Análise da qualidade da água na Lagoa da Tijuca, no Canal da Joatinga e no Quebra-Mar da Barra atestou a grande presença de toxinas que oferecem riscos aos banhistas.
O resultado foi produzido pelo Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental, da Fiocruz, e um documento foi enviado pelo biólogo Mario Moscatelli na noite desta sexta aos secretários de meio ambiente do município e do estado. O documento sugere a proibição de banho no canal e na Praia dos Amores (ao lado do Quebra-Mar) nos período de maré baixa de sizígia (na lua cheia e nova), quando a vazão de água das lagoas é maior.
A coleta, promovida por Moscatelli, foi feita em quatro pontos de amostra na manhã desta sexta. Em todos eles, a concentração de microcistina, toxina liberada por cianobactérias e que pode causar lesões de pele, problemas gastrointestinais, doenças respiratórias, febre, alergia e dor de cabeça, estava acima do limite permitido. Inclusive, a maior concentração foi encontrada no Quebra-Mar, ou seja, no trecho mais próximo à Praia da Barra.
Para o laboratório, como consta no documento, o resultado “torna a presença de banhistas neste local extremamente preocupante”, em referência ao Canal de Joatinga e Praia dos Amores, pontos onde pessoas costumam se banhar e praticar stand up paddle, ou andar de jetski. O resultado também indica que as cianobactérias e microcistinas estão chegando na Praia da Barra, com “potencial risco às pessoas que se banham nessa água, que eventualmente ingerem pequenas quantidades”.
Como sugestões, o laboratório concluiu que são necessárias medições periódicas em três pontos de amostragem, instalação de placas informando período de contaminação e “interdição do uso dos trechos do canal da Joatinga, Praia dos Amores e Quebra-mar durante os períodos de maré baixa de sizígia”. No final, porém, os pesquisadores dizem que a solução definitiva passa pela universalização do saneamento básico.
A poluição da praia já pode ser comprovada pelos boletins do Inea. Na análise, a Praia da Barra é dividida em quatro trechos: Quebra-Mar; altura do 2º Grupamento dos Bombeiros; Riviera, e Ayrton Senna. Os dois primeiros são os mais próximos do Canal da Joatinga e, por isso, são mais poluídos. Entre março e julho, o monitoramento de qualidade ficou em grande parte interrompido, por causa da proibição de banho de mar. Mas, desde agosto, com exceção de quatro datas, todos boletins apontaram como impróprios os dois primeiros trechos da Praia da Barra.
Nesta sexta-feira, em percurso de barco com o biólogo Mario Moscatelli, a equipe do GLOBO registrou a cor verde “marca-texto” nas lagoas, em especial na Lagoa da Tijuca, nas proximidades do condomínio Península. Lá, o biólogo coletou amostras de água para a análise da Fiocruz. A cor esverdeada ocorre por causa da proliferação de cianobactérias, microorganismos que se multiplicam a partir da concentração de matéria orgânica e nutrientes, nesse caso o esgoto, e que podem soltar diversas toxinas, incluindo alguns tipos que causam danos à saúde, desde vômito, irritação na pele, a convulsão ou problemas no fígado.
— A diferença é que essa explosão de cianobactérias era mais focada no verão, pois a alta luminosidade acelera a reprodução. Mas agora, como a primavera está sendo quente, a proliferação se antecipou — explica Moscatelli, que alerta para o deságue de poluentes no mar, através do Canal da Joatinga. — Onde houver essa mancha verde abacate saindo do sistema lagunar e atingindo a praia, eu não boto o pé na água e tão pouco vou à praia. Questão de saúde, eu não arrisco a minha.
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Os problemas de saneamento na AP4 (Barra, Recreio, Vargens e Jacarepaguá) motivaram o engenheiro ambiental Phillipe Rocha, mestrando da Uerj, a realizar uma pesquisa entre os moradores. Ele questionou, até aqui, 205 pessoas com uma série de perguntas sobre percepção de saneamento ambiental. Ele chegou a resultados inesperados, como 63,4% de respostas favoráveis a investir dinheiro do próprio bolso para ajudar no saneamento. A primeira fase da pesquisa será apresentada no Congresso Ecotech, na Suécia, no final do mês.
— Achei que a maioria não ia se importar muito, até porque são mores que convivem com o esgoto sem tratamento ao lado de seus condomínios, e parecem seguir a vida normalmente. Muitas pessoas responderam que percebem mau cheiro vindo da rua. Isso significa que o esgoto está caindo em rede de drenagem, o que não é correto — explicou Rocha.
Promessas descumpridas
Problema de décadas na região, a poluição do sistema lagunar teve solução prometida como legado olímpico. Um projeto foi elaborado para dragagem das lagoas, mas a falta de apresentação de estudos de impacto ambiental gerou questionamentos do Ministério Público e atrasou o cronograma. No final, já após a Olimpíada, o estado não tinha mais os R$673 milhões previstos para obras, em recursos que viriam, principalmente, de empréstimo com o Banco do Brasil e do Fundo de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam).
Em 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) obrigou o Ibama a apresentar um plano para a conclusão das promessas ambientais olímpicas no Rio, na Baixada de Jacarepaguá e Baía de Guanabara. Procurado, o tribunal respondeu que não abriu processo para monitorar o cumprimento da decisão. Já o Ibama não respondeu.
— Falta vontade política para resolver problema. Enquanto não tiver saneamento universalizado vai ser assim. A Lagoa de Jacarepaguá, onde eu costumava trafegar com facilidade, já está muito assoreada, e agora temos dificuldades para navegar. A única coisa que consegui, depois de 20 anos sugerindo, foi que a atual gestão do Inea instalasse três ecobarreiras, no Arroio Pavuna, no Pavuninha, e no Itanhangá. Uma ecobarreira dessa consegue reter até 120 toneladas de lixo em dois meses — afirmou Mario Moscatelli.
As ecobarreiras, porém, ainda não estão operando. Procurado, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) respondeu que a manutenção e operação serão feitas por uma empresa, cujo contrato ainda não foi iniciado. A pasta não deu um prazo. Além das três, outras duas ecobarreiras serão instaladas, no Canal do Anil e no rio Arroio Fundo. Os ecobargos, outra promessa olímpica, também não estão operando, e o Inea afirmou que os contratos estão sendo revisados.
Outra reclamação é a proliferação de gigogas na Lagoinha das Taxas, no Recreio. Segundo Antonio Melo, presidente do Movimento pela Despoluição do Canal das Taxas, dois maquinários do Inea iniciaram trabalho de remoção das gigogas em junho, mas foram retiradas no dia 9 de outubro, quando ainda havia muita poluição flutuante. O Inea não respondeu sobre o abandono do trabalho.
Enquanto isso, o Ministério Público do Rio conseguiu a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a Cedae com objetivo de aumentar os investimentos em saneamento básico da AP4. No termo, assinado em junho passado, foi acertado que em até um ano a concessionária vai publicar um edital para obras de modernização e ampliação das 36 estações elevatórias de esgoto que existem na região, o que inclui a criação de um centro de controle operacional.Além disso, a Cedae se comprometeu em identificar residências sem ligações com a rede, e fazer campanha para suas regularizações.
Para o engenheiro sanitarista da Uerj Adacto Ottoni, a solução para o sistema lagunar passa primeiro pelo controle do aporte de esgoto, e o trabalho precisa ser rápido, pois o risco eminente é a poluição das praias.
— Primeiro precisa barrar a entrada de esgoto, pelas ocupações formais e informais. Só depois que se faz a dragagem, para retirar o lodo de matéria orgânica no fundo das lagoas. E, por último, fazer entrada controlada da água do mar, pelos canais da Joatinga e Sernambetiba, o que vai ajudar a revitalizar o sistema.
Procurada, a Cedae respondeu que está investindo R$10 milhões em tubulações de esgoto na Bacia do Anil e na Bacia Aroazes, além de R$13,9 milhões para melhoria da estação de esgoto da Barra, e R$5,4 milhões em obras de interligação na Freguesia e adjacências.
Fonte: EXTRA