte), assim como precisam de cuidados extremos de preservação os rios Potengi, Pitimbu e Jundiaí. Quanto às águas subterrâneas, estamos nos referindo ao Sistema Aqüífero Dunas-Barreiras, responsável por aproximadamente 70% do abastecimento de água da população natalense. Todos esses mananciais estão sofrendo atualmente algum tipo de agressão. Os principais agentes de contaminação são os esgotos domésticos e industriais, despejados em nossos rios e lagoas ou que se infiltram no solo.

Os principais focos de contaminação

Os trabalhos realizados pela Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern) em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) já permitiram identificar os principais focos de contaminação de nossos mananciais de águas superficiais e subterrâneas. São eles:

1. As fossas e sumidouros (conseqüências da falta de saneamento básico em toda a cidade).

2. Lagoas de infiltração (decorrentes das ligações clandestinas de esgoto na rede de águas pluviais).

3. Antigos cacimbões transformados em fossas (contaminam diretamente os lençóis de água subterrânea).

4. Poços mal construídos (elaborados sem critérios técnicos adequados).

5. Lixões (construídos sobre as dunas, que são terrenos muito permeáveis).

6. Esgotos industriais (transferidos para lagoas de infiltração ou despejados diretamente nos rios Potengi, Jiqui e Jundiaí).

7. Postos de gasolina (vazamentos de combustível dos tanques enterrados no terreno e não-tratamento das águas servidas).

8. Criações de animais (bovinos, suínos e aves) nas margens dos rios e lagoas.

Consciência de valorização das águas

Essas agressões ambientais só vão parar se nós, cidadãos, envolvermos-nos diretamente com o problema. Precisamos nos organizar nas escolas, universidades, condomínios, associações de bairro e locais de trabalho, em todos os recantos da cidade, para formarmos uma rede de conscientização e valorização da água. Não podemos mais ficar aguardando, de braços cruzados, a boa vontade dos órgãos governamentais. Precisamos fazer as coisas acontecerem por meio do exercício do nosso sagrado direito de exigir. Esse é o caminho mais curto e objetivo. De outra forma, estaremos assistindo, passivos, à morte anunciada de nossos rios e lagoas, bem como à destruição de nossos lençóis de água subterrânea.

Movimento Pró-Pitimbu

Existe, na cidade, um grupo de pessoas que está dando um belo exemplo de ação de cidadania. São os membros do Movimento Pró-Pitimbu, que estão trabalhando ativamente para salvar um dos rios mais importantes da região metropolitana de Natal, o pequeno Pitimbu. Esse movimento reúne profissionais de diferentes especializações, professores, representantes de associações de bairro, entre outros, que zelam pela saúde desse importante curso d’água, responsável pelo abastecimento da Lagoa do Jiqui. Trata-se de voluntários, que dedicam uma parte de seu precioso tempo em defesa de uma causa nobilíssima, qual seja a de preservar a qualidade de vida na cidade de Natal através da conservação de nossos mananciais de águas superficiais. Por que não ampliar essa idéia? Por que a maior parte da população fica de braços cruzados, no conforto de seus lares, assistindo passivamente à destruição dos recursos hídricos? Talvez seja por falta de informações sobre o tema. Se esse for o caso, precisamos pensar em maneiras de trazer para o cotidiano do cidadão natalense o tema “água”. Só assim poderemos ampliar iniciativas como as do Movimento Pró-Pitimbu, que já começa a coletar seus frutos.

Construindo um futuro melhor

Para mudar esse estado de coisas, precisamos desencadear ações articuladas e permanentes que obriguem os órgãos responsáveis pela manutenção e gerenciamento de nossos mananciais de água a exercerem devidamente seus papéis. Mas que órgãos são esses? Nos âmbitos estadual e municipal, os seguintes órgãos relacionam-se com o problema da água:

1. Idema (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente).

2. Semurb (Secretaria Municipal de Urbanismo).

3. Semov (Secretaria Municipal de Obras e Viações).

4. Serhid (Secretaria de Recursos Hídricos).

5. Covisa (Comissão de Vigilância Sanitária).

6. Caern (Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte).

Além dos órgãos relacionados acima, há o Complan (Conselho Municipal de Planejamento Urbano) e o Conerh (Conselho Estadual de Recursos Hídricos), que congregam representantes de vários segmentos da sociedade, com respaldo de lei para atuar nas questões relacionadas à problemática da água na região de Natal. E para completar, contamos também com a Promotoria de Meio Ambiente, que coloca à disposição do cidadão os promotores públicos, que têm como principal missão defender os interesses da sociedade.

Como podemos observar, dispomos de todos os meios para fazer as coisas acontecerem. Então, façamos nossa parte! Está na hora de praticarmos intensamente nosso sagrado direito de exigir. Exijamos a preservação de nossos mananciais de águas superficiais e subterrâneas. Agindo assim, estaremos contribuindo diretamente para a melhoria da qualidade de vida em nossa cidade.

João de Deus Souto Filho – Geólogo
(Presidente da Associação de Geólogos do Rio Grande do Norte)
[email protected]
Fonte: http://www.educacional.com.br

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